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O intelectual não pode viver em uma torre de marfim. E, se for católico, tem que “decifrar o sentido do presente” e “combater o cinismo em todas as suas formas.” São dois dos deveres imprescindíveis do intelectual católico do nosso tempo que o filósofo da Universidade Ramon Llull, Francesc Torralba , compartilhou no II Congresso da revista Questions de Vida Cristiana e da Fundació Joan Maragall, que aconteceu no mosteiro beneditino catalão de Montserrat.

Veja outros deveres do intelectual católico, segundo o filósofo:

  1. Decifrar o significado do presente, articular uma cartografia do agora, explorando os vetores que movem a cultura e as tendências da época. Este dever requer a habilidade de detectar o que é de boa fé, puro, verdadeiro e bom e, por outro lado, exige a capacidade de entender a obscuridade do presente.
  2. Recriar linguisticamente a herança recebida, articulá-la mediante um jogo de linguagem que seja significativo, claro e inteligível para o homem e a mulher de hoje. Evitar cair no tradicionalismo pétreo e, da mesma forma, na “novolatria” (idolatria do que é novo).
  3. Manter um compromisso ativo com a racionalidade, identificando seus potenciais e limitações, evitando cair no sentimentalismo, mas também não atendo somente ao racionalismo. Espera-se que um intelectual católico lute contra a credulidade e o fideísmo.
  4. Construir pontes com as tradições espirituais e religiosas da humanidade, e, quando possível, com novas formas de espiritualidade laica que emergem às margens das instituições formalmente articuladas.
  5. Articular uma chamada profética a favor dos mais vulneráveis, dos excluídos e dos que estão à margem de nossa sociedade – e atuar em defesa da dignidade inerente à toda pessoa humana.
  6. Não renunciar o criticismo moderno e desenvolvê-lo tanto ad intra (dentro da instituição eclesial), quanto ad extra (o mundo). Viver o sentido de pertinência sem complexos e não se esquivar da dor de ser membro da Igreja em certas ocasiões.
  7. Apostar na visibilidade midiática. Existir no ágora digital, ter a audácia de estar presente neste espaço e propor a própria cosmovisão. Recusar a hipervisibilidade e, por outro lado, a tendência à marginalidade e ao refúgio no calor do rebanho. Colocar-se para fora, ter a audácia de estar na praça pública e, se convier, de ser ferido.
  8. Comprometer-se com as causas nobres da sociedade. Lutar contra o puritanismo moral e o perfeccionismo, a moral da elite e a tendência de jogar o papel do espectador neutro. Não há neutralidade para o intelectual católico. É necessário ser ator; não espectador passivo do mundo. É preciso lutar para melhorar o mundo, participando de organizações que transformam a sociedade.
  9. Reconhecer as grandes produções artísticas, culturais e filosóficas da cultura laica. Também reconhecer as manifestações do ateísmo dos séculos XIX e XX e do humanismo ateu em todas as suas formas. Não se sentir provocado pelo laicismo de voo galináceo.
  10. Articular um discurso de esperança, capaz de combater racionalmente a tendência ao niilismo histórico e, especialmente, não se deixar vencer pelo desânimo diante dos acontecimentos. O intelectual católico deve combater o cinismo em todas as suas formas – inclusive aquele que pode nascer em seu interior.

Autor: Miriam Diez Bosch

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A IGREJA CATÓLICA CRIOU AS UNIVERSIDADES SIM OU NÃO?

Uma resposta ponderada

“A fé na possibilidade da Ciência, gerada, antes do desenvolvimento da teoria científica moderna, constitui uma derivação inconsciente da teologia medieval.” (Alfred North Whitehead).

A Internet é um mundo, às vezes me deparo com coisas surpreendentes, algumas para o bem, outras para o mal. Nessas navegações pelo Facebook, no perfil pessoal de uma jovem protestante conservadora ouvi pela primeira vez o nome Lucas Banzoli, não dei muita confiança. Entretanto, percebi que a jovem em questão estava radicalizando sua posição, tentei debate com elegância e sem radicalismo. Fui expulso do hall de suas amizades. Então, descobri um blog chamado “Heresias Católicas”, pertencente ao Banzoli, o termo “heresias” nome por si só um paradoxo, já que aquele que afirma há uma heresia deve provar primeiro que tem uma ortodoxia ao seu lado. Até aí, nada de novo, já que todos os dias surgem novas “ortodoxias”, cada grupo defende como verdade.

Contudo, não pretendo desconstruir todos os artigos do site, pois não é do meu interesse e nem tenho tempo para isso. Mas efetivamente um artigo me chamou a atenção, que sem apresentar uma historiografia atualizada e pertinente, tenta desmentir a afirmação que a Igreja católica criou as universidades[ii]. No artigo intitulado “A Igreja Católica criou as universidades!!!!”[iii], o autor diz que essa afirmação é de papistas, mais precisamente de Thomas Wood. Peraí! Não é afirmação “errada”, mas fruto da pesquisa de Woods, cuja interpretação pode ser exagerada, mas não imprecisa. O texto de Banzoli tenta menosprezar a afirmação de que a Igreja não inventou as universidades, e eu vou desconstruir isso e faço com uma argumentação baseada em diversos pesquisadores vinculados a História da Ciência (não sei a religião deles e nem procurei saber), como Grant e Haskins. Faço várias considerações, com informações que permitirão ao leitor fazer uma conclusão embasada.

Então, preparei algumas refutações, mas vocês perceberão que fujo bastante das indagações do site. Isto se deve a minha proposta de não ficar só questionando as afirmações do artigo em questão, mas de apresentar coisas novas vinculadas a uma historiografia moderna (que não é tão moderna assim). Então, vamos algumas contestações:

  • Uma das afirmações é que UNESCO cita que a primeira universidade do mundo foi a Universidadeal Quaraouiyine, digo que é completamente contestável. Há vários poréns nisso, As “universidades” islâmicas era madrassas (GRANT 2009, p. 123), centros de estudo religioso, e apesar da Europa dever aos comentaristas muçulmanos de Aristóteles, a filosofia natural no mundo islâmico já havia caído em declínio devido as imposições teológicas o Islã (Idem, p. 121). A ciência islâmica já estava em decadência. Dizer, como a UNESCO, que as primeiras universidades nasceram no mundo muçulmano é mais um posicionamento político da instituição do que um fato histórico.
  • A acusação ao Trivium é descabida, que já existia desde Antiguidade, aperfeiçoado e padronizado pelos pensadores vinculados a Igreja durante a Idade Média. O autor não afirma que o estudo das artes liberais foi invenção da Igreja, mas que seu ensino nas Universidades era apenas um simples jogo de retórica. Por que é descabido? Porque usa o Trivium como falácia do espantalho, as universidades não apenas estudavam-no como também a filosofia natural aristotélica, a partir do século XII. Podemos deduzir, por causa disso que o estudo das artes liberais não era um entrave ao conhecimento científico. Hoje finalmente temos acesso, em português, a obras sobre o Triviume o Quatrivium pela editora É Realizações. Sua publicação já é uma vitória contra o desprezo que a academia brasileira tem ao conhecimento medieval levando a um público especializado e não-especializado a riqueza de nossas tradições.
  • Cita o padre Claude Fleury, um pré-iluminista e janseanista (por isso sua visão tão pessimista), autor de uma obra de mais de 400 anos, fonte de boa parte do artigo. A obra é crítica a igreja, recebeu até elogio de Voltaire (isso diz muito). A Historiografia atual, moderna procurou ser livre do ranço dos preconceitos iluministas e liberais. Hoje, a renovação da escrita histórica quebra com muito dos preconceitos sobre a Igreja Católica. Podemos perceber, no artigo do Banzoli, uma bibliografia uma historiografia antiquada, sendo que a obra mais recente citada tem 72 anos.
  • As universidades, as catedrais e os parlamentos são frutos da Idade Média (HASKINS, 2015, p.17). Há vários erros como, por exemplo, usar como fonte um livro sobre as Cruzadas, de 1944, onde ele retira partes do texto para evidenciar a falta de cultura na Idade Média. Segundo a opinião de um professor medievalista da Federal do Espírito Santo sobre o livro: “Na ocasião, eu o li quase como um romance, pois, apesar de conter informações verdadeiras, o autor não indica as fontes.” A bibliográfica é antiga e desatualizada. Impresso muito antes das reformas do ensino de história brasileiro
  • Se a igreja Católica não criou (no pior dos casos), pelo menos apoiou, supervisionou, padronizou, deu aval e subsidiou. As universidades têm seu núcleo inicial nas guildas medievais de estudantes e professores. Isso na renovação cultural dos séculos XII (HASKINS, 2015, p. 20). Os imperadores e os Papas deram legitimidades a essas instituições, e por muitas vezes gerenciaram os conflitos entre os estudantes e a população local, muitas vezes belicoso (não é que estudante é o mesmo não importa a época?).
  • O que nos diz uma literatura como a de Edward Grant? Grant no escreve que a criação das universidades foi um evento único na História da Europa Ocidental, mas também único na História do mundo (GRANT, 2009, p. 190). As universidades de Bolonha, Oxford e Paris foram as primeiras. Claro que nenhuma universidade poderia ser fundada sem uma congregação de professores e aluno relativamente grande, e a universidades foram um fenômeno urbano. A Igreja e o Estado na idade Média tornaram possível que indivíduos formassem corporações que como entidades ficcionais e com direitos legais (Idem, p. 191). As universidades medievais permitiram uma estabilidade para o ensino de filosofia natural, e isto permitiu que se desenvolvesse nas quatros áreas que a compunha, artes, teologia, medicina e direito (Idem, p. 191).
  • Ainda há uma acusação de as aulas não eram nada científicas e voltadas a mistérios metafísicos. Outro engano, por exemplo, e o do católico Galileu que influenciado pelo seu mentor Francesco Buonamici, Galileu acreditava em respeitar o papel fundamental da experiência e estabelecer regras para conhecer os fenômenos. Na revista da Scientifican American, edição especial sobre Galileu Galilei, no seu segundo capítulo intitulado “o mundo sensível”, chama a atenção a declaração de que a filosofia natural, do século XVII, havia abandonado a metafísica para explicar os fenômenos. Entretanto, essa separação já era observada há algum tempo pela academia, desde o surgimento das universidades medievais, segundo Edward Grant.
  • Segundo o professor de matemática Alfred North Whitehead (1861-1947) três os fatores que chamam atenção para uma mudança de paradigma que aconteceu no século XVI e XVII: o aparecimento da (nova) matemática; a crença em uma ordem na natureza; e o racionalismo da alta Idade Média (WHITEHEAD, 2006, p. 57). Esses fatores levam ao abandono dos antigos métodos para o estudo baseado em dados empíricos.

Os últimos parágrafos do texto são repletos de ódio ao catolicismo e de triunfalismo protestante, vamos a algumas verdades: não foi a Reforma Protestante que deu algum avanço social e econômico aos países protestantes, foi a Revolução Industrial. E a Revolução Industrial não foi um movimento ocasionado por melhorias educacionais nesses países por causa da leitura da Bíblia. Até o final do século XIX esses países do norte da Europa continham uma grande massa de analfabetos. A Revolução industrial que deu a esses países as melhorias, que nasceu da necessidade metalista, do acumulo de ouro e prata, coisa que a Inglaterra por não ter colônias ricas em metais preciosos se especializou para obtê-los através do comercio e da industrialização. Esses eram movidos pelo lucro e as descobertas científicas eram motivadas por isso também. Claro que houve avanços educacionais nos países protestantes, porém, em tese é a educação universitária a ponta de lança de qualquer transformação econômica de um país.[iv]

Enfim, não estamos dizendo que a Igreja católica foi a única responsável pela criação das universidades, mas sem ela as universidades não existiriam. Contundo, nascem num ambiente cultural fomentado pela Igreja e pelo renascimento urbano. As guildas de estudantes e professores jamais teriam sucesso sem o apoio e a universalização que a Igreja fez por toda a Europa. O que posso dizer é que invés de ficar procurando triunfalismo para um ou outro ramo no cristianismo é necessário ser dialético no estudo do passado. Não adianta denegrir um para colocar no pódio mais alto o outro, porque a história vai derrubar as certezas, ainda mais quando estudada com cuidado e respeito às fontes.

Bibliografia

GRANT, Edward. História da Filosofia Natural: do mundo antigo ao século XIX. São Paulo: Masdras, 2009.
HASKINS, Charles Homer. A Ascensão das Universidades. Balneário Camboriú: Livraria Danúbio Editora, 2015.
NUMBER, Ronald L (org.). Galileu na Prisão: e outros mitos sobre ciência e Religião. Lisboa: Gradiva, 2012.
WHITEHEAD, Alfred North. A ciência e o mundo moderno. São Paulo: Paulus, 2006.

Por Rogério Fernandes da Silva[i]

[i] Licenciado em História (UERJ) e professor de História da rede pública estadual do RJ, Mestre em Ciências da Religião (PUC-SP), Doutorando em Humanidades, Culturas e Artes (UNIGRANRIO).

[ii] O termo universidade vem de universitas societas masgistrorum discipulorunque , nome dado as guildas de mestres e estudantes (HASKINS, 2015, p.25).

[iii]Disponível em: <http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2015/11/a-igreja-catolica-criou-as-universidades.htm>. Acesso em10/08/2016.

[iv] Dois exemplos no século XX são a Índia e Brasil, o primeiro país fez um reforma educacional priorizando o ensino superior, ao ponto, nas  décadas de oitenta, países ocidentais, como EUA e Inglaterra, importarem cientistas indianos para seus grandes centros universitários. A Índia reformou o Ensino Superior, mas não acabou com a grande desigualdade social de seu país. Mas o Ensino Superior a transformou numa potência regional.  O Brasil durante o período de crescimento (2002-2010) passou por problemas relativos a mão-de-obra, não havia mão-de-obra qualificada para as indústrias e tivemos que importar. Isso é um indicativo que um país pode crescer sem está preparado no quesito base educacional, visto que o Brasil não investia qualitativamente em sua base de ensino a anos. Povo mais alfabetizado não gera riqueza, é preciso investimento em tecnologia que se alcança num nível universitário, ou seja, pesquisa acadêmica de ponta.

Fonte original do artigo

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O professor italiano Massimo Introvigne, sociólogo, presidente do Centro de Estudos sobre Novas Religiões e delegado da OSCE para o combate à discriminação religiosa, publicou recentemente o ensaio “Fundamentalismo: das origens ao Estado Islâmico”. Ele aborda inicialmente, porém, o fundamentalismo em geral, o que abrange inclusive as manifestações fundamentalistas do cristianismo. Se nas igrejas regidas pelo dogma da “sola scriptura” (ou seja, as protestantes) há uma interpretação estrita e literal da Bíblia, no catolicismo há o risco de uma interpretação “fixista” da Tradição.

Aleteia conversou com Massimo a este respeito.

 O senhor pode explicar melhor esta questão?

Introvigne: Como o papa Francisco reiterou na missa de abertura do sínodo, a Tradição na Igreja é concebida como “viva”. Ela não é um código normativo fixo, um manual para confrontar comportamentos – incluindo os do próprio papa – e ver se eles são ortodoxos ou não. Não existe em nenhuma livraria um livro chamado “A Tradição” e que contenha toda a Tradição. Existe o “Catecismo da Igreja Católica”, é claro, mas o de São João Paulo II não é igual ao do Concílio de Trento. A Tradição é um depósito vivo e, para saber o que é a Tradição hoje, é preciso se voltar ao Magistério. O fundamentalismo católico, no entanto, pensa que a Tradição é um conjunto fechado de teses, com base nas quais se pode julgar também o papa de hoje e até declará-lo heterodoxo. Precisamente porque não existe nenhum livro chamado “A Tradição”, o fundamentalista constrói a tradição que ele mesmo prefere e se coloca no lugar do papa como a última instância para definir o que é a Tradição.

Aleteia: Em geral, como o senhor definiria o fenômeno do fundamentalismo?

Introvigne: Eu acho que a metáfora do voo, usada por São João Paulo II no início da “Fides et Ratio”, é aceitável também para os sociólogos. Para voar, precisamos de duas asas, a fé e a razão. Se a asa da fé se hipertrofia e a fé engole a razão, o avião cai. É o fundamentalismo. Se a asa da razão se hipertrofia e engole a fé, temos o laicismo, e o avião cai do mesmo jeito.

Aleteia: Hoje, também por causa da difusão das mídias sociais, acontecem ataques pesados contra ao Santo Padre, com tons que ultrapassam a mera discordância e chegam a acusá-lo até de compromisso com o mundo, de antipapa e não ser nem mesmo católico. São minorias barulhentas, são uma retaguarda “fixista”?

Introvigne: Eu diria que assistimos à manifestação aberta do fundamentalismo católico. Ele já existia antes e também criticava São João Paulo II (pensemos no encontro ecumênico de Assis) e Bento XVI. Mas avança mascarado, enquanto agora, com o papa Francisco, se manifesta abertamente. O Magistério nos diz tudo o que precisamos saber sobre o fundamentalismo: ele é uma perversão da religião e da fé. Ele também é tecnicamente subversivo, porque subverte a dinâmica, divinamente instituída, da autoridade da Igreja: tira a autoridade do papa com o pretexto de dar toda a autoridade à Tradição, representada no cabeça de turno desta ou daquela facção fundamentalista.

Aleteia: Uma das características do fundamentalismo é o uso de violência física, muitas vezes impune, como infelizmente vemos em muitos países, a maioria na Ásia, mas não somente, e de maioria muçulmana (Paquistão, áreas dominadas pelo Estado Islâmico, Arábia Saudita, Irã), mas também nos lugares da preponderância hinduísta ou budista. Em princípio, essa violência é hoje muito menos forte no cristianismo e quase completamente ausente no catolicismo. Isto é uma simplificação ou corresponde a um valor real?

Introvigne: É um dado real. O catolicismo contém em si os anticorpos contra a violência. Você pode pensar em todos os males dos católicos fundamentalistas, mas não pode acusá-los de violentos. Eles não são.

Aleteia: Como sair do fundamentalismo? Há um modo em comum ou cada fé tem – ou deveria ter – a sua própria maneira de superá-lo?

Introvigne: O modo em comum foi indicado por São João Paulo II e foi dominante no Magistério de Bento XVI: nem separação, nem confusão, mas colaboração – na distinção – entre a fé e a razão. Cada religião, no entanto, tem a sua especificidade e precisa encontrar as formas de autocrítica e de superação do fundamentalismo.

Fonte: Aleteia

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A ciência está matando as humanidades: eu não sou o primeiro a afirmar isto, nem serei o último. Os líderes norte-americanos estão apressando essa morte, seja por causa das suas prioridades, seja por causa das suas opções políticas. Enquanto muitos estudiosos provavelmente vão lamentar o fim das humanidades, outros já começaram a aceitar estoicamente a ideia de que não vale a pena tentar salvar as ciências humanas.

John Ellis escreve sobre este declínio:

“Os cursos que oferecem uma visão geral das realizações da cultura ocidental foram abolidos em quase todos os lugares; os cursos obrigatórios sobre a história e sobre as instituições desta nação também foram deixados de lado e até as faculdades de literatura deixaram de exigir Shakespeare como parte essencial da literatura inglesa. Mesmo quando cursos anteriormente obrigatórios ainda são oferecidos como opcionais, costuma-se apresentá-los a partir de uma perspectiva preconceituosa do nosso passado cultural, o que tende a desencorajar estudos mais aprofundados”.

Ellis identifica uma tendência real, embora não muito inteligível: ler Shakespeare pode até deixar de ser exigido, mas quem se formar em literatura inglesa sem ter lido Shakespeare deverá ter realizado uma tarefa hercúlea para se desviar de Hamlet, Otelo ou Macbeth.

No entanto, mesmo que as faculdades de ciências humanas, em seu estado atual, não desapareçam, Ellis não responde se as ciências humanas, tais como devem ser ensinadas, ainda valem a pena. Ele pode não ter uma resposta, mas eu gostaria de declarar um sonoro “sim”. Hoje nós podemos assistir às ciências matando as humanidades, mas amanhã vamos perceber que a morte das humanidades vai matar também as ciências.

Alguns anos atrás, em uma conferência sobre a chamada “educação STEM” (ciência, tecnologia, engenharia e matemática, na sigla em inglês), especialistas dentre os mais importante dos EUA se reuniram para lamentar que estávamos todos “condenados”, porque “não havia alunos suficientes interessados em ciências”. Alguns dos palestrantes tinham credenciais impressionantes: um dos oradores era Dean Kamen, o inventor do Segway; outro era Bill Nye, o “Science Guy”.

Eu participei de grupos de discussões específicas naquele evento e tive a sensação de que os professores de ciências nos EUA estavam estranhamente desconectados da maneira como as pessoas vivem e pensam. A maioria das recomendações que eles traziam soava banal: “Precisamos mudar a imagem cultural que as pessoas têm do cientista nerd”, repetiam.

Mas, de forma mais ampla, o problema com esses eventos é o seu objetivo, que, basicamente, é o de ajudar a encontrar substitutos para os atuais trabalhadores dos ramos de exatas. Enquanto eles se lamentavam porque “os jovens norte-americanos não estão interessados nos trabalhos científicos que nós temos para eles”, eu não podia deixar de me lembrar de uma passagem do livro “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, para a qual William Deresiewicz tinha chamado a minha atenção em certa ocasião:

Ele estava empregado nisso desde a mocidade. Era obedecido, mas não inspirava nem amor, nem medo; nem mesmo respeito. Ele inspirava mal-estar. Isso, apenas mal-estar. Não era uma desconfiança definida; apenas mal-estar, nada mais. Você não tem ideia do quanto pode ser eficaz uma… uma… capacidade desse tipo. Ele não tinha nenhum grande talento para organizar, nem para tomar a iniciativa, nem sequer para comandar… Ele não tinha nenhum conhecimento, nem inteligência. Seu cargo tinha chegado até ele. Por quê? Ele não originava nada, ele apenas mantinha a rotina; só isso. Mas ele impressionava. Ele impressionava graças a essa pequena coisa, essa impossibilidade dizer o que controlava um homem daqueles. Ele nunca revelou esse segredo”.

Como Deresiewicz aponta, esta é a descrição perfeita da burocracia: ela está cheia de gente que mantém o status quo, mas não de gente que define qual é o status quo. Isso não quer dizer que as pessoas presentes na conferência fossem todas burocratas; algumas delas eram empreendedoras, realizadas; e tinham que ser, para terem chegado até a posição que ocupavam. Mas elas queriam, essencialmente, treinar a próxima geração para ocupar papéis precisos e para ter o preciso conhecimento que elas próprias tinham.

Não é assim que o mundo funciona. Os problemas de amanhã são sempre diferentes dos problemas de hoje. As soluções que funcionam hoje não vão responder a todas as questões que surgirão na próxima década. Adaptar-se ao amanhã só é possível a partir do próprio ato de se viver em sociedade. E isto é assim porque aquele adágio surrado que diz que “a necessidade é a mãe da invenção” é pura verdade: quanto mais as pessoas precisarem (ou pensarem que precisam), mais elas vão inventar.

Há uma abundância de sociedades que têm ou tiveram sistemas educacionais dedicados quase exclusivamente à formação de estudantes de ciências e de engenharia. A China faz isso hoje, assim como a União Soviética o fez em seu tempo. Mas, apesar de estar na moda declamar que a escassez de habilidades em matemática e ciências põe o nosso futuro em risco, este medo não se mostrou matematicamente verdadeiro no passado. O Japão é bem posicionado nos rankings de desempenho acadêmico, mas o seu desempenho econômico não tem refletido este sucesso.

Educadores e tecnocratas acreditam, erroneamente, que já sabemos ou já pensamos em tudo de que precisamos para o próximo boom econômico ou para a próxima revolução científica. Tudo seria apenas questão de dar à próxima geração as respostas que nós já temos. Acontece, porém, que é menos importante treinar as pessoas para chegarem à próxima fronteira do que educá-las para discernirem quais são as fronteiras que vale a pena cruzar. Teoricamente, é para isso que existe a educação nas artes liberais. Na prática, isso nem sempre é verdade: as faculdades de humanas tenderam de tal forma ao pensamento de grupo na geração passada que provavelmente não melhoraram as habilidades de pensamento crítico dos alunos nem a sua criatividade.

Mesmo que as artes liberais já não sirvam ao seu propósito tradicional, no entanto, isso não significa que esse objetivo não seja valioso. O valor principal de uma educação em artes liberais é que ela incentiva o debate e a discordância. Diferentemente da matemática, é raro que haja nas artes liberais uma resposta claramente correta. Algumas declarações sobre arte ou literatura são mais verdadeiras do que outras, mas nunca há uma perspectiva que possa servir indefinidamente. Isto ocorre porque o “melhor que já foi pensado e dito” foi mudando ao longo do tempo; mais ainda: o mundo foi mudando. O “Édipo Rei”, de Sófocles, ou o “Frankenstein”, de Mary Shelley, não podem nos dizer definitivamente o que devemos pensar sobre o cientificismo ou sobre o pós-humanismo, mas nos forçam a enfrentar os cantos mais escuros do iluminismo para os quais relutamos em voltar os olhos.

As ciências humanas, entretanto, podem fazer mais do que nos ajudar a entender o que não deveríamos estar fazendo: elas podem nos ajudar a contemplar o que deveríamos fazer. Podemos estar bem longe do mundo clássico que separava as artes liberais (artes liberales) das artes técnicas (artes serviles), mas as artes liberais ainda são indispensáveis porque fomentam a curiosidade intelectual e o desejo de aprender pelo prazer de aprender. As ciências também podem fazer isso: alguns cientistas atingem marcos importantes mesmo sem a capacidade de pensar criativamente. Mas os professores de ciências nem sempre entendem as implicações do campo em que querem educar: se eles acreditam que podem fornecer toda a educação de que as pessoas precisam para o futuro, eles já falharam. As ideias não são um instrumento para o futuro, mas são, em si mesmas, objetivos dignos de busca.

As iniciativas educacionais geralmente focam no currículo, mas promover a curiosidade intelectual não é algo facilmente descritível num currículo. Essa tarefa depende da cultura da escola e dos valores dos alunos e dos instrutores. De qualquer forma, nenhum educador deveria começar a elaborar uma política educacional sem reconhecer que a próxima revolução tecnológica não virá de pessoas que sempre têm a resposta certa, mas de pessoas cuja aprendizagem as dotou de curiosidade intelectual suficiente para se sentirem à vontade mesmo quando obtêm a resposta errada.

James Banks

Do século XII ao século XV- Mapa datado de 1911 (SHEPHERD, William R. Historical Atlas. Nova York, Henry and Holt Company), com todas as principais universidades medievais da Europa, graças ao trabalho árduo da Igreja, das escolas das catedrais e dos mosteiros, etc. Mostre o mapa quando disserem que “o homem medieval influenciado pelo catolicismo não dava importância à ciência”:

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As escolas e as universidades 

As universidades surgiram no século XII. Elas tiveram grande apoio dos papas, tanto que na Reforma eram 81 universidades. Elas começaram com as escolas das catedrais e mosteiros. Os monges não apenas transcreviam as obras grego-romanas mas também interpretavam e estudavam, e as ensinavam, sendo professores. Muitas das obras estavam para se perder naqueles séculos turbulentos pós-queda do Império Romano e as obras que chegam até nós são devidas em grande maioria aos monges.

Na Irlanda, São Patrício estimulou os estudos em mosteiros, tanto para leigos como para nobres.

 Na Inglaterra, S. Agostinho de Cantuária e seus monges abriam escolas onde estavam instalados. A mesma coisa fez S. Bonifácio, conversor da Alemanha. Muitas vezes esses monges complementavam a sua educação frequentando outras escolas monásticas. Determinados mosteiros eram conhecidos por bom ensino em determinado ramo. Os monges de São Benigno, por exemplo, ensinavam a medicina. O mosteiro de Saint Gall era mais voltado para a arte, e alguns mosteiros alemães davam aulas em grego, hebreu e árabe. O ensino ficou ainda mais aberto com as escolas das catedrais fundadas por Carlos Magno (século VIII – IX). Muitos concílios, tais como o de Châlons e Aix, incitaram a abertura de escolas. Vemos então o que falou o bispo de Orleans, Teodulfo, por essa época: 

“Nas aldeias e cidades os sacerdotes devem abrir escolas. Se algum dos fiéis lhes confiar os filhos para que aprendam letras, não devem recusar-se a instruir esses pupilos com absoluta clareza, usando de toda a caridade. Desempenharão essa tarefa sem pedir nenhum pagamento e, se receberem alguma coisa, que sejam apenas pequenos presentes oferecidos pelos pais.”
 
As universidades tinham um sistema interessante para com os diplomas. Uma universidade não podia conceder o diploma sem a aprovação do papa, rei ou imperador. Se este diploma era permitido pelo papa, ele era reconhecido em toda a Cristandade. Se o permissor fosse o rei, somente no país era válido. Em algumas universidades, como em Oxford, Paris e Bolonha, o título de mestre dava o direito de lecionar em qualquer lugar do mundo (ius ubique docendi). Isso ajudou ainda mais a espalhar o conhecimento.

Os estudantes universitários tiveram a concessão do benefício do clero para resolver o desentendimento entre eles e a população local. Geralmente esses estudantes e os professores eram tratados com certo desprezo. O rei Filipe Augusto no século XIII concedeu a esses alunos e professores o direito de serem julgados por um tribunal especial diferente do da cidade. Várias vezes as universidades recorriam ao apelo papal, e estes papas, tais como Bonifácio VIII, Clemente V, Clemente VI e Gregório IX ficaram ao lado dos alunos e professores, obrigando as autoridades a lhes conceder os direitos e os salários respectivos. 

As universidades em seu princípio eram carentes de edifícios próprios. Geralmente os cursos e aulas eram dadas em catedrais ou salas privadas. Os livros eram alugados e não haviam bibliotecas.

Você deve estar pensando: “As universidades eram apenas para ricos, nobres ou privilegiados socialmente!”. Errado. A maioria dos universitários da Idade Média eram de famílias pobres, com média de idade entre 14 e 20 anos. O objetivo era preparar para a profissão, assim como é hoje. Muitos escolhiam o campo do Direito. Começavam-se os estudos pelas sete artes liberais (retórica, lógica, gramática, matemática, geometria, música e astronomia) e depois passava-se ao direito civil e canônico, filosofia, medicina e teologia. Esses estudos eram feitos com base nos livros recuperados do período greco-romano (geometria de Euclides, obras de Aristóteles, medicina de Galeno, o Digesto, coleção de leis romanas e questões judiciais desta, base de todos os códigos civis atuais). Assim como as escolas monásticas, certas universidades também eram reconhecidas por um ramo específico de alto nível. Paris era famosa pelos cursos de teologia e de arte, e Bolonha pelo curso de Direito.

Tal como hoje, o universitário assistia conferências, participava de debates nas aulas e assistia aos feitos por outros. As aulas eram sobre textos importantes, principalmente dos clássicos. Além dos comentários sobre eles, o professor incluía uma série de questões que deviam ser resolvidas recorrendo à lógica. Foi assim que surgiu a argumentação e a contra-argumentação. Isso era feito da seguinte forma: o mestre designava um aluno para defender um ponto de tal questão, e outro aluno deveria defender o outro ponto. Quando o debate se encerrasse, cabia a ele resolver a questão, defini-la.

Mais impressionante: para obter o diploma em artes, o aluno devia resolver uma questão perante examinadores, expondo para isso argumentação meticulosa e racional. Esse processo levava de quatro a cinco anos (tal como os cursos atuais). Depois disso, o estudante podia terminar os estudos e lecionar em uma escola menor, ou se fazer uma pós-graduação e lecionar em uma universidade.

O estudante devia ler para receber o licença para lecionar os seguintes livros (só para ver como era complexo): Aristóteles: Física, Da geração e da corrupção, Do céu e o Parva naturalia, Da sensação e do sensível, Do sono e da vigília, Da memória e reminiscência, Da longevidade e brevidade da vida, Da metafísica. 

Além disso, livros sobre as artes liberais: gramática, lia-se Prisciano. Retórica, Aristóteles ou Tópicos de Boécio, Nova Retórica de Cícero, Metamorfose de Ovídio,  Poetria Virgilii do mesmo. Lógica: De Interpretatione (Aristóteles),Tópicos de Boécio (outros livros) e de Aristóteles, Analíticos Anteriores de Boécio também. Música e aritmética: Boécio. Geometria: Euclides, Alhacen ou Perspectiva, de Vitélio. Astronomia: Ptolomeu (Theorica Planetarum, Almagesto). Filosofia natural: outros livros de Aristóteles como Física. Do Céu, Das Propriedades dos Elementos dos Meteoros, Dos Vegetais e Plantas, Da Alma, Dos Animais. Filosofia moral: Ética ou Política de Aristóteles. Mas os mestres também faziam os textos de lógica. O mais famoso deles foi o Summulae logicales do futuro papa João XXI em 1230. Até o século XVII, esse texto já tinha alcançado 166 edições.Os mestres preferiam alunos capazes de detectar falácias lógicas e expor argumentação com bases e razão. Escolásticos escreveram livros sobre teologia e fé católica expondo raciocínio lógico complexo e sistemático, como São Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, Santo Anselmo de Cantuária e seu Cur Deus homo, provando racionalmente a existência de Deus, Pedro Abelardo e seu Sic et non que fazia pela lógica com que seus alunos resolvessem as apenas aparentes contradições bíblicas,  etc.

É… Não é a toa que alguns diziam que a Universidade de Paris, entre outras, eram a “nova Atenas”. Depois ainda dizem que a fé era inimiga da ciência, que a Idade Média foi dominada pela Igreja que por sua vez oprimia os estudos e enchia a cabeça do povo com “superstições”. Os estudos provam justamente o contrário.

Fonte de informações: WOODS, Thomas E. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental. Ed. Quadrante. São Paulo, 2012. 

Crédito: João Carlos Bulla

Caos-primordial

Nos mitos antigos, e na maioria das crenças atuais, o divino se apresenta como “explicação mágica” para o mundo natural. Os deuses são aqueles seres que decidem sobre a chuva ou a seca, sobre a fartura ou a miséria. Quando não estão felizes, lançam pragas sobre o povo e, nesse caso, é preciso cumprir vários rituais para contentá-los. Esses deuses “humanizados” são carrascos dos homens, pois não lhes oferecem a liberdade: apenas os escravizam. Estão sempre pedindo algum agrado para não os castigar com diversas pragas.
 
O Deus único e trinitário é muito diferente. Na sarça ardente, Ele revelou Seu nome a Moisés:

“Eu sou Aquele que É” (Ex 3, 14).

O Deus cristão não é mais um desses falsos deuses usados para explicar os mistérios da natureza. Ele é o Criador, que nos deu a inteligência e submeteu a criação a nós (Gn 1, 28ss). O homem, na visão cristã, não está mais escravizado pelos mistérios da natureza. Deus lhe deu o domínio sobre ela. Este mesmo Deus é amor e misericórdia: não o escraviza, mas, para a sua redenção, chegou a lhe oferecer seu próprio Filho feito homem.
 
Apesar da superioridade absoluta do Deus de Abraão, muitos cristãos parecem querer diminuí-lo atribuindo-lhe um caráter parecido com o dos deuses pagãos. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, que a aids é uma praga enviada por Deus, ou que os terremotos foram causados por Deus devido à iniquidade do povo? Pensar desta forma é “rebaixar” Deus a uma mera explicação mitológica para fenômenos naturais. Ele deixa de ser “Aquele que É” para se tornar uma divindade castigadora, sem misericórdia, que usa da natureza para castigar os homens. Na teologia cristã, as coisas ruins acontecem porque nós nos afastamos de Deus, não porque Ele se afaste de nós.
 
E não é só nesses aspectos mais banais que se diminui o papel de Deus. Na teoria da evolução, por exemplo, mesmo ela sendo compatível com a revelação cristã, há quem tente colocar Deus num papel mais “ativo”: segundo essas pessoas, a evolução acontece, sim, mas, em algumas etapas, é preciso que haja uma intervenção direta de Deus. É uma deturpação da teoria do “design inteligente”. Seus defensores argumentam que alguns órgãos, como o olho, por exemplo, não podem ser explicados simplesmente pela evolução. Seria preciso que Deus fizesse o olho. De fato, poucos biólogos discordam que a teoria da evolução ainda não está completa. Existem vários pontos em aberto, que não podem ser explicados com o conhecimento atual. Para os adeptos dessa redução do design inteligente, os pontos em aberto são uma prova de que é preciso uma intervenção direta de Deus; por conseguinte, tais lacunas seriam uma prova da existência dele.
 
Mas usar Deus para tapar buracos de teorias científicas é uma péssima ideia.
 
Primeiro, porque a ciência não é estática. Amanhã ela vai explicar o que não é entendido hoje. É só uma questão de tempo. É assim que o método científico funciona: vai-se construindo o conhecimento aos poucos. Quando se vincula a existência de Deus a um aspecto científico que hoje não é entendido, o que se dirá da existência do Criador quando a ciência conseguir explicar aquele fato?
 
Segundo, como já dito antes, usar Deus para explicar aspectos da natureza é reduzi-lo às deidades míticas antigas. Deus é muito maior que isso.
 
Nestes tempos de debate sobre células-tronco, muitas pessoas correm para dizer que o fato de não haver resultados com as células embrionárias prova que elas não devem ser usadas. Parecem querer dizer que Deus permitiu resultados com as células-tronco adultas, mas não com as embrionárias, e que por isso não devemos pesquisar as últimas. Não é esse o ponto. Deve-se proibir a pesquisa com células embrionárias por motivos éticos, não por falta de resultados. Os resultados virão se a pesquisa for permitida. Acontece que, com esse tipo de argumento, só se desvia o foco da questão, que é moral. Aliás, se este fosse um argumento válido, Deus também não teria permitido que se construíssem as bombas nucleares, mas somente os aparelhos de tratamento médico baseados em tecnologia similar.

 O segundo mandamento da Lei de Deus é bem claro:
 “Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão” (Ex 20, 7).

Como cristão e fã da ciência, eu penso que o mandamento também condena o uso indevido do nome de Deus para tapar buracos científicos. E não só isso: diminuir Deus desta forma é cair no ridículo de ter-se, no futuro, uma explicação científica para algo atribuído “magicamente” a alguma intervenção imediata de Deus.
 
Se a revelação cristã nos libertou dos misticismos e das divindades da natureza, por que voltar à escravidão?

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O prof. Alexandre Zabot, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é físico e doutor em Astrofísica. Aleteia lhe agradece pela generosidade de compartilhar conosco os seus artigos sobre as relações entre fé e ciência e convida os leitores a conhecerem o rico blog do professor, AlexandreZabot.

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O itinerário

A penosa estrada percorrida ao longo da história do pensamento pode ser resumida essencialmente em uma pergunta: quem sou eu?

Esse questionamento é o eixo fundamental da filosofia e o ponto de partida da razão humana. O dinamismo da razão e a energia do “motor humano” ganharam vida quando, pela primeira vez, o homem sentiu-se tocado, provocado pela realidade.

Na verdade, a beleza da filosofia está justamente na sua capacidade de conectar pontos distantes da história unindo gerações, aproximando seres humanos a partir dessa experiência, a partir do confronto com a realidade.

Desde a filosofia grega, a grande tarefa dos pensadores foi desvelar a realidade (em grego, aletheia), ou seja, arrancar o “véu” que cobre a realidade, descobrir a Verdade. Para tanto, era preciso escolher um hodós, ou melhor, determinar um methodos (nisso, Parmênides em especial, foi brilhante).

Mas, esse era só o início de uma caminhada. Ao longo dos séculos a humanidade percorreu diversas vias. Andamos por vias estreitas, largas, obtusas, retas, enfim, buscamos várias alternativas para chegarmos à Verdade.

A questão que nos importa agora é: os homens alcançaram essa Verdade?

A via racionalista

Já foi dito que o que põe em ação o motor humano é esse desejo pela Verdade. Na história da filosofa, um dos caminhos mais notórios para se alcançar esse objeto de desejo foi a razão. Podemos citar inúmeros racionalistas notáveis: Sócrates, Descartes, Rousseau, Nietzsche, etc.

Para tentar entender o racionalismo, precisamos de um ponto de partida. Prefiro escolher um problema: do que a razão é capaz?

Vamos fazer uma rápida análise e em breve retornaremos ao problema.

Um olhar atento sobre a história nos faz perceber que o mundo contemporâneo é herdeiro direto do pensamento iluminista, e, portanto, racionalista. A deusa razão de Robespierre ainda encanta muitas pessoas ao redor do globo.

As correntes modernas de pensamento tais como o existencialismo, o neoateísmo, o comunismo e o positivismo, são manifestações expressas da crença na infalibilidade da razão. A questão é descobrir, dentro do racionalismo, que “coisa” é essa que é capaz de atrair tantos homens e mulheres no decorrer desses séculos.

Sem mais delongas, explico. Essa “coisa” se chama ilusão de liberdade.

A LIBERDADE – Um dos temas centrais da filosofia, que representa também o cerne da corrente existencialista, é a tal liberdade. Objeto de valor inestimável, ela encabeçou e lançou as bases do liberalismo, foi causa de guerras e revoluções, foi tema de poemas, pinturas e músicas. Definitivamente, não há como negar o fato de que a liberdade representa um dos pilares do espírito humano. Fica fácil compreender, portanto, que a liberdade é também objeto de desejo dos homens.

Antes de voltarmos ao problema da razão, somos obrigados a fazer um último questionamento. É possível ser livre? É possível não ser?

Respondo logo. Sim, é possível ser e não ser livre. Para explicar trago o seguinte exemplo:

“A conseqüência essencial de nossas observações anteriores é a de que o homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser” (SARTRE, Jean-Paul, O ser e o nada. Ed. Vozes, 16ª edição; pg. 678, grifo nosso).

O pensamento de Sartre é categórico. Os seres humanos estão condenados à liberdade, ou seja, essa condição é inerente à natureza humana.

Agora, isso me parece certo? De maneira alguma!

O filósofo francês pressupôs que a liberdade era uma imposição da nossa natureza, que ela fazia parte da nossa condição, quando, na realidade, era e é simplesmente um objeto a ser alcançado, assim como a Verdade.

E isso nos remete finalmente ao problema da razão.

O erro ou a falsa percepção da realidade por parte do existencialista decorreu de uma noção errada de razão, de ser humano. A mentalidade moderna costuma considerar que a razão é apenas um conjunto de categorias nas quais a realidade é obrigada a entrar. Tudo aquilo que não entra nessas categorias é tido como irracional. Assim, o homem moderno quer ter a pretensão de encarar, de enfrentar a realidade com a razão. Em última instância, o que Sartre e o homem moderno pretendem é definir o ser humano com a razão. Um erro crasso!

Jamais conseguiremos nos definir partindo unicamente da razão. Alguns podem perguntar, “Mas, existe outro modo?”. Não. Não há como o homem definir totalmente o próprio homem.

A pergunta que se impõe neste momento, portanto, é outra: mesmo estando presos à condição humana, às limitações humanas, é possível chegar a uma conclusão satisfatória?

Sim. É só uma questão de método.

O coração, a razão e a realidade

Se a via racionalista é deficiente, como devemos proceder?

Para obtermos uma correta percepção da realidade, devemos sim fazer uso da razão, porém, também devemos usar o nosso “coração”. Explico. O “coração” nada mais é do que aquele conjunto de exigências e evidências com as quais o homem é lançado no confronto com tudo que existe (por exemplo, a exigência de felicidade).

Não há como negar que queremos ser livres, que queremos ser felizes. No fundo, no fundo, esses desejos de Verdade, Justiça, Liberdade e Felicidade emergem do nosso coração. Por mais que queiramos negar a existência desses objetos, se levarmos honestamente em conta esses desejos inevitáveis, não há como achar essa postura sensata.

Em suma, o que quero dizer é o seguinte: o coração e a razão são inseparáveis instrumentos de que dispõe o ser humano para confrontar a realidade. Ambos são inerentes à nossa constituição, ou seja, eles nos foram dados.

Por que o coração?

Por que não podemos usar unicamente a razão para chegar às respostas que nos interessam? É simples. O coração é mais que um instrumento humano, é um critério de avaliação. Que isso quer dizer? Quer dizer que toda a nossa vida, todas as escolhas que fazemos se baseiam nesse critério elementar.

Por exemplo. Nós acordamos e temos disposição num dia que amanhece, pois alimentamos a vontade de nos realizarmos um dia, de sermos felizes mesmo que por um breve período. Em outras palavras, se perdemos toda a esperança na Felicidade, no encontro real da Verdade, perdemos também a vontade de viver.

Dar ouvidos, portanto, ao coração, significa dar um passo importante no caminho em direção à Verdade, à Felicidade. Esse é o método, esse é o caminho que devemos escolher.

Um novo problema: Deus

Uma dinamite explodiu no fim do século XIX: “Gott ist tot!”. O século XX abriu as portas de sua história ao som da voz retumbante do profeta Zaratustra que exclamava: Deus está morto!

Até então ele havia vivido nas cabeças dos religiosos, mas seu fim estaria decretado com o nascimento do Übermensch, ou Super-homem. Já não havia espaço para Deus no mundo futuro previsto por Friedrich Nietzsche.

Nos dias de hoje, contudo, em pleno século XXI, a problemática de sua existência ainda não foi racionalmente solucionada. E nem será. Até porque, se não temos capacidade de entender totalmente nem a nossa própria condição humana, imagine o problema divino.

As religiões e o preconceito

A mentalidade contemporânea considera que fides et ratio são absolutamente incomunicáveis. Se falamos de Fé, estamos num campo, se falamos de Razão, estamos noutro. Quero desmistificar essa idéia.

Antes, contudo, vou fazer algumas colocações sobre o preconceito que sofre a realidade religiosa.

A mentalidade iluminista costuma taxar as pessoas religiosas de ignorantes. Também quero discordar disso. A religião é uma realidade humana, e, enquanto realidade, deve ser encarada de outra maneira. Quando julgamos a experiência religiosa de outra pessoa devemos ter critérios justos de avaliação.

Dizer, “é um ignorante”, sem ao menos ter assumido o compromisso de conhecer essa realidade religiosa é uma arrogância. Age de modo equívoco também, quem tiver a pretensão de querer conhecer essa realidade através da história, da doutrina, ou até mesmo da teologia de determinada religião. Como devemos agir então? Explico logo abaixo.

Como realizar uma avaliação justa?

Vamos pensar sobre a seguinte afirmação: “Sou Católico Apostólico Romano. Faço a experiência da convivência na comunidade cristã e professo um credo determinado” (esse é o meu caso, por sinal).

Podemos levantar uma série de questões intrincadas da Igreja Católica: a fraqueza dos padres, a imprecisão da teologia, a Inquisição, a razão dos sacramentos, da ortodoxia, do tradicionalismo, enfim, várias!

Se partimos, porém, desse ponto, incorremos em erro. Como disse, quero propor uma avaliação que não dependa unicamente do estudo racional de certa religião. Como, então, devemos realizar essa avaliação?

Devemos avaliar determinada religião a partir de uma experiência pessoal e não de um mero exercício de raciocínio.

Ou seja, para avaliar uma realidade religiosa precisamos nos jogar inteira e sinceramente numa experiência religiosa. E como fazemos isso? Vou tentar explicar.

Em relação à experiência religiosa só posso falar pelo Catolicismo. Estou pressupondo, portanto, que a religião Católica é a única capaz de conduzir o homem à Verdade. Por que e como cheguei a essa conclusão? De modo simplista poderia dizer: usando da Fé e da Razão. Mas, prefiro ir além.

A pretensão e a experiência cristãs

Qual é a origem da pretensão cristã? Doutrinária e teologicamente falando, é a afirmação do fato de que Deus se fez homem na figura de Cristo. Ou seja, é a afirmação racional do movimento inesperado e inverso do próprio Deus que se fez homem e veio ao encontro da humanidade. Será isso possível? Isso faz sentido? – quem faz essas perguntas é a nossa razão.

E é aqui que devemos recorrer ao nosso coração.

Se o nosso coração nos impõe o desejo de infinito, devemos tentar saciá-lo mesmo que racionalmente pareça uma tolice. Se conseguirmos deixar de lado os nossos preconceitos racionalistas (aquele apego desesperado e demasiado a tudo que é exclusivamente racional), abriremos caminho para uma experiência. Aliás, o caminho para a Verdade é uma experiência.

E de que trata essa tal experiência cristã? De um encontro. Um encontro pessoal, inexplicável e irresistível com uma Presença: o próprio Cristo que se faz presente na realidade humana. O próprio Deus que vêm novamente ao encontro do homem… a cada dia, a cada momento.

Quando uso minha razão para tentar compreender essa realidade, tudo me parece absurdamente impossível, mesmo sendo católico praticante. É normal que assim seja. É por isso que a proposta católica é a vivência da fé (dar ouvidos ao coração) e da razão. Porque quando excluímos ou negligenciamos esse nosso desejo de infinito, deixamos de compreender uma parte essencial de nós mesmos. Quando deixamos que ele venha à tona, passamos a viver uma nova dimensão da realidade. A dimensão da Fé.

Isso não significa que estamos sendo irracionais ou que não estamos fazendo uso da razão. A razão vai ser de grande valia no estudo histórico, doutrinário e teológico. Contudo, ele só deve ser desenvolvido depois dessa experiência, depois do encontro real, profundo e único do homem com Deus.

O que tento dizer, em outras palavras, é que devemos ser realistas. Quer dizer, devemos conhecer a realidade religiosa segundo um método que me é imposto e que, portanto, não foi escolhido por mim, não foi idealizado por mim. Se nós pudéssemos escolher o método, certamente escolheríamos a razão, ou seja, escolheríamos conhecer a realidade religiosa com a razão. Mas, não podemos! O método para se conhecer essa experiência é determinado pelo próprio objeto em análise e não por nós.

Para concluir, lembro uma frase extremamente significativa de Alexis Carrel: “Muito raciocínio e pouca observação conduzem ao erro. Pouco raciocínio e muita observação conduzem à verdade”. Espero que os leitores consigam observar mais os acontecimentos que gritam aos nossos ouvidos e deixem de construir, ingenuamente, realidades ideológicas.

André Rodrigues

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“No microscópio, vi uma célula letal de leucemia e tive a certeza de que a paciente a quem tal célula pertencia deveria estar morta”: assim começa o depoimento de Jackie Duffin, a médica canadense que participou como “testemunha cega” no processo de canonização de Santa Margarida d’Youville, publicado este mês pela BBC News.
 
“O fato de esta paciente estar viva 30 anos depois do seu encontro com a leucemia mieloide aguda (LMA) é algo que eu não consigo explicar. Mas ela sim”, afirma a hematóloga.
 
Em 1986, Duffin examinou algumas amostras de medula óssea sem conhecer sua procedência nem o motivo da pesquisa, que era a comprovação, por parte do Vaticano, de um milagre atribuído à fundadora das Irmãs da Caridade de Montreal.
 
Por meio dessa revisão, Duffin viu que a paciente havia se submetido à quimioterapia, entrou em remissão, depois teve uma recaída, passou por mais tratamentos e um segundo período de remissão.
 
“O Vaticano já havia rejeitado que este caso fosse considerado um milagre; seus especialistas afirmavam que a paciente não havia tido uma primeira remissão e uma recaída, mas que uma segunda rodada de tratamento produziu uma única remissão”, explica a reportagem. Esta aparentemente sutil distinção era crucial. Falamos da possibilidade médica de curar na primeira remissão, mas não depois de uma recaída.
 
“Eu nunca havia ouvido falar de um processo de canonização e não conseguia acreditar que a decisão exigisse tal deliberação científica”, recorda a professora de História da Medicina da Queen’s University.
 
“Por curiosidade, li a biografia de d’Youville: ela nasceu em Montreal e criou um lar para pobres e pessoas com deficiência, um asilo, um refeitório público e uma ordem de religiosas que fundaram escolas no mundo inteiro – conta. Sua vida certamente parecia exemplar.”
 
Algum tempo depois, Duffin prestou depoimento sobre seu relatório diante do tribunal eclesiástico; participaram também o médico e a paciente, que explicou como havia pedido a intercessão de d’Youville durante sua recaída.
 
“Finalmente, recebemos a alegre notícia: d’Youville seria canonizada pelo Papa João Paulo II em 9 de dezembro de 1990”, relata.
 
“As freiras que promoveram sua causa me convidaram para a cerimônia. No início, hesitei, porque não queria ofendê-las. Sou ateia e meu marido é judeu. No entanto, queriam a presença de nós dois e não poderíamos recusar o privilégio de presenciar o reconhecimento da primeira santa do nosso país”, continuou
 
Durante a cerimônia, celebrada na Basílica de São Pedro, a cientista conheceu o Papa João Paulo II: “Foi um momento inesquecível”, comentou.( Foto acima)
 
Em Roma, os postulantes canadenses lhe deram uma cópia da Positio, o testemunho completo do milagre de Ottawa que, entre relatórios, transcrições de testemunhos e artigos, incluía seu relatório: “Um livro que mudou minha vida completamente”.
 
“A historiadora que há em mim se perguntou quais haviam sido os milagres utilizados para as canonizações no passado – relata. Também eram curas? Que doenças foram curadas? No passado, a ciência médica estava tão envolvida nisso como na atualidade? O que disseram os médicos que serviram de testemunhas?”
 
Durante 20 anos, esta cientista estudou profundamente tais questões, inclusive com muitas viagens aos arquivos do Vaticano, e publicou dois livros sobre medicina e religião: “Milagres médicos” e “Santos médicos”.
 
Em “Milagres médicos”, Duffin analisa 1.400 milagres usados em processos de canonização ao longo de 400 anos; em “Santos médicos”, fala do milagre de Margarida d’Youville, bem como do caso dos santos Cosme e Damião, médicos gêmeos assassinados no ano 300.
 
“A investigação que fiz voltou a trazer à luz histórias dramáticas de recuperação e coragem – afirmou. Revelou notáveis paralelos entre a medicina e a religião, em termos de raciocínio e propósito, e mostrou que a Igreja não desprezou a ciência em suas deliberações sobre os milagres.”
 
E concluiu: “Mesmo sendo ateia, acredito em milagres, essas coisas maravilhosas que acontecem e para as quais não encontramos explicação científica”.

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A estrutura do universo é determinada por números muito precisos: a velocidade da luz, a constante gravitacional, a taxa de expansão do universo conduzida pela constante cosmológica, a distribuição de massa e energia, a constante de Planck, a razão entre as massas de elétrons e prótons, a constante de Hubble…

Trata-se das constantes e quantidades fundamentais do universo.

A ciência chegou à conclusão de que cada um desses números écuidadosamente ajustado a uma estreitíssima franja de valores precisos, fora da qual não haveria possibilidades de que a vida existisse. Essa restrita franja de valores dentro da qual a vida é possível é tão minúscula que, se qualquer um desses números fosse minimamente alterado, nenhum tipo de vida física interativa poderia existir em lugar algum.  

“O fato notável é que os valores desses números parecem ter sido muito precisamente ajustados para tornar possível o desenvolvimento da vida” ( Stephen Hawking, físico teórico, Diretor de Pesquisa no Centro de Cosmologia Teórica da Universidade de Cambridge).
Para este ajuste tão preciso do universo, existem três possíveis explicações:
– A necessidade física;
– O acaso;
– O desígnio inteligente.
Com este vídeo de 6 minutos da Reasonable Faith, legendado em português por Jonathan Silveira, da Tu Porém, você pode tirar as suas próprias conclusões sobre qual possibilidade faz mais sentido:
– Atribuir a existência finamente ajustada do universo a uma eventual necessidade física
– Atribuir a existência finamente ajustada do universo a uma incrível combinação de acasos acionada por coisa alguma a partir do nada;
– Ou atribuir a existência finamente ajustada do universo à ação de uma Inteligência criadora.
Fique à vontade para usar a sua razão!

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Desfrutando do feriado da Semana Santa na condição de um não-crente, o mínimo que posso fazer é prestar uma homenagem aos católicos. E farei isso com base em fatos históricos e uso da razão, nada mais. A fonte é o ótimo livro Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental, de Thomas Woods.

Pois bem, chega de alimentar a pecaminosa vaidade e vamos aos fatos. Está na moda crucificar a Igreja Católica, ignorando-se todo o seu legado positivo. Da mesma forma que é lugar-comum ridicularizar a Idade Média como uma época de trevas culturais e ignorância. Os colegiais que sequer conseguem apontar cronologicamente a Idade Média parecem convencidos de que foi um período de superstição e repressão intelectual, nada mais. Não é bem (ou nada) assim.

Afinal, foi na Idade Média que surgiu aquela que seria a instituição a mudar o mundo para sempre e para melhor: a universidade. Uma época que cria tal sistema universitário não pode ser associada apenas à ignorância. Era preciso, nas palavras do historiador Lowrie Daly, manifestar “um interesse consistente pela preservação e cultivo do saber”. Seres puramente supersticiosos jamais iriam se reunir em grupos para debater incansavelmente sobre os mais diversos temas, em busca de verdades e mais conhecimento.

Como atestam os pareceres de historiadores e documentos oficiais, os papas também tiveram papel fundamental nesse avanço do sistema universitário. Muitas vezes intervieram para proteger os alunos e a autonomia das universidades. Em 1231, por exemplo, o papa Gregório IX lançou a bula Parens scientiarum, em defesa dos mestres de Paris, concedendo à Universidade de Paris o direito à autonomia para elaborar suas próprias regras a respeito dos cursos e pesquisas. No tempo da Reforma, já havia mais de oitenta universidades na Europa.

Alguns historiadores chegaram a chamar esse período em que as universidades ganharam forma de “a Renascença do século XII”. Muitas obras clássicas foram resgatadas e traduzidas, como aquelas sobre a geometria euclidiana, a lógica aristotélica, a filosofia natural, ou as de medicina de Galeno. Os estudiosos medievais, ao contrário do que se pensa, não impregnavam tudo com a teologia. A autonomia da filosofia natural estava presente.

Outra evidência de que é preconceito definir esse período como um apagão intelectual é o claro apreço pela lógica nesses pensadores. Trata-se de um testemunho do compromisso com o pensamento racional por parte desses estudiosos. Os escolásticos tinham na razão uma ferramenta indispensável para seus estudos, e tinham que confrontar suas teses com proposições opostas. O método que foi sendo desenvolvido é bem conhecido hoje: enunciado de uma questão, exposição dos argumentos de ambos os lados, manifestação do ponto de vista do autor a resposta às objeções.

O maior desses escolásticos foi, sem dúvida, Tomás de Aquino. Em sua principal obra, Summa theologiae, ele levanta inúmeras questões em teologia e filosofia, e procura respondê-las com argumentos lógicos. Até mesmo a existência de Deus passou por tal crivo. O leitor tem todo direito de discordar de sua conclusão sobre a necessidade de uma Causa primeira, mas não pode negar o surpreendente esforço racional do autor. Uma era de pura superstição jamais produziria um intelecto desses!

Quando pensamos na era atual, em que o politicamente correto asfixia boa parte dos debates livres e os radicais nas universidades ideologizam tudo, não deixa de ser impressionante constatar que havia, em plena Idade Média, um incentivo ao debate construtivo, ainda que limitado às universidades. O espírito crítico, tão importante para o desenvolvimento da cultura e da ciência ocidentais, era alimentado nesses locais sob a proteção da Igreja Católica. Concluo com as palavras do historiador da ciência Edward Grant:

O que foi que tornou possível à civilização ocidental desenvolver a ciência e as ciências sociais de um modo que nenhuma outra civilização havia conseguido até então? Estou convencido de que a resposta está no penetrante e profundamente arraigado espírito de pesquisa que teve início na Idade Média como consequência natural da ênfase posta na razão. Com exceção das verdades reveladas, a razão era canonizada nas universidades medievais como árbitro decisivo para a maior parte dos debates e controvérsias intelectuais.

Rodrigo Constantino

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O vídeo abaixo é um trecho de um dos melhores debates sobre a existência de Deus já realizados. Frente a frente, estão o filósofo e teólogo cristão William Craig e o químico e cientista ateu Peter Atkins. Num determinado momento, começa-se a debater filosofia da ciência. Em menos de 3 minutos, Craig dá uma aula de deixar qualquer um boquiaberto! Assista:

NOTA: Caso tenha curiosidade, você pode assistir ao debate completo no YouTube, com legendas em português e qualidade de imagem bem melhor do que a do vídeo acima. Clique AQUI e confira se o resto dos argumentos do ateu fizeram alguma diferença.

Fonte: “Charlezine”

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Deve-se louvar a razão humana. Sem dúvida, ela é o maior fundamento e o maior instrumento para a coesão social: se a convivência social fosse baseada apenas nas emoções humanas, seria impossível – instáveis, agudas e muitas vezes violentas, as paixões e emoções estabeleceriam entre nós o império do imprevisível.

Se, por outro lado, fundamentássemos a convivência na pura vontade humana de poder, como querem alguns nietszcherianos e niilistas contemporâneos, não poderíamos senão declarar toda relação humana como uma busca de dominação, e, portanto, opressiva – e eliminável. No entanto, o império da vontade só pode gerar opressão e ditaduras, guerras e destruição.

É certo que o ser humano é uma unidade inseparável, e que estas distinções entre “razão, vontade e emoções” são apenas distinções, nunca separações. Na vida cotidiana, os processos humanos se dão sempre de modo integrado. Se a separação absoluta não existe, a distinção entre razão, vontade e emoções, porém, continua perfeitamente válida e deve sempre ser defendida.

No entanto, devido aos equívocos de alguns pensadores contemporâneos, a razão passou a ser vista, nos meios sociais, acadêmicos e, principalmente, políticos, com muita desconfiança, senão com desdém. O processo passou a ser de separação mesmo: acusa-se a razão de ser mera ocultação de discursos de poder, de dominação. A própria lógica é acusada de ser um instrumento de domínio patriarcal e posta sob suspeição. E a sociedade fica apenas com as “boas intenções” (daquelas que os antigos sábios costumavam dizer que “pavimentam o caminho do inferno”) para construir seu campo social e público de convivência.

Assim, no campo ético – que gera, por sua vez, o domínio jurídico – restam-nos, como único fundamento público aceitável na forma estatal de decidir, as emoções e a vontade dos grupos de influência politicamente organizados. Vale dizer: a busca do bem comum é muitas vezes confundida com a promoção das emoções positivas e a pressão desses grupos de interesses setoriais. As decisões políticas mais graves são tomadas com base num discurso do “coitadismo” (oh, coitadinhos dos animais que são submetidos a testes laboratoriais; oh, coitadinhos dos que têm desejos sexuais esdrúxulos, múltiplos ou polimorfos e não podem realizá-los na forma de matrimônio; oh, coitadinhas das mulheres grávidas que não querem ter filhos…) ou na necessidade de atendimento de grupos de pressão que elevaram sua própria agenda a critério de bom-mocismo através do domínio das mídias e da capacidade de organização social e exclusão dos discordantes.

Paradoxalmente, são os grupos religiosos, especialmente de matriz cristã, que estão apelando à confiança na razão como critério de convivência social. E, a esta altura, quando apelam para os critérios racionais, são muitas vezes acusados de atentar contra o estado laico.

Os exemplos se multiplicam. Quando os grupos cristãos declaram, por exemplo, que há grande razoabilidade em defender que um nascituro tem já uma identidade pessoal diversa daquela dos genitores, e portanto uma dignidade própria, estão apelando para argumentos estritamente razoáveis. Quando afirmam que, ainda que houvesse dúvida quanto a esta identidade pessoal, seria prudente apelar para o princípio da precaução e evitar eliminar fisicamente o embrião, que já guarda em si todas as potências genéticas e biológicas do ser humano já nascido, estão de igual maneira apelando para um princípio perfeitamente defensável racionalmente.

Quando um médico cristão, por exemplo, alega que tem sérias razões para negar-se a fazer um aborto numa paciente, fora das hipóteses do duplo efeito em razão do risco real e iminente à vida da gestante, ele está apelando a uma série de pressupostos estritamente racionais, como o juramento de não fazer mal à vida e à integridade física de um ser humano saudável.

São os defensores do aborto que apelam, nestes casos, a argumentos baseados no voluntarismo (um suposto “direito de escolha” que desconsidera todas estas posições de precaução, criando um falso dilema entre a vontade da mãe e a vida do bebê, que são postos em “ponderação” como se não fosse uma relação fisiológica, mas uma opressão política) e denunciam a lógica impecável e as razões irrefutáveis dos médicos e dos cristãos como “encobrimento de uma posição religiosa em prejuízo da liberdade de escolha da mulher e da laicidade do Estado”, negando-lhes o direito de argumentar, de pensar e de se conduzir de acordo com a própria razão devidamente fundamentada. E em nome da defesa do direito individual de escolha – portanto da própria vontade humana incondicionada racionalmente– consideram-se legitimados a forçar o médico e os próprios cristãos a desconsiderar suas razões e, violando suas consciências, agir em mera obediência à norma estatal positiva liberadora de abortos.

O pensamento laicista agressivo tem se negado também a reconhecer razoabilidade na mera afirmação de que as diversas formas de relação sexual tem valor moral também diversamente ponderável, conforme se ordenem ao compromisso permanente e indissolúvel, à abertura à vida e à responsabilidade com a prole, por um lado, ou com a mera satisfação da libido, por outro, e que, portanto, diferenciar condutas em razão da orientação sexual é justo e concorre com o bem comum. Quando não têm argumentos racionais para rebater esta afirmação tão lúcida, simplesmente distribuem títulos de “fóbicos” aos que se negam, com bons motivos racionais, a ver na libido o fundamento indiscriminado para a convivência interpessoal, para negar, por exemplo, o mesmo valor aos matrimônios cristãos e aos “casamentos” homo ou plurissexuais. Não é uma discussão ponderada, portanto.

Curiosamente, foi Tomás de Aquino, um cristão, quem afirmou que a “lei é uma ordenação da razão”, e portanto deve, além de ser politicamente promulgada, poder ser defendida racionalmente para ter valor coercitivo pleno; do lado laicista, seu maior pensador político, Thomas Hobbes, afirmou simplesmente que “é a autoridade, não a verdade, que faz a lei”, e portanto legitimou por si mesmo o poder, alijando cruamente a razão da discussão política. Entre Thomas e Tomás, não há dúvida de quem acredita na importância da razão para a correta ordenação estatal. São os cristãos.

Fechando-se as portas estatais da argumentação razoável, resta aos cristãos – e às pessoas que creem simplesmente no valor da razão – defender a liberdade de religião como um biombo para continuar acreditando na capacidade da razão humana para a convivência social e da necessidade de viver em coerência com ela, contra a pressão política prevalente de quem não tem razões, mas tem poder de pressão.

Mas é uma última retirada: quando nem sequer a cláusula da liberdade de religião permitir a convivência defensável racionalmente – como parece estar acontecendo quando o governo americano impõe aos grupos religiosos o financiamento compulsório dos abortos dos seus empregados em nome da laicidade estatal – é a razão humana que será destruída, e com ela a própria liberdade de pensar razoavelmente. A história mostra que em qualquer sociedade Deus é indestrutível, mas a razão humana, nem sempre.

Autor:   Paulo Vasconcelos Jacobina