Sinopse: Um mago tenta capturar a Morte para barganhar pela vida eterna, no entanto, acaba prendendo seu irmão mais novo Morpheus, o Rei dos Sonhos. Após sua fuga, Morpheus, também conhecido apenas como Sonho ou Sandman, parte em busca de seus poderosos objetos perdidos. Ele está determinado a trazer de volta a ordem para seu Reino e fará o que for preciso para restaurar seu mundo, agora deteriorado depois de sua ausência.
A série é inspirada nos quadrinhos de Neil Gailman e vai contar a história de Sandaman, uma divindade que guarda o mundo dos sonhos, inspirado no deus grego Morpheus. Que aliás é um dos nomes para se referir ao personagem. Ele faz parte dos perpétuos, que são 7 divindades que são responsáveis por alguns aspectos da vida humana: Destino, Morte, Sonho, Destruição, Desejo, Desespero e Delírio.
A série traz uma atmosfera sombria e narrativas intrigantes. O roteiro da série é muito bom, os personagem são bem escritos. A sua narrativa guarda semelhança com as HQs, com histórias curtas e com um fecho em cada episódio, não deixando tantas pontas para conexões com os próximos capítulos. Além dos efeitos especiais que são muito bem produzidos, dando inveja aos efeitos visuais da Marvel no ano de 2022.
Porém há alguns pontos que acredito de devam ser destacados para termos um certo cuidado com a série. A primeira delas são as relações pessoais e sexualidade. Em produções não cristãs e voltadas para o público adulto é comum termos relações homossexuais, porém a série ela leva isso a um patamar diferenciado, quase anulando as relações naturais e fazendo com que as relações com o mesmo sexo seja o ‘padrão’, ou melhor, seja algo mais evoluído, um sinal de autenticidade. Os personagens que tem relações heteros são pessoas reprimidas que ao serem libertadas passam encontrar a satisfação nas relações com pessoas do mesmo sexo.
Outro ponto a ponderar é a forma como Deus é retratado. Ele é mencionado algumas vezes pelo protagonista como ‘O Criador’, mas ele em nada interfere nos acontecimentos, mesmo sendo mostrado as constantes interferências de Lúcifer Estrela da Manhã. Neste caso eu compreendo que um deus isento é um bom recurso narrativo. Em primeiro lugar porque o coloca em uma posição de superioridade junto aos demais e também porque se ele fosse um personagem ativo, teria que escolher entre dois caminhos. Um seria retratá-lo como nos cultos cristãos e ter um personagem mais deslocado dos outros com o mesmo destaque; o outro seria retratá-lo de uma forma mais humana, com desafios e sentimentos, criando um Deus mais próximo dos homens e podendo criar uma grande celeuma representando uma divindade cujo culto é muitíssimo popular.
Mas o foco da minha análise é a concepção do “sonho” para Morpheus. Ele não percebe isso apenas como algo que acontece enquanto estamos dormindo, como uma mera ação cerebral. Mas é um reflexo da nossa consciências, de nossos valores e daquilo que mais desejamos, quase como se fosse uma dádiva, um dom divino. E esses sonhos refletem os desejos altruístas, justos, que pela sua própria natureza seria algo bom.
E um paralelo que existe na narrativa, mas que ainda não foi muito explorado nessa temporada, é a oposição entre esse tipo de sonho e o desejo. Vale lembrar que o Desejo também é um Perpétuo e que não se entende muito com Sandman. O desejo se contrapõe ao sonho pois está mais relacionado á satisfação própria e, por conseguinte, as concupiscências (prazer, poder e possuir). E a série acaba colocando o sonho como aquele desejo mais íntimo, que brota da consciência do homem que em sua essência guarda o divino. Seria um reflexo do que os padres da Igreja chamam de lei natural.
É lá (da lei natural) que está escrita toda a lei justa, e é de lá que ela passa para o coração do homem que pratica a justiça; não que imigre para ele, mas porque nele imprime a sua marca (…). Santo Agostinho, De Trinitate, 14, 15, 21: CCL 50A, 451 (PL 42, 1052).
A lei natural “não é senão a luz da inteligência posta em nós por Deus; por ela, nós conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz ou esta lei, deu-a Deus ao homem na criação”. São Tomás de Aquino, In duo praecepta caritatis et in detem Legi praecepta expositio 1: Opera amnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 144.
E daí vem o paradoxo das histórias que envolvem as histórias de heróis ou seres com poderes quase divinos: o bem contra o mal. Nesta obra ela está retratada conflito do Sonho contra o Desejo, mas que pode ser levada para diversos aspectos de nossa vida: o que eu preciso fazer contra o que eu tenho que fazer; o que eu imaginar contra o que realmente imagino; o desejo de me doar contra o desejo de me poupar e repousar.
São essas pequenas escolhas e nestes pequenos dilemas do dia a dia vamos trilhando, pouco a pouco a direção da nossa vida e construindo nosso caminho de salvação. Como nos ensina o Catecismo da Igreja, somos dotados de liberdade e isso nos leva a escolhas:
Enquanto se não fixa definitivamente no seu bem último, que é Deus, a liberdade implica a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, e portanto, de crescer na perfeição ou de falhar e pecar. É ela que caracteriza os actos propriamente humanos. Torna-se fonte de louvor ou de censura, de mérito ou de demérito. Catecismo da Igreja Católica, artigo 1732
Façamos bem as nossas escolhas, escolhamos nossos sonhos e não nos deixemos sucumbir pelos nossos desejos.