Está na categoria “Arte” da lista do Vaticano, então não dá pra procurar nesse filme “lições de vida”, ou uma base doutrinária muito forte. Minha sugestão é que você o assista esperando aquilo para o qual ele foi proposto: diversão. Claro que um artista como Chaplin não fazia nada apenas por fazer. Há indícios que ele passou vários dias supervisionando somente a trilha sonora. Muito importante notar que (fora paródias e outros filmes feitos propositalmente) esse foi o ultimo filme mudo, foi o encerramento de uma era. Mas o filme não é totalmente mudo, existem falas, mas elas são normalmente por meios eletrônicos, seja o rádio ou um reprodutor fonográfico; voz direta só ouvimos em duas ocasiões, mas vou deixar para o leitor descobrir ao assistir o filme.
Atenção contém spoilers!
Estamos na década de trinta, a recessão assola os Estados Unidos e Chaplin faz um filme que é exatamente o que as pessoas estão vendo fora do cinema. “A arte imita a vida”? Talvez, mas na minha humilde opinião a chave está na ultima cena onde o Carlitos (o vagabundo/the tramp) vira pra sua companheira e diz (dá para ler claramente os lábios dele) “Vamos lá, se anime vai dar tudo certo” (tradução livre de: “Buck up – never say die! We’ll get along.”). É um convite claro a rir da vida, dos problemas, um convite ao animo. Em diversas situações o nosso amigo, com seu jeito atrapalhado, parece só piorar a situação que já não está muito favorável pra ele. Chaplin é um mestre na arte de fazer rir e era isso que as pessoas precisavam naquele tempo. É o entre guerras a única diversão que as pessoas podiam pagar era o cinema que estava em plena expansão. Mas o filme não quis só fazer rir. Existem muitas criticas à realidade que cercava a época, a alienação no trabalho a ponto de enlouquecer.
O trabalhador que não era considerado gente, que estava prestes a perder até o direito ao descanso “graças” (?) a mais uma invenção tecnológica… Não é uma brincadeira, mas uma critica muito forte o fato de ele ter se metido maquina a dentro, os operários acabaram por se tornar “commodities”, produtos de baixo valor encontrados facilmente… Outra cena recheada de “protesto” é quando o protagonista, tomado por um comunista é encarcerado (Essa mesma cena foi usada contra Chaplin quando o House Un-American Activities Committee o acusou de Comunista). Com todo esse fundo de protesto achei por bem citar a Enciclica Quadragesimo Anno de 1931 uma das bases da doutrina social da Igreja:
Sobre o Capitalismo:
“A livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica. Aí estão a comprová-lo os fatos desde que se puseram em prática as teorias de espírito individualista. Urge por tanto sujeitar e subordinar de novo a economia a um princípio directivo, que seja seguro e eficaz. A prepotência econômica, que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indômita e violenta por natureza, precisa, para ser útil a humanidade, de ser energicamente enfreada e governada com prudência; ora não pode enfrear-se nem governar-se a si mesma. Força é portanto recorrer a princípios mais nobres e elevados : à justiça e caridade sociais.” (Quadragesimo Anno Cap II,5)
Sobre o Comunismo:
“Uma das facções seguiu uma evolução paralela à da economia capitalista, que antes descrevemos, e precipitou no comunismo, que ensina duas coisas e as procura realizar, não oculta ou solapadamente, mas à luz do dia, francamente e por todos os meios ainda os mais violentos: guerra de classes sem tréguas nem quartel e completa destruição da propriedade particular. Na prossecução destes objectivos a tudo se atreve, nada respeita; uma vez no poder, é incrível e espantoso quão bárbaro e desumano se monstra. Aí estão a atestá-lo as mortandades e ruínas de que alastrou vastíssimas regiões da Europa oriental e da Ásia; e então o ódio declarado contra a santa Igreja e contra o mesmo Deus demasiado o provam essas monstruosidades sacrílegas bem conhecidas de todo o mundo. Por isso, se bem julgamos supérfluo chamar a atenção dos filhos obedientes da Igreja para a impiedade e iniquidade do comunismo (…)” (Idem Cap III,2)
Sobre o Socialismo:
“Mas não se vá julgar que os partidos socialistas, não filiados ainda no comunismo, professam já todos teórica e praticamente esta moderação. Em geral não renegam a luta de classes nem a abolição da propriedade, apenas a mitigam. Ora se os falsos princípios assim se mitigam e obliteram, pergunta-se, ou melhor perguntam alguns sem razão, se não será bem que também os princípios católicos se mitiguem e moderem, para sair ao encontro do socialismo e congraçar-se com ele a meio caminho? Não falta quem se deixe levar da esperança de atrair por este modo os socialistas. Esperança vã! Quem quer ser apóstolo entre os socialistas, é preciso que professe franca e lealmente toda a verdade cristã, e que de nenhum modo feche os olhos ao erro. Esforcem-se antes, se querem ser verdadeiros arautos do Evangelho, por mostrar aos socialistas, que as suas reclamações, na parte que tem de justas, se defendem muito mais vigorosamente com os princípios da fé e se promovem muito mais eficazmente com as forças da caridade.” (Ibiden)
Vale sempre a pena ler o documento na íntegra para ver o quão atual ele ainda é. O que você sabe da doutrina Social da Igreja? Já leu a Quadragésimo Anno? Qual encíclica social mais te marcou?
O filme fala de pobreza, não a Evangélica, mas aquela não escolhida mas vivida com bom humor, sempre temos uma escolha na vida, uma escolha que não depende das circunstâncias, uma escolha interior que é não um “O que” vamos experimentar (pobreza ou riqueza, saúde ou doença, liberdade ou prisão) mas “Como” vamos viver aquela situação que não escolhemos. Nesse sentido podemos ver o chamado concreto dos cristãos que “são pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo abundam.” (Carta a Diogneto V)
Quero concluir esse post com um convite a alegria, que a nossa vida cristã possa encher de alegria e esperança todos os que nos cercam, que a nossa esperança seja contagiosa, que nossa alegria transborde, que o nosso amor seja sincero.
Você já assistiu esse filme? Qual a cena que mais te fez rir? Você sabia que faz parte da Lista de filmes recomendados pelo Vaticano?
Trailer