

Todos os núcleos da história mostram a grande oposição entre o primitivo e o moderno. Com o grande avanço tecnocientífico, os personagens nascem em um ambiente controlado e preparado desde a sua gestação, que ocorre no “Centro de Incubação e Condicionamento de Londres Central”. Na trama, toda a população é gerada a partir de reprodução artificial e manipulada geneticamente para atender às especificidades necessárias para cada grupo de pertencimento pré-determinado (Alfa+, Alfa, Beta+, Beta, Gama, Delta ou Épsilon). Dentre todos os personagens, o livro destaca a história de Bernard Marx, que apesar de pertencer à elite genética, por um defeito durante a sua gestação acabou saindo diferente dos demais. Diante disso, o homem acaba por se sentir excluído, rebelando-se contra o sistema pelo qual se sente injustiçado. Em uma viagem a uma reserva primitiva, Bernard se depara com Linda, uma mulher que havia nascido na civilização, mas que fora banida para essa espécie de “tribo indígena” por estar grávida (fato jamais aceito ou pensado pela sociedade de Admirável Mundo Novo). Além de Linda, Bernard conhece seu filho, John, chamado de “Selvagem”, com quem se afeiçoou. Porém, não foi a empatia o que despertou o interesse de Bernard, já que levar o “Selvagem” para a civilização lhe renderia prestígio diante da sociedade científica. A chegada de Linda e John nas terras da modernidade causam horror e fascínio nos habitantes do “mundo novo”. Os dois eram vistos como verdadeiras aberrações, e John, com sua capacidade crítica, acaba por ameaçar a ordem e a estabilidade do ambiente ao qual não pertencia.

Em Admirável Mundo Novo, todos os bebês são gerados artificialmente, já que o sexo, na sociedade da história, serve unicamente para o prazer de seus habitantes. Dentro do “Centro de Incubação e Condicionamento”, há um laboratório especial de fecundação, onde os óvulos e os espermatozoides recebem uma série de cuidados, simulando um ambiente com condições ideais para que a fecundação ocorra. Essa previsão de Aldous Huxley é realmente impressionante. Para se ter dimensão da história da fertilização in vitro, o primeiro bebê de proveta nasceu em 1978, mais de 40 anos depois que o autor escreveu o seu livro de ficção científica. É evidente que há uma série de discrepâncias entre a história contada por Huxley e a realidade, já que, no livro, os embriões se desenvolviam no próprio laboratório, enquanto que, na realidade, os pré-embriões são transferidos para o útero da mãe para que possam se desenvolver. Porém, nos últimos anos, cientistas têm criado verdadeiros úteros artificiais, onde tem sido possível acompanhar o crescimento embrional fora do corpo da mãe. No Japão, por exemplo, uma equipe tem criado incubadoras com líquido amniótico artificial, onde fetos de cabras têm se desenvolvido por aproximadamente três semanas. Apesar das pesquisas na área ainda estarem em seus estágios iniciais, nada impede sua evolução para que a realidade seja semelhante à de Aldous Huxley.

A sociedade hipotética e científica de Huxley, além da reprodução in vitro, manipulava geneticamente os embriões para que os bebês nascessem com características pré-determinadas, de acordo com a sua casta. Dessa forma, toda a hereditariedade era cuidadosamente selecionada a partir do uso de gametas de homens e mulheres padronizados. Enquanto esse assunto não passava de especulações oriundas da mente do autor, hoje em dia a comunidade científica mundial tem passado por uma série de debates sobre a ética da manipulação genética: mais uma profecia de Admirável Mundo Novo. Nos últimos anos, a possibilidade de manipular geneticamente seres humanos se tornou realidade, e, apesar de todo o embate dos pesquisadores sobre o tema, no ano passado cientistas chineses criaram embriões humanos geneticamente modificados. A ideia da pesquisa é que genes defeituosos sejam consertados para que os embriões possam se desenvolver livres de doenças. Apesar dos benefícios que a tecnologia pode proporcionar, há também uma tendência de manipulação para que bebês nasçam com determinadas características físicas, e este é o assunto de maior polêmica entre os cientistas. A discussão é tão séria que até mesmo no Brasil há uma lei de biossegurança que proíbe “engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”.
Programação Neurolinguística
Durante seu desenvolvimento, os habitantes de Admirável Mundo Novo passavam por treinamentos para condicionar seus pensamentos. De acordo com sua casta, diariamente os personagens recebiam informações para que desenvolvessem consciência sobre como deveriam ser e agir. Os pertencentes às castas superiores, por exemplo, passavam por treinamentos que visavam modelar as suas ações de forma que pudessem se comportar como membros de elite. É evidente que a comparação entre o método de condicionamento do universo de Huxley e o desenvolvimento da Programação Neurolinguística (ou PNL) se diferem em uma série de questões, mas é bastante interessante perceber que o autor foi capaz de prever métodos capazes de modificar comportamentos através de modelos mentais. Os estudos da PNL tiveram início dos anos 1970, momento em que foi percebido que existem “padrões externos, como comportamentos e linguagens específicas que [pessoas de sucesso] utilizavam, que as ajudavam a realizar suas atividades com excelência e influenciavam seus resultados. Eles também observaram que existiam padrões internos, como crenças e pressupostos, que eram poderosos recursos para o alcance do sucesso”, segundo a Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística. O pressuposto básico dos estudos na área é que, por trás dos comportamentos, há uma estrutura interna de pensamentos e emoções que impactam diretamente as ações das pessoas e, portanto, a partir das técnicas desenvolvidas pelos profissionais, é possível reprogramar a estrutura interna com foco em resultados. É claro que a ideia da programação de Huxley era a alienação e a sugestão de comportamentos, enquanto os neurolinguistas têm como objetivo proporcionar a reflexão crítica. Porém não é forçoso notar que, no livro, há claramente indícios de uma ciência que seria descoberta décadas depois e que trabalha exatamente com a influência dos padrões externos sobre os padrões internos.
Cinema 4DX
Ao longo da narrativa, nota-se a presença de uma tecnologia bastante recente. Uma das fontes de lazer dos personagens, no livro, era o que eles chamavam de “cinema sensível”. Enquanto assistiam aos filmes, os habitantes de Admirável Mundo Novo podiam experimentar as sensações reproduzidas na tela através de seus próprios sentidos, em uma experiência completamente interativa. Levando em conta que o cinema surgiu no final do século XIX, sendo, portanto, novidade ainda na época em que a obra foi escrita, Aldous Huxley previu uma tecnologia nova até mesmo para nós, mais de 80 anos antes. O cinema 4D faz exatamente o mesmo que o “cinema sensível”: proporciona experiências imersivas e interativas do público com o filme em ambientes de cinema equipados com tecnologias que visam alcançar todos os sentidos dos espectadores através da simulação do filme, que salta para a realidade.
Psicotrópicos
Um dos principais pontos da sociedade de Admirável Mundo Novo é o uso de um comprimido chamado Soma, que atua reduzindo a ansiedade, estresse e outros sentimentos negativos dos personagens, deixando-os em estado de relaxamento e alegria. O problema com isso é que o que se percebe, durante a narrativa, é uma completa falta de capacidade para lidar com sentimentos completamente naturais dos seres humanos, como a tristeza e a angústia. Tudo isso se assemelha bastante a um movimento originado no final dos anos 1980, com o lançamento do Prozac, que coincidentemente foi apelidado como “pílula da felicidade”. O Prozac, na realidade, é um antidepressivo que revolucionou o setor por não causar efeitos colaterais como os outros. Como o próprio nome diz, no entanto, o antidepressivo é utilizado em tratamentos, sendo indicado o seu uso apenas por médicos. Acontece que, nos últimos anos, houve um verdadeiro boom na psiquiatria, e diversos estudos da área têm apontado para o uso de psicotrópicos em pessoas completamente saudáveis. Os argumentos apontam para a sociedade atual enquanto incapaz de lidar com frustrações e com a infelicidade, e que, portanto, qualquer manifestação humana de sofrimento tem se tornado passível de medicação. Pensando a partir dessa perspectiva, a sociedade de Huxley, completamente dependente de Soma, não parece tão distante do movimento contemporâneo, onde as pílulas muitas vezes são vistas erroneamente como facilitadoras e propulsoras do bem-estar.

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