O Blog Vida sem Dúvida tem alegria de apresentar a primeira de uma série de entrevistas exclusivas com o Pe Hélio Luciano.
Ele foi ateu militante até os 19 anos. Hoje, aos 33, o dentista que entrou para o seminário após uma conversão inesperada ao catolicismo é padre da arquidiocese de Florianópolis (SC) e a pedido do então arcebispo da região, Dom Murilo Krieger, empenhou-se nos estudos sobre bioética e, neste ano, concluirá o doutorado que cursa no Campus Biomédico de Roma, uma universidade particular mantida pela Opus Dei.
1. Em relação ao início da vida humana, a afirmação de que esta tem início na concepção é uma teoria restrita a grupos religiosos? Podemos nos embasar em dados científicos para sustentar esta afirmação?
R: A questão do início da vida é uma questão de conhecimento racional, natural e independente de qualquer questão religiosa.
Trata-se de um fato científico – uma célula com capacidade de viver aproximadamente vinte e quatro horas une-se com outra célula capaz de viver aproximadamente setenta e duas horas formando um novo organismo, original, com DNA distinto daquele de seus progenitores e com capacidade de desenvolver-se como organismo por até mais de cem anos. A discussão aqui não é sobre ser pessoa ou não – esta sim seria uma discussão mais filosófica e sem possibilidade de comprovação científica – mas sim sobre o fato de ser um novo indivíduo da espécie humana. Não há nenhuma dúvida científica de que neste momento – da concepção – estabelece-se uma nova vida humana.
Esta nova vida humana – inaugurada na concepção – será dependente da mãe não apenas nos primeiros meses de vida, mas durante os primeiros anos. Esta dependência não faz dela propriedade daquela de quem depende, mas gera uma relação – tão própria do ser humano – que se inicia na fecundação e permanece durante toda a vida.
2. Há quem defenda que a vida humana não pode ter início na concepção porque há casos onde observa-se uma nova divisão celular após a fecundação, determinando a formação de dois indivíduos. O que dizer diante desta dificuldade?
R: Sinceramente é difícil acreditar que alguém defenda seriamente tal posição como um argumento científico e não como argumento para justificar uma tese pré-concebida. Deixando claro o absurdo do argumento, podemos tomar como exemplo as planárias, organismos pluricelulares que se reproduzem através de cissiparidade, ou seja, dividem-se pela metade e cada uma dessas metades se torna um novo indivíduo, com idêntico DNA. Qualquer biólogo – e qualquer pessoa com bom senso – não pode negar que a planária inicial era um indivíduo da mesma espécie e que as duas novas planárias também o são.
O que ocorre na fecundação e gemelação humana, ainda que de modo mais complexo, é semelhante. Por qual razão então poderíamos negar a individualidade do embrião antes da gemelação? Ou então, o que seria aquele indivíduo antes de se converter em um ser humano? Poderíamos chamar de pré-embrião alguém com DNA humano como de qualquer outro indivíduo da espécie humana, distinto dos seus pais e com capacidade orgânica própria? Se for assim, não existem planárias no mundo, mas somente pré-planárias.
3. Muitos defendem a teoria de que a vida humana começa com o início das atividades neurais porque o parâmetro inverso, ou seja, a morte cerebral, determina o fim da vida humana. É possível concordar com essa teoria? Porque?
R: Esta argumentação parte de um reducionismo e utilitarismo, pois identifica a vida humana com uma função específica humana, mas não considera que um ser humano é mais do que suas capacidades. Um ser humano continuará sendo humano enquanto for capaz de manter-se como um indivíduo, com organicidade própria.
A morte cerebral determina o fim da vida humana não por ser a atividade neural aquilo que identifica a vida humana, mas sim porque em um indivíduo humano adulto, a organicidade do indivíduo é mediada pela atividade neural, ou seja, cessando-se completamente e irreversivelmente tais atividades – repito, em um indivíduo adulto – já não temos mais um organismo que seja capaz de atuar como um todo, mas sim um conjunto de células, órgãos e algumas vezes até mesmo alguns sistemas, que funcionam de modo individual.
O mesmo não ocorre em um embrião – a ausência da atividade neural não impossibilita que aquele indivíduo humano seja um organismo, capaz de desenvolver-se e manter sua organicidade por décadas.
Sendo assim, a morte encefálica quando aplicada a um embrião, é um argumento falho e desprovido de racionalidade.
4. Gostaria que o senhor comentasse uma teoria bastante difundida de que a vida humana só tem início após a nidação do embrião e sua consequente implantação, já que antes disso seria apenas um aglomerado de células que morreria caso fosse retirado do útero.
R: A dependência que existe entre uma pessoa e outra não reduz a importância daquela que é dependente, nem muito menos se poderia dizer que tal dependência seria capaz de mudar a espécie à qual o indivíduo pertence.
É um fato que um ser humano recém concebido necessita desenvolver-se em um local adequado às suas necessidades, mas essa necessidade não pode ser utilizada para dizer que ele não é um ser humano. Como vimos anteriormente, a partir da fecundação, este novo indivíduo já é um ser humano, com DNA humano próprio e com identidade orgânica que não será interrompida – se ele não morrer antes – em décadas.
O argumento de que antes da nidação no útero não seria um ser humano, seria como afirmar que um bebê, antes de alimentar-se, não seria uma criança.
Todos estes argumentos não provém da racionalidade, mas sim da tentativa de justificar ações pré-concebidas. Ou seja, não é o fato de termos um ser humano ou não o que preocupa quem argumenta deste modo, mas sim a possibilidade de utilizar estes seres humanos de modo não condizente à ética exigida para um ser humano.
5. Temos visto discussões sobre a utilização da “pílula do dia seguinte” como uma alternativa para evitar a gravidez. Esta pílula é realmente abortiva? Ela tem efeitos colaterais?
R: A partir dos anos 80 a Organização Mundial da Saúde (OMS) passa a considerar aborto somente a interrupção da gravidez, que segundo sua definição começaria com a nidação do embrião. Deste modo, utiliza-se um eufemismo na linguagem para não chamar a eliminação de embriões antes da fecundação de aborto, denominado os meios que promovem este tipo de aborto de meios interceptivos.
A partir de então o dispositivo intrauterino (DIU) deixa de ser considerado abortivo e a indústria farmacêutica investe em moléculas e mecanismos capazes de matar o embrião antes da nidação. Este é um dos mecanismos da pílula do dia seguinte.
Os efeitos principais da chamada Pílula do dia Seguinte são três, sendo um deles abortivo. Um de seus efeitos é formar o tampão mucoso no colo do útero, impedindo a entrada dos espermatozoides. Outro efeito é impedir a ovulação. Por fim, o efeito abortivo (ou interceptivo), seria de eliminar o endométrio do útero. Deste modo, se o espermatozoide consegue passar antes da formação do tampão cervical e não se consegue evitar a ovulação, havendo uma fecundação, o embrião não poderá implantar-se no útero da mãe e será eliminado.
Considerando tudo isso, não podemos afirmar que a pílula do dia seguinte é sempre abortiva – ou seja, nem sempre que é tomada provoca aborto – mas podemos afirmar que tem um claro potencial abortivo.
Em relação aos seus efeitos colaterais, se podemos dizer que a anticoncepção hormonal é um veneno para o organismo feminino – basta ler a bula para comprovar – a pílula do dia seguinte, sendo uma concentração maior de hormônios, é uma bomba com efeitos desastrosos sobre o ciclo hormonal da mulher que a toma e cujos efeitos não estão de todo estudados até os dias de hoje.