Mês: setembro 2019
Vatican News
Foi publicado o novo documento da Congregação para a Educação Católica intitulado“Homem e Mulher os criou”. Para uma via de diálogo sobre a questão de “gender” (gênero) na educação.
Segundo o Prof. Roberto Zappalà, diretor do Instituto Gonzaga de Milão esse documento se apresentada como uma valiosa contribuição adicional de reflexão (que vai se acrescentar a outros elaborados em precedência) útil para “orientar e apoiar os envolvidos na educação das novas gerações” (n. 5).
O foco do documento é certamente sobre uma das “questões mais debatidas sobre a sexualidade humana hoje”, a questão do “gender” na educação, como já mencionado no título. No entanto, a reflexão articulada no documento assume um âmbito mais amplo: a “emergência educativa”, que enfrentamos e que nasce de uma sociedade e de uma cultura cada vez mais pobres em evidência e valores compartilhados, parece agora unir tantos jovens em formação como os adultos que devem educá-los na mesma percepção de viver como “abalados pelas ondas e levados aqui e ali por qualquer vento de doutrina” (Ef/4, 14).
Esta emergência denota – nas palavras do Papa Bento XVI – uma verdadeira “carência antropológica”, que tende a nos fazer esquecer que a pessoa humana “é um ser integral e não uma soma de elementos que podem ser isolados e manipulados segundo à própria vontade”.
Diante dessa carência antropológica que determina a “desorientação antropológica que caracteriza difusamente o clima cultural de nosso tempo” (n. 1), a Igreja, com este novo documento, assume e convida a assumir uma atitude de escuta, de reflexão e de proposta para “empreender a via do diálogo sobre a questão do “gender” na educação” (n. 6). E é precisamente por esta razão que o documento está dividido em três seções: Ouvir nºs 8-23; Refletir, nºs 24-29; Propor, nºs 30-51:
– Ouvir “do perfil histórico, dos pontos de encontro e das críticas na questão do “gender” (n. 24), bem como da “partilha e apreciável exigência de lutar contra qualquer expressão de injusta discriminação”(n. 15);
– Reflexão crítica sobre os aspectos da “liquidez e fluidez pós-moderna” (n. 19) subordinados à ideologia do “gender” que levam a propor, em nível antropológico, “uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculada da diferença biológica entre masculino e feminino. A identidade humana é entregue a uma opção individualista, mutável com o tempo, expressão do modo de pensar e agir, hoje difundido, que confunde “a liberdade genuína com a ideia de que cada um julga como lhe parece, como se, para além dos indivíduos, não houvesse verdades, valores, princípios que nos guiam, como se tudo fosse igual e tudo se devesse permitir” (n. 22);
– Proposta de um cuidadoso discernimento sobre a verdade da pessoa e sobre o significado da sexualidade humana, através de uma clarificação antropológica que tem o seu núcleo naquela “ecologia humana que procura o reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano”. Dignidade que o homem mesmo “deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece”. (n. 30). E é à luz desta ecologia humana que a mulher e o homem podem “aprender […] qual é o significado do corpo em toda a verdade original da masculinidade e da feminilidade; para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente […], e enriquecer-se mutuamente “(n. 35).
Nesta antropologia relacional emergem traços fundamentais da antropologia cristã da pessoa, que reconhece “o significado da sexualidade de discriminação e de violência, precisamente porque aprenderam a reconhecer as igualdades das pessoas, não negando, mas sim respeitando e valorizando as suas diferenças .
Da leitura global deste novo documento da Congregação para a Educação Católica emerge claramente que a Igreja olha para a “questão do ‘gender’ na educação” na perspectiva mais ampla do comum compromisso de construir uma convivência social que, como já auspiciara o Concílio, sempre mais “respeite a dignidade, a liberdade e os direitos das pessoas”. E é precisamente na perspectiva deste compromisso comum que a Igreja deseja não só abrir “uma via de diálogo”, mas também tornar-se um “espaço de diálogo” com as instituições culturais, sociais, políticas e com todos os homens, mesmo com aqueles que não partilham a fé cristã, mas “têm o culto de altos valores humanos.
Neste diálogo, a Igreja participa com a convicção de que cada interlocutor “tem algo de bom a dizer” e que, portanto, é necessário “dar espaço ao seu ponto de vista, à sua opinião, às suas propostas, sem cair, obviamente, no relativismo”. E precisamente por isso, como “perita em humanidade”, a Igreja quer oferecer a todos “o que possui por si mesma: uma visão global do homem e da humanidade”, convencida de que só um diálogo aberto e respeitoso, enfrentado sem medo nem radicalismo ideológico, pode contribuir verdadeiramente para uma compreensão mais profunda da sexualidade humana.
Prefeito da Congregação para a Educação Católica apresenta o novo documento “Homem e mulher os criou”
“Devemos encontrar caminhos de diálogo sobre o gender, sem cair nos slogans e nos extremismos. Mas devemos fazê-lo partindo da nossa identidade e também sabendo traduzir à luz que vem da fé em argumentos racionais, porque há muita confusão e nas escolas se corre o risco de impor-se um pensamento único como científico. Respeitamos todos, mas pedimos para ser respeitados.”São palavras do prefeito da Congregação para a Educação Católica, cardeal Giuseppe Versaldi, que – junto com o secretário do Dicastério, o arcebispo Vincenzo Zani – assinou o documento “Homem e mulher os criou”.
Eminência, qual é a finalidade do documento?
“É importante deter-se sobre o subtítulo: ‘Por um caminho de diálogo sobre a questão do gender na educação’. Nosso documento não é doutrinal, é mais metodológico: como educar as jovens gerações a enfrentar esses temas num tempo em que há muita confusão sobre isso. Assistimos ao risco que se imponha nas escolas como sendo científico um pensamento único que não podemos aceitar. Ao mesmo tempo, devemos ser capazes de dialogar, de renovar-nos, e de valorizar aquilo que surgiu de bom das pesquisas sobre o gender.”
Como nasce esse novo texto?
“A ocasião e o estímulo a prepará-lo vieram das visitas ad Limina dos bispos do mundo inteiro e também das viagens que fizemos, sobretudo das escolas e das universidades. Efetivamente, se está difundindo uma ideologia do gender e o ensino da Igreja é taxado como retrógrado. Por isso era necessário buscar formular um diálogo educativo sobre esse tema.”
Quais foram as bases sobre as quais se trabalhou?
“Procuramos fazê-lo num nível de razão, com argumentos racionais, e não com slogans nem de modo fideísta. Para nós a razão é iluminada pela fé e não é contrária à razão. Em todo caso, sobre o tema gender é possível formular o diálogo baseado em argumentos que não requerem a adesão à fé católica, mediante três argumentos: ouvir, raciocinar e propor. Há argumentos racionais que esclarecem a centralidade do corpo como subjetividade que comunica a identidade do ser. Nessa luz se compreende o dado biológico da diferença sexual entre homem e mulher. A formação da identidade se baseia na alteridade e na família a relação perante a mãe e o pai facilita para a criança a elaboração da própria identidade-diferença sexual. O gênero ‘neutro’ ou ‘terceiro gênero’, ao invés, se mostra como uma construção fictícia.”
Documento do Vaticano sobre “gender”: sim ao diálogo sobre estudos, não à ideologia
“Em primeiro lugar, devemos distinguir entre a ideologia gender que é apresentada como científica e que se difunde também nas escolas, das pesquisas sobre o gender. Ao tempo em que não aceitamos a ideologia, reconhecemos pontos de encontro nas pesquisas sobre o gender para crescer na compreensão recíproca. Cito dois exemplos: a igual dignidade entre homem e mulher, após as formas de injusta subordinação que marcaram séculos da nossa história. Há também a educação das crianças e dos jovens a respeitar toda pessoa na sua peculiar e diferente condição – necessidade de cuidados especiais, raça, religião, tendências afetivas – combatendo toda forma de bullying e de injusta discriminação. Outro ponto importante diz respeito aos valores da feminilidade evidenciados na reflexão sobre o gender: muito se tem detido sobre o aspecto físico da sexualidade colocando em segundo plano aspectos culturais que aprofundam a natureza sem, porém, opor-se a ela. Esse aprofundamento do valor da feminilidade é, aliás, bem fundado nos documentos dos últimos Pontífices.”
Em relação aos aspectos mais críticos. Quais são eles?
“As teorias do gender, particularmente as mais radicais, se distanciam do dado natural chegando a uma opção total pela decisão do sujeito emotivo. Desse modo, a identidade sexual e, consequentemente, também a família se tornam ‘líquidas’ e ‘fluidas’, fundadas no desejo do momento, em vez de no dado natural e na verdade do ser. Pretende-se eliminar a diferença sexual, tornando-a irrelevante para o desenvolvimento da pessoa.”
Quais resultados se espera alcançar com este novo texto?
“Propondo o caminho do diálogo fundado em argumentos racionais, respeitamos as posições distantes das nossas e pedimos respeito pelas nossas. Não somos nós que escolhemos os alunos das escolas e das universidades católicas, são as famílias e os estudantes que escolhem essas escolas e esses ateneus, sabendo que são católicos. Não podemos faltar à nossa identidade aderindo a um pensamento único que gostaria de eliminar a diferença sexual reduzindo a um mero dado ligado às circunstâncias culturais e sociais. Devemos evitar os dois extremismos: o do pensamento único e da ideologia que se conduz por slogans, e aquele segundo o qual somente quem partilha a fé católica e pensa como nós deveria vir a nossas escolas. Devemos buscar caminhos de diálogo e responder à emergência educacional sobre esses temas. O documento é uma contribuição nesse sentido.”
André Gonçalves Fernandes
A ausência do pai é a principal causa de retrocesso no bem-estar dos filhos. Também é um fator crucial para se compreender, hoje, a crise atual da instituição da família. A diminuição da função paterna tem consequências sobre a estruturação psíquica dos indivíduos, nas fases de infância e de juventude, e, indiretamente, sobre a sociedade.
A debilitação da imagem masculina, os transtornos de filiação, o acréscimo das condutas ilícitas, a perda de sentido dos limites (toxicomanias, bulimia, anorexia, práticas sexuais heterodoxas e dificuldades de socialização) são alguns dos exemplos mais marcantes e propalados na mídia.
A sociedade atual valora muito mais a figura materna. Indubitavelmente, a mãe é uma fonte de segurança para os filhos, contudo a relação entre mãe e filho necessita da complementação decorrente da função paterna. O pai é aquele que diz não (tanto ao filho como à mãe), é aquele que introduz a negatividade na vida da criança e declara a proibição, a saber, o limite do possível.
A imagem do pai é imprescindível para o desenvolvimento psicológico equilibrado dos filhos. O pai, com efeito, seria uma espécie de mediador entre o filho e a realidade. Permite ao filho tomar iniciativas e aprender a distinguir entre o certo e o errado e, a partir disso, entender as consequências de uma ou outra escolha.
O pai ocupa uma posição de terceiro em relação ao filho, de companheiro da mãe e não uma versão masculina desta. Graças à figura do pai, o bebê aprende a se diferenciar da mãe e, paulatinamente, ao longo de anos, alcançar sua autonomia psíquica. A criança descobre que não faz as regras, mas que elas existem independentemente dele.
Em virtude da relação com o pai, o menino e a menina adquirem psicologicamente também sua identidade sexual. A diferença de sexos encarnada pelo pai traz, por outro lado, um papel de revelação e confirmação da identidade sexuada. Tanto o menino quanto a menina têm, com efeito, a tendência, no início da vida, a mimetizar o sexo da mãe e o pai, na medida em que é reconhecido por esta, vai permitir ao filho situar-se sexualmente.
Porque se impôs em nossa sociedade a idéia de ausência ou pouca importância do pai? Hoje, divulga-se a imagem do pai indigno, incompetente ou pouco afeito às lides domésticas, sustentada pela lei e estereotipada pelos meios de comunicação.
Na maior parte dos programas de televisão, o pai é apresentado como um sujeito incapaz de assumir um posto na relação educativa, de ocupar seu tempo com os adolescentes, quanto mais enfrentar, com maestria, o papel de proclamar as exigências necessárias para a vida em sociedade para os filhos, incluindo a repreensão quando estritamente conveniente.
Muitas mulheres evitam que os homens cumpram seu papel de pai quando, mais ou menos conscientemente, elas tomam conta da situação para não lhes deixar o lugar que lhes corresponde. A mãe, assim, afasta o pai da relação familiar, com o risco de culpá-lo em um processo perverso, no qual confirma seu poder e seu sentimento de onipotência sobre os filhos, o homem e o pai.
Nos dias atuais, as atenções da psicologia e da lei se situam na relação mãe/filho e o pai crê que necessita assumir a condição de uma “segunda mãe” para se fazer aceitar no círculo familiar. Alguns homens, condicionados por este conformismo, chegam a identificar-se como um modelo de pai meio pusilânime, lembrando mais a imagem de um irmão mais velho, conivente com as estripulias éticas do caçula, ou de um tio que só aparece no aniversário com um presente bem caro para “compensar” a ausência sentida pelo sobrinho.
A falta do pai se explica também pela confusão entre procriação e maternidade, gerada pelo fantasma feminino da partenogênese (fecundação sem a contribuição gênica paterna), já que a sociedade acredita na ideia de que a mulher pode, sem grandes percalços, educar um filho sem um pai. O desenvolvimento dos métodos contraceptivos e a trivialização do aborto contribuem, consideravelmente, para sustentar a ilusão de que a mulher domina sozinha a procriação. Tanto que o chavão feminista sustenta: “Meu corpo me pertence”. Afirmar tal slogan é subentender que “a procriação me pertence”, assertiva bastante discutível. Se a maternidade é algo exclusivo da mulher, a procriação é compartilhada pelo homem e pela mulher: não é competência exclusiva desta.
Os pais devem sentir-se sócios das mães num empreendimento conjunto. A liderança moral que devem exercer na família não pode ser substituída pela erosão conceitual, provocada, sobretudo, pelo feminismo exacerbado. Devem ser exemplo vivo de caráter e de consciência. O respeito filial daí decorrente neutralizará a influência negativa dos colegas na adolescência e será o ponto de apoio firme nos anos de maturidade.