Na oitava da solenidade de São José, a liturgia da Igreja põe-nos diante dos olhos o mistério da Encarnação do Verbo de Deus, com a solenidade da Anunciação. E tudo isso em plena Quaresma. É como se nossos pés se detivessem às portas de Jerusalém… e voltássemos a Nazaré, à infância do Salvador, ao Natal.

Nestas linhas, porém, queremos meditar antes sobre um dado da natureza humana. É que a figura de São José, ao lado de Maria e de Jesus — das quais temos abundantes exemplos na arte sacra — vem nos recordar, especialmente a essa nossa época louca e revolucionária, que as famílias precisam de pais, de figuras masculinas (homens!) que as conduzam e liderem; vem nos lembrar que o patriarcado (não obstante a distorção moderna sofrida pelo termo) é uma coisa boa e deve ser conservado.

Muitos argumentos poderiam ser empregados aqui para confirmar essa verdade, argumentos extraídos da simples observação da natureza humana, vindos da psicologia, da antropologia e de outras ciências. Mas, a princípio, às pessoas da Igreja, lembremos tão somente que Deus, querendo vir à terra, confiou-se à responsabilidade de um patriarca; e ainda Ele, moldando a criatura mais perfeita que jamais existiu — a Virgem Maria —, confiou-a igualmente a um homem. Os dois maiores dons com que a humanidade seria agraciada, portanto, sob a tutela de um varão, e a ele submissos. Eis a nobilíssima missão de São José. Eis a verdade que o mundo moderno, se não faz questão de negar, faz o possível ao menos para calar, ignorar ou deixar que morra no esquecimento.

De fato, a releitura que muitos em nossa época, sem fé, tentam fazer da Encarnação é que Jesus teria sido fruto de uma “produção independente”. Numa tentativa patética talvez de justificar a desestruturação por que passam hoje as famílias, a imagem que se vende muitas vezes de Maria Santíssima é a de uma “mãe solteira”, desamparada, que dá à luz um filho nos escombros de uma pobre gruta e sem assistência humana quase nenhuma — São José sempre à parte, sempre coadjuvante, sempre deixado de lado.

À parte os elementos de verdade contidos nessa narrativa — pois é fato que o Filho de Deus quis descer à terra e, na falta de hospedagem, abrigar-se na simplicidade de uma estrebaria —, está muito longe da verdade insinuar que tenha sido nulo ou desprezível o papel de São José no mistério da Encarnação. Vale lembrar que um anjo visitou-lhe em sonho, instruindo-o sobre o que deveria fazer em relação à mulher e ao Menino e, além disso, nas palavras de São Beda, o Venerável, sua escolha foi providencial ad famam Mariae conservandam, isto é, “para salvaguardar a reputação de Maria” [1]. Sim, porque embora os esponsais de Maria e José deixassem como que “velada” a concepção virginal de Cristo, explica Santo Ambrósio, “o Senhor preferiu que alguns duvidassem da sua origem antes que do pudor de sua Mãe” [2]. Em suma, como escreve o Padre Federico Suárez:

Para um cristão que acredita em Cristo, que crê que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o fato de Deus ter escolhido José para esposo da Virgem Maria e pai legal de Jesus é motivo suficiente para pensar que, apesar de tudo, talvez não tenha sido um homem tão vulgar e comum, uma vez que o próprio Deus o escolheu — mais ainda, o criou — para desempenhar uma das missões mais difíceis e de maior responsabilidade jamais confiada a um homem [3].

O fato de ter sido um homem a zelar pela Sagrada Família, no entanto, de ter sido um homem a conduzi-la de Nazaré a Belém, e dali ao Egito, e dali de volta a Nazaré… não é mais tão óbvio quanto noutras épocas. Existe até mesmo a tentação, por parte de alguns, de relegar o papel masculino na família e na sociedade a uma mera “construção social”, tão passível de transformação quanto um hábito ou qualquer moda do momento.

Mas, não estivéssemos cegados por mentiras como a ideologia de gênero, nós seríamos capazes de ver inscrita na natureza uma ordem e uma harmonia irretocáveis: homem e mulher foram colocados desde o princípio para reinar no mundo criado, um com a cabeça e outra com o coração, um com a razão e outra com os sentimentos, um com a força física que desafia e outra com a força emocional que consola, complementaridade indispensável para a formação integral do ser humano.

É por isso que, antes de falar propriamente das virtudes de São José, importa falarmos primeiro de sua virilidade e de seu papel como pai e esposo; importa falarmos simplesmente de sua presença, já que nossa sociedade experimenta cada vez mais a ausência dos homens, justamente nos postos que mais exigiriam sua atuação…

Sim, porque não adianta rebelar-se contra a ordem natural das coisas e pedir, seja dentro de um movimento social institucionalizado, seja através de gestos e palavras no dia-a-dia, a extinção do patriarcado ou a abolição da masculinidade. “A presença de estruturas mundanas de dominação bruta e egoística deveria não manchar, mas sim acentuar fortemente a honra e o esplendor de um patriarcado cristão caracterizado pelo serviço amoroso e pela liderança sacrificial” [4].

Dizendo de outro modo, não é porque há homens que bebem, batem em suas esposas e não educam os seus filhos que se deve pedir o fim da família e da união entre homem e mulher. O marxismo viu na chamada “família burguesa” uma estrutura essencial de dominação, mas só o fez porque olhou para a família a partir de seus vícios e de sua degradação, ao invés de olhar para o projeto original do Criador e para as famílias que o colocaram em prática.

Da parte dos homens, cabe, é claro, tomar o cuidado de não repetir os mesmos erros pelos quais caíram e fracassaram, principalmente em suas casas, tantos de nossos pais. Se sobram no mundo (e à nossa volta, bem próximos de nós) homens adúlteros, beberrões, covardes, violentos, ladrões e moles, sejamos nós o contrário de tudo isso e lutemos com afinco para ser puros (não só no corpo, mas principalmente de coração), sóbrios, corajosos, pacíficos, honestos e fortes. Essa é a melhor forma (se não a única) de lutar contra a ideologia feminista que propugna pela “liberação” e o “empoderamento” da mulher e pelo fim da autoridade paterna. De nada adianta, de fato, vencer-lhes os argumentos, se continuamos a reforçar, com nossos atos, exatamente as razões pelas quais elas odeiam o patriarcado — e que no fundo não constituem o patriarcado cristão, mas justamente a sua corrupção.

“Corrompeu-se o patriarcado, então?”, alguém poderá indagar. “E quando foi que ele existiu, por assim dizer, em sua forma pura?”

A resposta a essa pergunta infelizmente não é das mais animadoras, pois, mesmo nos tempos em que o cristianismo era o “fermento” da sociedade, o sexo masculino como um todo sempre teve grande dificuldade em observar a palavra de Cristo que diz: “Todo aquele que rejeita sua mulher e desposa uma outra, comete adultério” (Mt19, 9). “É um triste fato”, nesse sentido, “que nos antigos centros da cristandade, e notavelmente em países de predominância católica, ter uma amante fosse, e ainda seja, um estilo de vida aceito” [5]. De fato, essa fidelidade de que fala o Evangelho sempre foi uma virtude de poucos homens, de modo que não é exagero algum afirmar que, historicamente falando, “nunca antes houve um patriarcado cristão culturalmente estabelecido” [6].

Nosso parâmetro, no entanto, não é esta ou aquela época da história; nós não nos devemos guiar pela “média” do que foram os homens de outros tempos e de outros lugares. (Do contrário, seríamos apenas “medianos”, ou pior: medíocres.) Nossa medida deve ser, sempre, os poucos corações que seguiram o Evangelho de Cristo, os poucos homens que foram patriarcas no verdadeiro sentido da palavra, pois é de Deus que provém toda paternidade no céu e na terra (cf. Ef 3, 15). Nosso modelo de patriarcado não é o coração impuro de Adão, mas o Sagrado Coração de Jesus, novo Adão; não é o coração decaído de nosso primeiro pai, mas sim o coração puríssimo do Patriarca da Sagrada Família, São José. Eis os homens que devemos imitar, eis o tipo de coração a que devemos elevar os nossos.

Para começarmos essa ascensão, porém, para implantarmos em nossa época um patriarcado realmente cristão, comecemos do básico. É evidente que abandonar a “gandaia” não é tudo. Um homem que não trai a sua esposa, que não gasta as suas horas no boteco, que não espanca sua companheira e que tampouco dilapida o patrimônio da família não está fazendo, no fundo, mais do que a sua obrigação. Mas ninguém deve subestimar a importância de falar sobre essas coisas, pois são esses pecados grosseiros que aprisionam a maior parte da humanidade — e, custa-nos dizer, maior parte das pessoas que vão à igreja também.

Noutras palavras, para que os seres humanos vivam plenamente o amor, é preciso que eles passem pela experiência da “primeira liberdade”, como diz Santo Agostinho:

A primeira liberdade consiste em estar isento de crimes […] como são o homicídio, o adultério, a fornicação, o furto, a fraude, o sacrilégio e assim por diante. Quando alguém começa a não ter estes crimes (e nenhum cristão os deve ter), começa a levantar a cabeça para a liberdade, mas isto é apenas o início da liberdade, não a liberdade perfeita [7].

Se queremos resgatar a masculinidade, portanto, comecemos com o básico: deixando a vida de pecados mortais. Ninguém se iluda com uma “restauração do patriarcado” que prescinda de conversão, que prescinda de uma vida interior, que prescinda de uma mudança de mentalidade e de uma vida cristã seriamente vivida. Ninguém pode vencer a sua natureza decaída contando com as próprias forças. Ninguém pode viver o dom de uma paternidade autêntica se não for, primeiro, obediente ao nosso Pai dos céus.

Foi esse o grande segredo de São José. E é também esse o caminho para sermos patriarcas como ele foi.

Fonte Original do artigo AQUI

Referências

  1. Citado em Suma Teológica, III, q. 28, a. 1, ad 1.
  2. Id., III, q. 29, a. 1, ad 2.
  3. José, Esposo de Maria, Lisboa: Rei dos Livros/Prumo, 1986, p. 15.
  4. G. C. Dilsaver, The Three Marks of Manhood: How to Be Priest, Prophet and King of Your Family, Charlotte: TAN Books, 2012, viii.
  5. Ibid., p. 100.
  6. Ibid., p. 101.
  7. In Iohannis Evangelium Tractatus, 41, 9-10: CCL 36, 363, citado por S. João Paulo II em Veritatis Splendor, 6 ago. 1993, n. 13, nota 23.