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O Assunto: O Cardeal Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI, quando Prefeito da S. Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu uma exposição sobre a Teologia da Libertação em sua forma extremada, em 18/03/84; partindo das respectivas premissas e realçando os conceitos característicos do sistema, o autor mostra que a Teologia da Libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da América Latina, mas revolve todos as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da igreja, liturgia, catequese, opções morais, etc. É de crer que “a gravidade da Teologia da Libertação não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente”; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente “o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. É importante que o público esteja consciente de que a Teologia da Libertação não é a extensão das promessas do Cristianismo aos problemas morais suscitados pelas condições socioeconômicas da América Latina, mas é uma nova versão do racionalismo de Rudolf Bultmann e do marxismo, que utiliza a linguagem dogmática e ascética do patrimônio antigo da fé e se reveste de aspectos de mística cristã. O Cardeal Joseph Ratzinger fez uma explanação do que é a Teologia da Libertação. Tal documento é de notável importância, pois deriva de um sábio teólogo encarregado, em Roma, precisamente da Congregação que acompanha a fé e os desvios da fé em nossos dias.

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Introdução

Para esclarecer a minha tarefa e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações preliminares:

1) A teologia da libertação é fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma correta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellin e Puebla.

Neste nosso texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto, posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.

2) Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar, isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?

3) A teologia da libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:

  1. a) Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua totalidade. Por isto mesmo muda todas as formas da vida eclesial: a constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;
  1. b) A teologia da libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino-americano. Não se pode pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também norte-americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas Filipinas, em Taiwan, na África – embora nesta última esteja em primeiro plano a busca de uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da libertação;
  1. c) A teologia da libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se apresentar com a pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem perder a sua importância,
  1. O Conceito de Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese

Essas observações preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta, porém, a questão principal: o que é propriamente a teologia da libertação? Em uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política.

“Nada resta fora do empenho político. Tudo existe com uma colocação política” (Gutierrez). Uma teologia que não seja “prática (o que significa dizer “essencialmente política”) é considerada “idealista” e condenada como irreal ou como veículo de conservação dos opressores no poder. Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas, mas que, unidos a tanta religiosidade, não poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade da teologia da libertação faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente. A sua colocação, já de partida, situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de discussão. Por isto tentarei abordar a orientação fundamental da teologia da libertação em duas etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que permitem conhecer algo da estrutura da teologia da libertação. Como se chegou a esta orientação completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na teologia da libertação? Vejo principalmente três fatores que a tornaram possível.

1) Após o Concílio, produziu-se uma situação teológica nova:

  1. a) Surgiu a opinião de que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por conseguinte, se deviam procurar, a partir da Escritura e dos sinais dos tempos, orientações teológicas e espirituais totalmente novas;
  1. b) A idéia de abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se frequentemente em uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um novo evangelho, sem querer reconhecer os seus limites e problemas próprios. A psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais contestáveis no pensamento cristão;
  1. c) A crítica da tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente a de Bultmann e da sua escola, tornou-se uma instância teológica inamovível que barrou a estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando, assim, também novas construções.

2) A situação teológica assim transformada coincidiu com uma situação da história espiritual também ela modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial, fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concílio, produziu-se no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta. Nesta situação, as diferentes formas do neomarxismo transformaram-se em um impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as acentuações religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de Adorno, Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.

3) O desafio moral da pobreza e da opressão não podia mais ser ignorado, no momento em que a Europa e a América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este desafio exigia evidentemente novas respostas, que não se podiam encontrar na tradição existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada convidava expressamente a buscar a resposta em um cristianismo que se deixasse regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das filosofias marxistas.

  1. A Estrutura Gnoseológica Fundamental da Teologia da Libertação

Esta resposta se apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da libertação, teologia da evolução, teologia política etc. Não pode, pois, ser apresentada globalmente. Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem continuamente nas diferentes variações e exprimem intenções comuns de fundo.

Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma observação acerca dos elementos estruturais da teologia da libertação. Para tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada após o Concílio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola como um enunciado da “ciência” sobre Jesus, ciência que devia obviamente ser considerada como válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto, apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben, fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento, permanecendo, porém, encerrado no mundo do judaísmo. O resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como instância suprema; deste modo, por um lado, a Tradição pairava como algo de irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido, na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo tempo, desautorizava-se o Magistério da Igreja, na medida em que o consideravam preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados somente como definições frustadas de uma posição cientificamente superada.

Além disso, Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda palavra-chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica, conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão a ideia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através de uma mera interpretação histórica; mas toda interpretação histórica inclui certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo a terminologia clássica, se trata de uma “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele tempo”] e o “hoje”. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então (“naquele tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais interesse algum; neste sentido, Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas permaneceu a separação entre a figura de Jesus da Tradição clássica e a idéia de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma nova hermenêutica.

Neste ponto, surge o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico dos anos sessenta. A análise marxista da história e da sociedade foi considerada, nesse ínterim, como a única dotada de caráter “científico”; isto significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso, que toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de partida para a confusão entre a imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado com a ideia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo como hermenêutica legítima para a compreensão da Bíblia. Ora, segundo essa compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; por isso, contradizer essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe dominante para conservar o próprio poder. Gutierrez afirma: “A luta de classes é um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente impossível”. A partir daí, torna-se impossível até a intervenção do Magistério eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do Cristianismo, demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na dialética da história, aliar-se-ia à parte negativa.

Essa decisão, aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível, determina por si o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quanto às instâncias interpretativas, seja quanto aos conteúdos interpretados. No que diz respeito às instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade, experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na sua totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei) e a hierarquia (Magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje tal instância passou a ser a “comunidade”. A vivência e as experiências da comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De novo, pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto a interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta ideia, podemos encontrá-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se transformou a acentuação conciliar da idéia de “povo de Deus” em mito marxista. As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se, assim, um conceito oposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão.

Afinal, é “povo” quem participa da “luta de classes”; a “igreja popular” acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se instância hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da salvação, e, portanto, de maneira antimetafísica, permite a fusão do horizonte bíblico com a idéia marxista da história que procede dialeticamente como autêntica portadora de salvação; a história é a autêntica revelação e, portanto, a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialética é apoiada, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última, no Magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim contradiz a “história”. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o seu papel absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a função de Deus.

III. Conceitos Fundamentais da Teologia da Libertação

Com isto, chegamos aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo. Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematizá-los. Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com relação à fé, por exemplo, J. Sobrino afirma: a experiência que Jesus tem de Deus é radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em fidelidade”. Por isso Sobrino substitui fundamentalmente a fé pela “fidelidade à história” (fidelidad a la historia, 143-144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o mistério da vida do homem… é realmente o último… (144). Aqui se produz aquela fusão entre Deus e história que dá a Sobrino a possibilidade de conservar para Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado; pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à análise dessa teologia. Ignacio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto, afirma: Sobrino “diz de novo… que Jesus é Deus, acrescentando, porém, imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que se revela historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo…”.

A esperança é interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo futuro; com isso ela é subordinada novamente ao predomínio da história das classes. “Amor” consiste na “opção pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os teólogos da libertação sublinham com força, diante do “falso universalismo”, a parcialidade e o caráter partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a interpretação da escolha partidária no sentido da luta de classes é um salto “eis allo genos” (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrárias se apresentam como idênticas.

O conceito fundamental da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido, porém, no contexto da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrino, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatogicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma idéia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural, de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento desses dualismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se realize nesta história e em sua realidade político-econômica. Mas justamente dessa forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o verdadeiro dualismo.

Neste contexto, gostaria de mencionar também a interpretação, impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrino dá da morte e da ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre a história é exercitado ao se repetir o gesto de Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de Deus, e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneira quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se desenvolveu e se desenvolve ainda.

Gostaria de citar apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez, é compreendida, no contexto da história e da luta de classes, como processo de libertação que avança. Por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a verdade não deve ser compreendida em sentido metafísico; trata-se de “idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis. A ação é a verdade. Por conseguinte, também as ideias que se usam para a ação, em última instância são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se, assim, a única e verdadeira ortodoxia. Desta forma, justifica-se um enorme afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação tradicional, que aparece como não científica. Com relação à tradição, atribui-se importância ao máximo rigor científico na linha de Bultmann. Mas os conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história, experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto de tal hermenêutica comunitária.

Quando se tenta fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender as opções fundamentais da teologia da libertação, não pode negar que o conjunto contém uma lógica quase incontestável. Com as premissas da crítica bíblica e da hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo imediato a tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento de transformação concreta do mundo, o que pareceria uní-lo a todas as forças progressistas da nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos, especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo. Subtrair-se a ela deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade, como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela [até aqui Joseph Ratzinger].

À guisa de comentário[1], parece oportuno salientar os seguintes pontos:

1) A Teologia da Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades da fé, a constituição da Igreja, a liturgia, a catequética e as opções morais.

2) Todos os valores e toda a realidade são consideradas do ponto de vista político. Uma teologia que não seja essencialmente política é encarada como fator de conservação dos opressores no poder.

3) A dificuldade de se perceber esse caráter subversivo da Teologia da Libertação está, em grande parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações religiosas que não podem ser perigosas.

4) A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente.

5) O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a Doutrina Social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes [Até aqui o texto transcrito de F. Aquino. Teologia da libertação, p. 9-22].

Refletindo[2]

Penso que uma das maiores provas do erro da “teologia” da libertação é que ela, que tanto enaltece a “práxis”, na verdade defende algo que é impossível na prática, ou seja, um “paraíso na terra” onde todos seriam felizes, caso os “pobres” efetivamente tivessem o poder nas mãos. Tal concepção não leva em conta o fato de que os homens são pecadores, e que a pobreza material ou a condição de “oprimidos” não os torna santos nem desapegados – e, portanto, não os torna capazes de renunciar ao proveito pessoal em função de um proveito comunitário onde tudo seria de todos. A história comprova a impossibilidade de realizar tal ideal na prática.

O “pobre” que se vê no poder passa a agir da mesma forma que aqueles a quem, antes, censurava – e, geralmente, age até de forma mais tirana e cruel. Uma verdadeira atitude de caridade e desapego só existe nos santos, capazes de renunciar totalmente à própria vontade e ao próprio interesse em função, precisamente, de uminteresse sobrenatural (a pérola preciosa do Evangelho), que é Deus e a vida eterna em união com Deus. Ninguém renuncia aos bens mundanos quando justamente estes são exaltados e valorizados, mas somente quando valoriza e prioriza outra coisa diferente deles.

A teologia da libertação, ao menosprezar a primazia da vida eterna e o conceito transcendente de Deus, só faz dificultar – se não tornar impossível – um desapego e solidariedade autênticos. Qualquer iniciativa em defesa dos direitos humanos que precise ser defendida em detrimento dos valores sobrenaturais, como se estes fossem prejudiciais ao homem, não tem por fonte um verdadeiro amor ao homem.

Para aprofundamento:

AQUINO, Felipe. Teologia da libertação. 2ª ed. Lorena: Cléofas, 2003.

BETTENCOURT, Pe. Estêvão Tavares. Curso de Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1992, p. 197-204 (há ainda o livrete do mesmo autor com o título Teologia da libertação).

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis nuntius (1984) e Instrução Libertatis conscientia (1986). Disponível, respectivamente, em:

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19840806_theology-liberation_po.html

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19860322_freedom-liberation_po.html

RANGEL, Paschoal. Teologia da libertação: juízo crítico e busca de caminhos. 2ª ed. Belo Horizonte: O Lutador, 1989 (um dos mais bem documentados estudos brasileiros sobre o assunto

 

[1] Comentários de D. Estêvão Bettencourt, OSB (Nota de Refletindo).

[2] Reflexão de Margarida Hulshof, revisora de Refletindo.

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Após certa controvérsia gerada por meios que qualificaram erroneamente o breve encontro entre Francisco e o teólogo da libertação, Frei Betto, como “audiência privada”, o Vaticano afirmou que o Papa e o controvertido dominicano brasileiro jamais tiveram um diálogo. Frei Betto simplesmente esteve presente no beija-mão, um ato que o Papa realiza com dezenas de sacerdotes e leigos ao final das audiências gerais das quartas-feiras.

O L’Osservatore Romano, publicou uma nota traduzida ao português no dia 14 de abril afirmando: “Ao contrário do publicado ontem, 10 de abril, por alguns meios de comunicação, não houve audiência em Santa Marta do Papa Francisco com Frei Betto mas, como de costume, no final da audiência de quarta-feira com os fiéis, apenas um breve encontro no adro da Praça de São Pedro, durante o qual o Pontífice se limitou a escutá-lo e saudá-lo.”

Por sua parte, o Padre Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé também ofereceu eswclarecimento aos fatos indicando que o Papa não recebeu Frei Betto, houve apenas “uma saudação de passagem, como parte do chamado ‘beija-mão’ ao final da audiência geral”. 

Afirmou-se ainda que Frei Betto conversou com o Papa sobre a reabilitação do pensamento de Giordano Bruno, considerado herege pela Igreja

O Papa, disse Lombardi, “parou por um momento, ouviu e terminou, como costuma fazer, convidando a rezar”, e “não tinha a intenção de entrar no mérito de Giordano Bruno”.

O breve encontro entre os dois “não deve ser transformado em algo que não é”, afirmou o Porta-voz.

igreja-do-carmo

A Arquidiocese de Belo Horizonte e a Ordem do Carmo divulgaram neste 28 de janeiro um comunicado oficial lamentando e condenando os incidentes ocorridos no domingo passado, 26 de janeiro, na Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, na Zona Sul da cidade, quando um grupo de pessoas impediu de forma agressiva a celebração de uma Missa.
 
Segundo os manifestantes, a confusão foi provocada para evitar a suposta ‘remoção’ do religioso carmelita Cláudio Van Balen. A celebração, que iria ser presidida pelo pároco da Igreja, Frei Evaldo Xavier Gomes, em ação de graças por sua recente eleição como prior da Província Carmelitana de Santo Elias ocorreria às 11:00 da manhã, horário em que normalmente celebra o frade holandês.

Há muitos anos em sua ação pastoral e em diversas interversões públicas Frei Van Balen tem defendido o aborto, o casamento homossexual, o fim do celibato sacerdotal, a mudança radical da estrutura hierárquica da Igreja, assim como o divórcio, a homossexualidade e apresentou uma constante aproximação ideológica de cunho marxista, condenada há anos pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, às lutas e protestos populares.
 
Outro exemplo de sua heterodoxia, o religioso holandês, querido por tantos pelas suas posturas liberais, modifica os textos da Sagrada Escritura e a própria estrutura litúrgica dos sacramentos, além de dar a comunhão a divorciados em segunda união ou pessoas publicamente em situações irregulares. Para seus seguidores, estas atitudes mostram a abertura ao mundo moderno que a Igreja toda deveria ter.
 
Para afastar ainda mais a alegação de que o Pe. Van Balen estava sendo removido ou condenado, o próprio estava convidado a participar como concelebrante, mas rejeitou, e segundo seus seguidores, divulgou por e-mail que seus superiores tinham decidido sua remoção da paróquia para envia-lo a Lagoa Santa, município da Zona Metropolitana de Belo Horizonte.
 
O comunicado conjunto dos Carmelitas e da Arquidiocese de BH afirma que os incidentes ocorridos configuram “desacato à Igreja de Belo Horizonte e ao novo provincial carmelita” e informa que “diante dos acontecimentos, define-se pela suspensão por tempo indeterminado da Missa celebrada aos domingos, às 11h, na igreja Nossa Senhora do Carmo”.
 
Sacerdote e assessor canônico e jurídico da CNBB, frei Evaldo Xavier, foi eleito prior provincial da Província Carmelitana de Santo Elias durante o capítulo provincial, no dia 22 de janeiro, em Belo Horizonte (MG).
 
A reação imediata da Arquidiocese e da Ordem foi gerada pela intensa agressividade com que uma centena de manifestantes impediram, aos gritos de “esta Igreja é de Frei Claudio”, a celebração no templo. Houve gritos, xingamentos, palavrões, bate-boca, invasão do presbitério, e tentativas de bater nos fies que queriam participar da missa, incluindo um grupo de crianças.
 
As tentativas de iniciar a celebração foram frustradas pela ação dos manifestantes que tomaram o presbitério e batiam no altar. O pároco, Frei Evaldo, começou a rezar o terço de joelhos diante da imagem de Nossa Senhora do Carmo junto com os fiéis, mas os seguidores de Frei Claudio tentaram impedir também o ato de oração multiplicando as vaias, gritando palavrões e batendo com força inúmeras vezes com as mãos no altar.

Até mesmo Polícia Militar tentou intervir, mas o pároco pediu sua retirada,  pois a situação poderia piorar.
 
A suposta saída de Frei Claudio da paróquia, caso venha a ser confirmada pelas autoridades competentes, longe de ser uma anomalia constitui um prática comum na Igreja e a transferência ou remoção de clérigos esta prescrita no Código de Direito Canônico, nos cânones 190 a 196. Além de se tratar de um religioso que fez votos de obediência.
 
Por sua parte, Frei Evaldo Xavier afirmou que em toda sua vida sacerdotal jamais presenciou uma atitude tão agressiva e sectária como esta, que quebra a comunhão que deve reinar na Igreja.
 
Depois de impedir a celebração eucarística, o grupo de inconformados ainda discutiu dentro da igreja quais seriam as próximas atitudes a serem tomadas quanto aos protestos e cogitam até em pressionar o Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, para deixar o frade na Igreja que, segundo eles ‘é dele e de ninguém mais’.
 
Diante da lamentável situação, fiéis da arquidiocese mineira criaram uma fanpage para solidarizar-se com as medidas tomadas pela Arquidiocese de Belo Horizonte e a Ordem do Carmo. O endereço éwww.facebook.com/euapoiofreievaldo.
 
Leia a seguir, na íntegra, o comunicado da Arquidiocese e da Ordem Carmelita:
 
Comunicado – Paróquia Nossa Senhora do Carmo
 
A Arquidiocese de Belo Horizonte e a Província Carmelitana de Santo Elias – responsável pela Paróquia Nossa Senhora do Carmo, no Sion – lamentam os incidentes ocorridos no último domingo, que gravemente prejudicaram a Celebração da Santa Missa às 11h, configurando desacato à Igreja de Belo Horizonte e ao novo provincial carmelita.
 
Diante dos acontecimentos, define-se pela suspensão por tempo indeterminado da Missa celebrada aos domingos, às 11h, na igreja Nossa Senhora do Carmo.
 
As igrejas devem ser sempre local de paz e fraternidade, de respeito e de fé, ambiente que favorece o encontro com Deus.

Veja reportagem de uma rede de TV local sobre o lamentável fato.

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O então Cardeal Jorge Mario Bergoglio celebra uma Missa durante a V Conferência em Aparecida .Foto:YouTube

O Arcebispo de Taranto (Itália) que serviu como sacerdote e Bispo no Brasil durante mais de 25 anos, Dom Filippo Santoro, recordou em um artigo publicado no jornal da Conferência Episcopal Italiana “Avvenire” o papel desempenhado pelo então Cardeal Jorge Mario Bergoglio –hoje Papa Francisco– quando derrotou os postulados marxistas da teologia da libertação na Conferência do Episcopado Latino-americano em Aparecida no ano de 2007.

Dom Filippo, antes de ser nomeado Arcebispo de Taranto por Bento XVI  em 2011, foi Bispo de Petrópolis, cidade no interior do Estado do Rio de Janeiro, e antes disso Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro no Brasil, país ao que chegou como sacerdote em 1984.

No seu artigo titulado “A libertação que vem do Evangelho”, o Prelado italiano assinalou que “o presidente da comissão para a redação do documento final de Aparecida era o Arcebispo de Buenos Aires, o Cardeal Bergoglio. Com um estilo sapiencial, afirma na introdução do documento de Aparecida: ‘O que nos define não são as circunstâncias dramáticas da vida, nem os desafios da sociedade ou as tarefas que devem empreender, mas acima de tudo o amor recebido do Pai graças a Jesus Cristo pela unção do Espírito Santo’”.

Dom Santoro assegurou que a ambiguidade no discurso da teologia da libertação “está superada na conferência de Aparecida, tanto na estrutura geral do documento, como na presença viva da fé em cada momento de seu desenvolvimento; desde olhar a dura realidade até o julgamento sobre ela e a praxe conseguinte”.

“Trata-se, entretanto, de uma ambiguidade que continua presente, porque o Papa Francisco, em sua recente viagem ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, no encontro com a presidência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano)” apresentou “algumas tentações contra o discipulado missionário, falava da ‘ideologização da mensagem evangélica’”.

Nesse encontro, o Papa advertiu aos Bispos latino-americanos contra a tentação do “reducionismo socializante”, o qual disse “é a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa em base a uma hermenêutica segundo as ciências sociais. Abrange os campos mais variados, do liberalismo de mercado até a categorização marxista”.

Dom Filippo recordou que algumas pessoas criticaram o documento final de Aparecida por começar com um hino de louvor a Deus, o que tinha sido expressamente desejado pelo Cardeal Bergoglio.

O Arcebispo italiano assinalou que ao ordenar-se assim, “o esquema do documento valoriza a tradição da teologia e da pastoral latino-americana, mas, ao mesmo tempo, ressalta a perspectiva da fé”.

“Esta, claramente, não estava ausente, mas em certos desenvolvimentos se dava por descontada, ao ter que preocupar-se, sobretudo pela gravidade de uma situação social cheia de conflitos e, sobretudo pelo ‘clamor dos pobres’”, indicou.

Em 24 de julho deste ano, no marco da JMJ do Rio, o Papa Francisco visitou o Santuário Nacional de Aparecida no estado de São Paulo. Ali, ante 200 mil almas, o Santo Padre pronunciou um discurso no qual recordou quão importante é para ele este santuário dedicado à Padroeira do Brasil. Ao despedir-se da multidão, o Santo Padre prometeu voltar em 2017, quando se comemora os 300 anos do encontro da Virgem e 10 anos da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e o Caribe.

Fonte: ACI

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Entrevista concedida pelo substituto da Secretaria de Estado, Dom Giovanni Angelo Becciu, a Gian Guido Vecchi – “Corriere della Sera” de 23 de setembro de 2013.

Dom Angelo Becciu.

Um discurso muito duro, excelência, não?

“É, sim. Estes eram discursos que talvez fossem mais aceitos, mais acolhidos, em 1968. Agora, pelo contrário…”. Sorri o arcebispo Angelo Becciu, substituto e, portanto, “o número dois” da Secretaria de Estado.  No séquito de Francisco percebe-se a coragem de um Papa que nada contra a corrente.

“Alguém gritou ao Santo Padre: és único, és único! Foi clara a tua crítica a um Sistema econômico e financeiro no qual prevalece o ídolo do dinheiro e se está disposto a tudo, a sacrificar os direitos fundamentais, por causa do lucro”.

O Papa que chega do Sul do mundo é sensível às injustiças…

“É claro. Ele nunca adotou a teologia da libertação, entendida no sentido ideológico, foi severo com quem quis transformar a Igreja numa ONG. Isto, porém, lhe dá mais autoridade ainda para gritar contra as injustiças do capitalismo selvagem”.

Uma herança da “teologia popular” argentina?

“A verdadeira teologia da libertação é aquela que também a Igreja adotou e aprovou: a teologia que coloca Deus em primeiro lugar e procura defender os pobres, fazendo disso expressão da solidariedade e do empenho dos católicos”.

Tem quem acuse: é pauperismo.

“O discurso dele é cristológico: a salvação total diante de Jesus. Quem tem, deve compartilhar e investir: o empreendedorismo inteligente que age da forma adequada. Falar de pauperismo empobrece o discurso. É a doutrina social da Igreja: o dinheiro não pode ser a finalidade”.

Com as nomeações da Cúria, os diplomatas voltam à primeira linha…

“Egoísticamente, me conforta… Também na Igreja, houve uma onda contra os núncios… O Papa escolheu pessoas e considerou a sua preparação; é um modo de fazer a Igreja dar um respiro internacional, como indicou o Concílio”

Fonte: Fratres in Unum

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Em umas breves palavras durante o encontro com os sacerdotes da diocese de Roma (Itália), cidade da que é Bispo, o Papa Francisco confirmou pessoalmente que não apoia a teologia da libertação na versão que representa o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez.

O vaticanista Sandro Magister, no seu blog em italiano Settimo Céu, explica que o Santo Padre se distanciou de Dom Müller em uma breve, mas contundente observação feita durante o momento de perguntas e respostas.

“O encontro era a portas fechadas”, relata Magister e descreve como “sério e agudo”, o comentário do Papa Francisco sobre a teologia da libertação, que passou despercebido à imprensa, incluindo meios do Vaticano.

“Na formulação de uma das cinco perguntas expostas ao Papa e ao falar da centralidade dos pobres na pastoral, um sacerdote fez referência, em positivo, à teologia da libertação e à posição compreensiva ante esta teologia, do Arcebispo Gerhard Müller”, relata Magister.

Mas, “ao escutar o nome do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa Francisco nem esperou terminar a pergunta e disse: ‘isto quem pensa é Müller, isto é o que ele pensa’”, narra o Vaticanista italiano.

A afirmação do Santo Padre ganha mais importância logo depois de ter recebido, na quinta-feira passada, em audiência o sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez, considerado um dos pais da teologia da libertação, um encontro realizado a pedido do Arcebispo Müller.

Sobre o Padre Gutiérrez, no sábado, 14 de setembro o Arcebispo de Lima e Primado do Peru, Cardeal Juan Luis Cipriani Thorne, assinalou que ainda tem colocações que deve retificar.

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Embora o encontro não estivesse na lista oficial de audiências privadas do Papa Francisco, o Vaticano confirmou que a pedido do Arcebispo Gerhard Muller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa Francisco recebeu na quinta-feira o Padre Gustavo Gutiérrez, o teólogo peruano considerado como um dos pais da controvertida teologia da libertação.

A amizade pessoal do Arcebispo Muller com o teólogo de 85 anos, que entrou para a ordem dos dominicanos a finais dos anos 90 para evitar estar sob a jurisdição do atual Arcebispo de Lima, Cardeal Juan Luis Cipriani, gerou uma série de especulações sobre o suposto apoio “oficial” à teologia da libertação no Vaticano.

As especulações dos vaticanistas se geraram logo depois da difusão pelo jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano (LOR), de um ensaio do Padre Gutiérrez originalmente publicado como parte de um livro escrito com o Arcebispo Muller, publicado em alemão faz 9 anos e traduzido recentemente ao italiano. O sacerdote peruano apresentou em Roma esta edição.

Entretanto, faz alguns meses o sacerdote jesuíta argentino Juan Carlos Scannone, um dos mais conhecidos representantes da teologia da libertação na América Latina, explicou que o Papa Francisco, como sacerdote e arcebispo, nunca apoiou os postulados polêmicos do Padre Gutiérrez.

Em uma extensa entrevista que aparece no livro publicado recentemente “Francis Our Brother Our Friend” (Francisco Nosso Irmão Nosso Amigo” (Ignatius Press, 2013) do diretor do Grupo ACI, Alejandro Bermúdez, o Padre Scannone, que foi um dos professores do Papa Francisco em seu processo de formação, explicou que “na teologia da libertação há distintas correntes, e há uma que é a corrente argentina”.

No texto que dentro de pouco será publicado em sua versão original em espanhol, o Padre Scannone recorda que “o Cardeal Quarracino (antecessor do Cardeal Bergoglio como Arcebispo de Buenos Aires) apresentou ao L’Osservatore Romano o primeiro documento da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a teologia da libertação, e ele distinguiu quatro correntes, citando sem nomear um artigo que eu tinha escrito dois anos antes”.

E há uma corrente argentina, que o mesmo Gustavo Gutiérrez diz que é uma corrente com características próprias da teologia da libertação, que nunca usou categorias do tipo marxista ou a análise marxista da sociedade, mas sem desprezar a análise social privilegia uma análise histórica cultural”, explicou.

O perito jesuíta adicionou que “na teologia argentina da libertação não se usa a análise social marxista, mas se usa preferentemente uma análise histórica-cultural, sem desprezar o sócio-estrutural e sem ter como base a luta de classes como princípio determinante de interpretação da sociedade e da história”.

Segundo Scannone, “a linha argentina da teologia da libertação, que alguns chamam ‘teologia do povo’, ajuda a compreender a pastoral de Bergoglio como bispo; assim como muitas de suas afirmações e ensinamentos”.

Para o Padre Scannone, “há coisas que acredito que marcaram de maneira especial o Cardeal Bergoglio, sobretudo o tema da evangelização da cultura, o tema da piedade popular. Uma coisa muito de Bergoglio é falar do povo fiel. Quando saiu à sacada (de São Pedro, quando foi eleito Papa), o primeiro que fez foi pedir que o povo rezasse por ele para que Deus lhe abençoe, antes de abençoar o povo. Isso é muito dele”.

Scannone adiciona que “este tipo de teologia” sem categorias marxistas, fez parte “do ambiente no qual ele exerceu a sua pastoral. De fato, a problemática da piedade popular e da evangelização da cultura, e enculturação do Evangelho, é chave nesta linha teológica”.

Fonte: ACI

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O vaticanista Sandro Magister advertiu que o livro escrito por Dom Gerhard Ludwig Müller – Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – junto com o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, não pode ser considerado como uma reconciliação entre o magistério da Igreja e a teologia da libertação, pois esta corrente ideológica foi severamente criticada pelo Papa Francisco e seus predecessores.

Em um artigo publicado no Espressonline.it, o vaticanista se referiu ao livro “Do lado dos pobres. Teologia da libertação, a teologia da Igreja”, publicado em 2004 na Alemanha sem suscitar um sentimento especial, mas cuja “reimpressão italiana foi saudada por alguns como uma mudança histórica, como se fosse a assinatura de um tratado de paz entre a Teologia da Libertação e o Magistério da Igreja”.

No texto, Magister recordou que Müller foi aluno e admirador de Gutiérrez, e que a sua nomeação por Bento XVI como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé causou surpresa, tendo em conta que o então Cardeal Joseph Ratzinger, quando era responsável pelo dicastério, publicou em 1984 e 1986 as duas instruções com as que João Paulo II submeteu a Teologia da Libertação a uma crítica muito severa com a certeza de que suas “graves separações ideológicas” traem “a causa dos pobres”.

“Mas evidentemente -indicou Magister- Ratzinger considerava aceitável a leitura que Müller fazia das posições de Gutiérrez, já que não apenas o fez prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, como lhe confiou também o cuidado da edição completa de suas obras teológicas, que em alemão já chegou quase na metade da impressão”.

Entretanto, advertiu o vaticanista, para Dom Müller a teologia da libertação deve contar-se “entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX”, tal como escreve no livro a publicar-se; onde afirma que “somente através da teologia da libertação a teologia católica pôde emancipar-se do dilema dualista do mais aqui e do mais além, da felicidade terrestre e da salvação ultraterrena”.

A posição de Francisco

Em seu artigo, Magister advertiu que “a frase do Papa Francisco: ‘Sonho com uma Igreja pobre e para os pobres’ foi assumida por muitos como a coroação desta absolvição da Teologia da Libertação”, um pouco afastado da realidade.

“O próprio Jorge Mario Bergoglio não ocultou jamais seu desacordo com aspectos essenciais desta teologia. Seus teólogos de referência jamais foram Gutiérrez, nem Leonardo Boff, nem Jon Sobrino, mas o argentino Juan Carlos Scannone, que elaborou uma teologia, não da libertação, mas ‘do povo’, centrada sobre a cultura e a religiosidade das pessoas comuns, em primeiro lugar dos pobres, com sua espiritualidade tradicional e sua sensibilidade pela justiça”, recordou.

Nesse sentido, assinalou que um ano depois da publicação do livro de Gutiérrez e Dom Müller, o então Arcebispo de Buenos Aires expressou que “com a queda do império totalitário do ‘socialismo real’, essas correntes [de pensamento] ficaram esvanecidas no desconcerto, incapazes de um replanejamento e de uma nova criatividade. Sobreviventes por inércia, embora ainda existam hoje aqueles que as proponham anacronicamente”.

“Na avaliação de Clodovis, o irmão de Leonardo Boff -indicou Magister-, o acontecimento que significou o adeus da Igreja Católica latino-americana ao que restava da teologia da libertação foi a Conferência Continental de Aparecida, no ano de 2007, inaugurada por Bento XVI pessoalmente, e com o seu protagonista, o cardeal Bergoglio”.

Clodovis Boff, que passou de expoente da teologia da libertação a um de seus críticos mais incisivos, advertiu em 2008 que “o erro ‘fatal’” desta corrente “é colocar o pobre como ‘primeiro princípio operativo da teologia’, substituindo Deus e Jesus Cristo”.

“A ‘pastoral da libertação’ converte-se em um braço entre tantos da luta política. A Igreja se assimila a uma ONG e assim se vazia também fisicamente, já que perde operadores, militantes e fiéis. Os ‘de fora’ experimentam pouca atração por uma ‘Igreja da libertação’, porque para a militância já contam com diversas ONGs, enquanto que para a experiência religiosa têm a necessidade de muito mais que uma simples libertação social”, indicou Clodovis.

Nesse sentido, Magister acrescentou que “o risco de que a Igreja se reduza a uma ONG é um sinal de alerta que o papa a França lança repetidamente. Seria enganoso se esquecer disso, ao realizar hoje a releitura do livro de Müller e Gutiérrez”.

Fonte:ACI

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                     Imprecisões midiáticas sobre a suposta reabilitação da teologia da libertação

Por Jorge Henrique Mújica

 O surgimento de um livro na Itália, cujo argumento central é a teologia da libertação (Dalla parte dei poveri. La teologia della liberazione), tem dado pé a manchetes equivocadas por parte de certo setor da imprensa que se ocupa de questões eclesiais (por exemplo, La Repubblica e La Stampa).

 Dois fatores contribuem para as tergiversações sobre uma suposta reabilitação ou caminho livre para a teologia da libertação por parte do Vaticano:

1) o nome dos autores (o atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e o sacerdote dominicano e “pai” da teologia da libertação, Gustavo Gutiérrez),

e 2) o destaque dado ao livro no jornal da Santa Sé, L’Osservatore Romano.

Tudo isso no contexto do pontificado de um papa latino-americano, sob o qual, de acordo com a mesma resenha, “a teologia da libertação não podia ficar na sombra durante muito tempo”. A realidade, porém, é diferente.

O livro resenhado foi publicado originalmente em 2004, em alemão, quando o arcebispo Gerhard Ludwin Müller ainda não tinha sido nomeado prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé (a nomeação é de 2 de julho de 2012, oito anos depois da aparição do texto).

O autor da resenha publicada em L’Osservatore Romano o apresenta como um livro escrito “a quatro mãos” entre Müller e Gutiérrez.

A realidade por trás da expressão, que poderia ter sido mais feliz, não implica, porém, que um autor assuma as ideias de outro. A própria distribuição do livro faz notar que as ideias expressas (que, sendo pessoais, não são necessariamente as ideias do magistério da Igreja, embora tampouco pareçam contrapor-se) são opiniões a respeito de um tema que suscita algum interesse entre alguns teólogos: das 183 páginas do livro, 117 são de Gutiérrez e 76 do então bispo de Ratisbona.

Em outras palavras, cada um tratou do assunto central de acordo com o seu próprio pensar.

É compreensível também o esmero com que o autor da resenha apresenta a obra em italiano: trata-se do diretor de Il Messaggero di Sant´Antonio, Ugo Sartorio, publicação vinculada à editora Edizioni Messaggero Padova, que é, junto com a Editrice Missionaria Italiana, coeditora da tradução da obra agora apresentada na Itália.

Sobre o tema central da obra, pode-se dizer, grosso modo, que são abordagens sobre o estatuto epistemológico da “teologia da liberação”, em suposta consonância com o sentir da Igreja, com alguns dados históricos. Neste contexto, em alguns momentos, apresenta-se e alude-se a pronunciamentos pontifícios que mostrariam o “lado bom” e a justificativa para a existência da teologia da libertação.

Mas é possível uma teologia da libertação autenticamente católica?

O Magistério da Igreja foi muito claro nos seus dois pronunciamentos oficiais sobre este particular: a Instrução Libertatis nuntius sobre alguns aspectos da teologia da libertação (Congregação para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984) e a Instrução Libertatis conscientia sobre liberdade cristã e libertação(Congregação para a Doutrina da Fé, 22 de março de 1986), vinculantes para todo católico.

 Substancialmente, pode-se dizer que já naqueles documentos se apresenta uma visão efetivamente católica sobre a teologia da libertação: a que entende a liberdade humana não como política e, em consequência, não abraça a ideologia marxista, sua luta de classes, nem transforma a fé em política, mas entende a liberdade humana como liberdade do maior dos males, o pecado, e a Cristo como libertador. Ou, em palavras do documento de 1986: “A libertação, em sua significação primordial, que é salvífica, se prolonga deste modo em tarefa libertadora e exigência ética. É neste contexto que se situa a doutrina social da Igreja, que ilumina a práxis no âmbito da sociedade”.

Bastava reler a novidade daqueles documentos em 1984 e em 1986 para não apresentar como novo o que o foi há quase 30 anos.

Os teólogos da libertação o elogiam, porém, entre ele e eles há um abismo. Os progressistas o contam entre suas fileiras, mas ele mantém-se afastado. O verdadeiro Francisco é muito diferente do que alguns imaginam

Sandro Magister

Em perdurável lua de mel com a opinião pública, o Papa Francisco também ganhou o elogio do mais combativo dos teólogos franciscanos, o brasileiro Leonardo Boff: “Francisco dará uma lição à Igreja. Saímos de um inverno rígido e tenebroso. Com ele vem a primavera”.

Na realidade, Boff abandonou há tempo o hábito franciscano, casou-se e substituiu o amor por Marx pelo amor ecologista pela mãe terra e o irmão sol. Porém, é ainda o mais famoso e o mais citado dos teólogos da libertação.

Quando há somente três dias de sua elevação ao papado Jorge Mario Bergoglio invocou “uma Igreja pobre e para os pobres”, parecia uma coisa feita à sua anexação às fileiras dos revolucionários. Na realidade, há um abismo entre a visão dos teólogos latino-americanos da libertação e a visão deste Papa argentino.

Bergoglio não é um prolífico autor de livros, mas o que deixou por escrito é suficiente e permite entender o que tem em mente com seu insistente misturar-se com o “povo”. Ele conhece bem a teologia da libertação, a viu nascer e crescer também entre seus irmãos jesuítas, porém sempre marcou seu desacordo com ela, inclusive ao preço de se encontrar isolado.


Seus teólogos de referência não eram Boff, nem Gutiérrez nem Sobrino, senão o argentino Juan Carlos Scannone [1], também jesuíta e detestado, que havia sido seu professor de grego e que havia elaborado uma teologia, não da libertação senão “do povo”, fundamentada sobre a cultura e a religiosidade da gente comum, em primeiro lugar dos pobres, com sua espiritualidade tradicional e sua sensibilidade pela justiça.

Hoje, com 81 anos de idade, Scannone é considerado o máximo teólogo argentino vivo, enquanto que sobre o que resta da teologia da libertação já em 2005 Bergoglio concluiu seu discurso deste modo: “Com a derrubada do império totalitário do ‘socialismo real’, essas correntes ficaram afundadas no desconcerto, incapazes de um restabelecimento radical e de uma nova criatividade. Sobreviventes por inércias, embora haja ainda hoje quem as proponham anacronicamente”.


Bergoglio deslizou esta sentença condenatória contra a teologia da libertação em um de seus escritos mais reveladores: o prólogo de um livro sobre o futuro da América Latina, o qual tem como autor seu amigo mais íntimo na cúria vaticana, o uruguaio Guzmán Carriquiry Lecour [2], secretário-geral da Pontifícia Comissão para a América Latina, casado, com filhos e netos, o laico de mais alto grau na cúria.


No julgamento de Bergoglio, o continente latino-americano já conquistou um posto de “classe média” na ordem mundial, e está destinado a se impor ainda mais em futuros cenários, porém está solapado no que tem de mais próprio: a fé e a “sabedoria católica” de seu povo.

A farsa mais temível ele vê no que chama “progressismo adolescente”, um entusiasmo pelo progresso que na realidade volta-se – diz – contra os povos e as nações, contra sua identidade católica, uma vez que “tem relação com uma concepção da laicidade do Estado que é antes um laicismo militante”.

Recentemente reagiu na Europa a favor da proteção jurídica do embrião.

Em Buenos Aires não se esqueçam de sua tenaz oposição contra as leis a favor do aborto livre e dos casamentos “gays”. Na promoção de leis similares em todo o mundo ele vê a ofensiva de “uma concepção imperial da globalização”, a qual “constitui o totalitarismo mais perigoso da pós-modernidade”.

É uma ofensiva que para Bergoglio leva o sinal do Anti-Cristo, como em uma novela que gosta de citar: “Senhor do mundo”, de Robert H. Benson, anglicano convertido ao catolicismo há um século.

Em suas homilias como Papa, a mais que freqüente referência ao diabo não é um artifício retórico. Para o Papa Francisco, o diabo é mais real do que nunca, é “o príncipe deste mundo” que Jesus derrotou para sempre, mas que ainda tem liberdade para fazer o mal. Em uma homilia de há alguns dias ele formulou uma advertência: “O diálogo é necessário entre nós, para forjar a paz. Porém, com o príncipe deste mundo não se pode dialogar. Jamais!”.

Notas do autor:

[1] Duas entrevistas recentes ao teólogo argentino Juan Carlos Scannone, a primeira em inglês paraZenit: Retired Teacher Remembers Young Jorge Bergoglio (http://www.zenit.org/en/articles/retired-teacher-remembers-young-jorge-bergoglio) e a segunda em italiano para Il Regno: La teologia di Francesco (http://www.ilregno.it/it/rivista_articolo.php?RID=0&CODICE=52516).


A continuidade entre o Papa Francisco e a teologia de Scannone foi posta em relevo também pelo cardeal Camillo Ruini, em uma entrevista – Il mio Papa gesuita – (http://www.ilfoglio.it/soloqui/17969Il Foglio em 26 de abril:

“Nos anos ’70 ditei cursos monográficos, em Reggio Emilia e em Bolonha, sobre a teologia da libertação, que nessa ocasião estava em moda na Itália. Por isso estudei um pouco também a teologia argentina, por exemplo, a elaborada pelo jesuíta Juan Carlos Scannone, que foi professor de Bergoglio. Já então esta teologia era reconhecida como essencialmente diferente, porque não se baseava na análise marxista da sociedade, senão sobre a religiosidade popular.

Assimilar hoje a insistência do Papa Francisco sobre a pobreza e sobre a aproximação com os pobres à teologia da libertação, está totalmente fora de lugar. Trata-se, pelo contrário, simplesmente de fidelidade a Jesus e ao Evangelho.

[2] Guzmán Carriquiry, “Una apuesta por América Latina. Memoria y destino históricos de un continente”, Editorial Sudamericana, Buenos Aires, 2005 (http://www.amazon.com/apuesta-America-Latina-Commitment-Spanish/dp/9500726564/ref=sr_1_1?s=books&ie=UTF8&qid=1367831905&sr=1-1&keywords=Carriquiry).

Tradução: Graça Salgueiro

Zenit

O ex-frade franciscano Leonardo Boff, depois de pendurar a batina por causa da condenação das suas teorias pela Congregação da Doutrina da Fé (evidentemente, a regra do centralismo é aceita nos partidos comunistas, mas não na Igreja…), reencontra a honra das manchetes europeias em entrevista concedida a Andrea Tornielli para o jornal La Stampa, de Turim, em 25 de julho.

O ex-religioso brasileiro retorna do esquecimento em que tinha caído depois que saíram de moda tanto a atração pelos pensamentos exóticos de matriz terceiro-mundista quanto a vigência da ortodoxia marxista-leninista, que, após a queda do muro de Berlim, sobrevive apenas na serra tropical de Cuba.

Leonardo Boff retorna fazendo elogios a ninguém menos que o papa. É uma alegria vê-lo reconciliado com a Igreja, mas parece pouco honesta, do ponto de vista intelectual, a sua tentativa desajeitada de contrabandear alguns aspectos do magistério de Bergoglio para as vizinhanças da teologia da libertação.

O erro do ex-frade, que, dada a sua formação acadêmica, dificilmente foi cometido com boa fé, pressupõe a remoção de um elemento central do ensinamento do papa, que consiste no constante apelo à responsabilidade ética individual de cada pessoa. Isto não significa, é claro, negar a existência e a gravidade do pecado social, que o bispo de Roma está fustigando com grande vigor (embora, para sermos honestos, nenhum dos seus antecessores tenha jamais deixado de fazê-lo também).

A linha divisória entre Boff e Bergoglio é a pretensão, compartilhada por todos os “teólogos da libertação”, de considerar irrelevante o pecado individual, justificando-o com a injustiça das condições históricas em que ele foi cometido.

O atual papa se posiciona em uma perspectiva exatamente oposta: ao convidar os jovens a se rebelarem contra a injustiça, ele o faz a partir de um exame da consciência de cada indivíduo.

O pecado social, portanto, se qualifica como o resultado de inúmeras culpas individuais, nas quais incorre qualquer um que se recusa a assumir as suas responsabilidades para com a sociedade humana.

De acordo com Boff e com os seus colegas, deve-se, em vez disto, prosseguir na direção oposta: a teologia moral se limitaria à análise das condições sociais que, na opinião deles, coagem sempre e necessariamente as escolhas pessoais.

Se por um lado eles podem não aceitar o marxismo na sua pretensão de reduzir toda a realidade à dimensão material, eles acabam, por outro lado, aderindo às suas consequências, ao acreditarem que o bem consiste na mudança revolucionária da estrutura econômica e o mal na sua preservação. Seria moralmente correto, desta forma, somente o compromisso revolucionário de cada um, independentemente do seu comportamento individual: acaba-se caindo, assim, num maquiavelismo barato.

A negação da esfera espiritual, uma negação que é própria do marxismo, determina sempre a abolição de toda distinção moral.

Diante disto, as religiões, todas as religiões, acomunadas no desprezo pelo chamado “ópio do povo”, concordaram em restabelecer a verdade, reconduzindo para dentro do homem o conflito em que a humanidade se debate; ou seja, reconduzindo-o para a sua consciência.

Com esta base, e não com base na cansada repetição das fórmulas marxistas que Leonardo Boff e Fidel Castro ainda intercambiam nos seus diálogos senis, é que podemos realizar a revolução que o mundo oprimido pela injustiça está esperando.

Bergoglio convidou os jovens de todo o mundo, no Rio de Janeiro, a se revoltarem contra a injustiça: este apelo, sem tirar nada do seu significado espiritual, produzirá certamente o retorno ao compromisso de uma geração que parecia irremediavelmente afastada dele.

Em apenas um ponto Boff tem razão: quando diz que a devoção popular a que o papa se vincula não é “pietismo”, mas “preserva a identidade do povo” contra a homologação forçada a que somos condenados pela especulação.

Esta, juntamente com a mobilização das consciências, constitui o outro recurso de quem não aceita a injustiça do atual status quo: a libertação dos povos passa pela plena reapropriação da sua identidade; quem não se reconhece numa comunidade não pode exercitar a auto-determinação.

Mesmo aqui, no entanto, não se pode esquecer que o marxismo foi uma tentativa de homologação forçada, que se manifestou também, mas não apenas, na perseguição antirreligiosa.

As palavras de Boff ainda representam a evidência do poder de convencimento próprio do magistério de Bergoglio: longa vida, pois, ao bispo de Roma!

LUIZ FELIPE PONDÉ, COLUNISTA DA FOLHA

A igreja deu mais uma prova de sua sabedoria histórica ao escolher Jorge Mario Bergoglio para ser o papa. Ela diz sim aos anseios de um papado não alienado dentro dos muros de uma Europa voltada para si, mas ao mesmo tempo manteve o curso da revolução conservadora de Ratzinger.

Ela significa a recusa à contaminação marxista e o expurgo de um clero mais afeito às demandas de uma sociedade secularizada.

Já na escolha do seu nome, o novo papa indica sua aproximação com um personagem dentro da história da Igreja. São Francisco (séculos 12 e 13) é conhecido como sendo um “consenso” como santo e como pessoa.

Doce e carismático, mas forte em suas convicções, são Francisco surgiu quando a sociedade medieval marchava para a urbanização e, portanto, precisava de ordens menos rurais, mais abertas ao movimento social das cidades emergentes.

(…)

Com Bergoglio, a igreja dá um passo fora do mundo europeu rico, mas ao mesmo tempo se mantém fiel à recusa da Teologia da Libertação, à esquerda da pastoral católica latino-americana. A igreja argentina foi bem impermeável à contaminação política marxista, algo que não aconteceu no Brasil, na Colômbia ou América Central.

Durante a ditadura argentina, Bergoglio nunca foi visto como simpático aos grupos de esquerda, o que lhe custou algumas antipatias.

A ordem jesuíta, da qual ele faz parte, sempre foi identificada com modos “agressivos” de aprendizagem da cultura do “outro” para fins catequéticos. Jesuítas são vistos por muitos como os “modernos da igreja”. No Oriente, chegaram a pintar Jesus com feições orientais. Ao mesmo tempo, juram fidelidade absoluta ao magistério católico e ao papa. Uma imagem de equilíbrio entre o novo e a tradição.

Outra referencia a um santo de nome Francisco importante é vista justamente em são Francisco Xavier (século 16), grande catequizador do Oriente.

O novo papa é um homem identificado com o combate aos excessos da sociedade de mercado, ao lucro desmesurado. Advoga a defesa dos pobres, mas em um espírito bíblico e não político-partidário, opção metodológica cara ao teólogo Ratzinger desde os anos 1980. E o que significa isso?

O cristianismo nasce da corrente profética hebraica marcada pela “crítica social” ao mundo do poder na antiguidade semítica.

Assim, os profetas denunciaram o acúmulo de riquezas e a indiferença dos poderosos com o sofrimento do mais pobres, dizendo que o Deus de Israel quer que as pessoas se ocupem das viúvas, dos órfãos e dos pobres, em vez de tentarem “comprar” favores de Deus via sacrifícios no templo.

Na figura carismática de Bergoglio, a igreja marca mais um ponto no combate à teologia da libertação, ao mesmo tempo em que se mostra sensível ao apelo da maioria não europeia de seus fiéis -e também permanece fiel à imagem de um cristianismo ao lado dos que sofrem.

FonteFolha de São Paulo

Alexandre Gonçalves | Colaboração para a Folha

Em maio de 1986, os irmãos Clodovis e Leonardo Boff publicaram uma carta aberta ao cardeal Joseph Ratzinger. O artigo analisava a instrução “Libertatis Conscientia”, em que o futuro papa Bento 16 visava corrigir os supostos desvios da Teologia da Libertação na América Latina. Os religiosos brasileiros desaprovavam, com uma ponta de ironia e uma boa dose de audácia, a “linguagem com 30 anos de atraso” no texto.

Em 2007, o irmão mais novo de Leonardo Boff voltou à carga. Mas, dessa vez, o alvo foi a própria Teologia da Libertação –movimento do qual ele foi um dos principais teóricos e que defende a justiça social como compromisso cristão. Ele censurou a instrumentalização da fé pela política e enfureceu velhos colegas ao sugerir que teria sido melhor levar a sério a crítica de Ratzinger.

Em entrevista à Folha por telefone, frei Clodovis diz que Bento 16 defendeu o “projeto essencial” da Teologia da Libertação, mas o critica por superdimensionar a força do secularismo no mundo.

Folha – Bento 16 foi o grande inimigo da Teologia da Libertação?

Clodovis Boff – Isso é uma caricatura. Nos dois documentos que publicou, Ratzinger defendeu o projeto essencial da Teologia da Libertação: compromisso com os pobres como consequência da fé. Ao mesmo tempo, critica a influência marxista. Aliás, é uma das coisas que eu também critico.

No documento de 1986, ele aponta a primazia da libertação espiritual, perene, sobre a libertação social, que é histórica. As correntes hegemônicas da Teologia da Libertação preferiram não entender essa distinção. Isso fez com que, muitas vezes, a teologia degenerasse em ideologia.

E os processos “inquisitoriais” contra alguns teólogos?

Ele exprimia a essência da igreja, que não pode entrar em negociações quando se trata do núcleo da fé. A igreja não é como a sociedade civil, onde as pessoas podem falar o que bem entendem. Nós estamos vinculados a uma fé. Se alguém professa algo diferente dessa fé, está se autoexcluindo da igreja.

Na prática, a igreja não expulsa ninguém. Só declara que alguém se excluiu do corpo dos fiéis porque começou a professar uma fé diferente.

Não há margem para a caridade cristã?

O amor é lúcido, corrige quando julga necessário. [O jesuíta espanhol] Jon Sobrino diz: “A teologia nasce do pobre”. Roma simplesmente responde: “Não, a fé nasce em Cristo e não pode nascer de outro jeito”. Assino embaixo.

Quando o sr. se tornou crítico à Teologia da Libertação?

Desde o início, sempre fui claro sobre a importância de colocar Cristo como o fundamento de toda a teologia. No discurso hegemônico da Teologia da Libertação, no entanto, eu notava que essa fé em Cristo só aparecia em segundo plano. Mas eu reagia de forma condescendente: “Com o tempo, isso vai se acertar”. Não se acertou.

“Não é a fé que confere um sentido sobrenatural ou divino à luta. É o inverso que ocorre: esse sentido objetivo e intrínseco confere à fé sua força.” Ainda acredita nisso?

Eu abjuro essa frase boba. Foi minha fase rahneriana. [O teólogo alemão] Karl Rahner estava fascinado pelos avanços e valores do mundo moderno e, ao mesmo tempo, via que a modernidade se secularizava cada vez mais.

Rahner não podia aceitar a condenação de um mundo que amava e concebeu a teoria do “cristianismo anônimo”: qualquer pessoa que lute pela justiça já é um cristão, mesmo sem acreditar explicitamente em Cristo. Os teólogos da libertação costumam cultivar a mesma admiração ingênua pela modernidade.

O “cristianismo anônimo” constituía uma ótima desculpa para, deixando de lado Cristo, a oração, os sacramentos e a missão, se dedicar à transformação das estruturas sociais. Com o tempo, vi que ele é insustentável por não ter bases suficientes no Evangelho, na grande tradição e no magistério da igreja.

Quando o sr. rompeu com o pensamento de Rahner?

Nos anos 70, o cardeal d. Eugênio Sales retirou minha licença para lecionar teologia na PUC do Rio. O teólogo que assessorava o cardeal, d. Karl Joseph Romer, veio conversar comigo: “Clodovis, acho que nisso você está equivocado. Não basta fazer o bem para ser cristão. A confissão da fé é essencial”. Ele estava certo.

Assumi postura mais crítica e vi que, com o rahnerismo, a igreja se tornava absolutamente irrelevante. E não só ela: o próprio Cristo. Deus não precisaria se revelar em Jesus se quisesse simplesmente salvar o homem pela ética e pelo compromisso social.

Bento 16 sepultou os avanços do Concílio Vaticano 2º?

Quem afirma isso acredita que o Concílio Vaticano 2º criou uma nova igreja e rompeu com 2.000 anos de cristianismo. É um equívoco. O papa João 23 foi bem claro ao afirmar que o objetivo era, preservando a substância da fé, reapresentá-la sob roupagens mais oportunas para o homem contemporâneo.

Bento 16 garantiu a fidelidade ao concílio. Ao mesmo tempo, combateu tentativas de secularizar a igreja, porque uma igreja secularizada é irrelevante para a história e para os homens. Torna-se mais um partido, uma ONG.

Mas e a reabilitação da missa em latim? E a tentativa de reabilitação dos tradicionalistas que rejeitaram o Vaticano 2º?

Não podemos esquecer que a condição imposta aos tradicionalistas era exatamente que aceitassem o Vaticano 2º. O catolicismo é, por natureza, inclusivo. Há espaço para quem gosta de latim, para quem não gosta, para todas as tendências políticas e sociais, desde que não se contraponham à fé da igreja.

Quem se opõe a essa abertura manifesta um espírito anticatólico. Vários grupos considerados progressistas caíram nesse sectarismo.

Esses grupos não foram exceção. Bento 16 sofreu dura oposição em todo o pontificado.

A maioria das críticas internas a ele partiu de setores da igreja que se deixaram colonizar pelo espírito da modernidade hegemônica e que não admitem mais a centralidade de Deus na vida. Erigem a opinião pessoal como critério último de verdade e gostariam de decidir os artigos da fé na base do plebiscito.

Tais críticas só expressam a penetração do secularismo moderno nos espaços institucionais da igreja.

Como descreveria a relação de Bento 16 com a modernidade?

É possível identificar um certo pessimismo na sua reflexão. Ele não está só. Há um rio de literatura sobre a crise da modernidade, que remete até mesmo a autores como Nietzsche e Freud. O que ele tem de diferente? Propõe uma saída: a abertura ao transcendente.

Ainda assim, há pessimismo.

Há algo que ele precisaria corrigir: Bento 16 leva a sério demais o secularismo moderno. É uma tendência dos cristãos europeus. Eles esquecem que o secularismo é uma cultura de minorias. São poderosas, hegemônicas, mas ainda assim minorias.

A religião é a opção de 85% da humanidade. Os ateus não passam de 2,5%. Com os agnósticos, não chegam a 15%. Minoria culturalmente importante, sem dúvida: domina o microfone e a caneta, a mídia e a academia. Mas está perdendo o gás. Há um reavivamento do interesse pela espiritualidade entre os jovens.

Não está na hora de a igreja ficar mais próxima da realidade dos fiéis?

Bento 16 não resolveu um problema que se arrasta desde o Concílio Vaticano 2º: a necessidade de se criarem canais para a cúpula escutar e dialogar com as bases.

Os padres nas paróquias muitas vezes ficam prensados entre a letra fria que vem da cúpula e o cotidiano sofrido dos fiéis, que pode envolver dramas como aborto ou divórcio. Note que não sugiro mudanças no ensinamento da igreja. Mas acho que seria mais fácil para as pessoas viverem a doutrina católica se houvesse processos que facilitassem esse diálogo.

Como vê o futuro da igreja?

A modernidade não tem mais nada a dizer ao homem pós-moderno. Quais as ideologias que movem o mundo? Marxismo? Socialismo? Liberalismo? Neoliberalismo? Todas perderam credibilidade. Quem tem algo a dizer? As religiões e, sobretudo no Ocidente, a Igreja Católica.

Fonte: Folha de São Paulo