eugenio-scalfari

A carta do Papa Francisco por nós publicada nessa quarta-feira suscitou em mim, no nosso diretor, Ezio Mauro, e em todos os colegas uma grande emoção. Penso que todos aqueles que a leram tiveram a mesma emoção.

Eu não falo daquilo que, no nosso jargão, chamamos de “furo”. Os furos alimentam as fofocas, não o pensamento, e aqui, lendo as palavras do papa, o nosso pensamento é chamado e estimulado a refletir diante da concepção totalmente original que o Papa Francisco expressa sobre o tema “fé e razão”, um dos pilares da arquitetura espiritual, religiosa e teológica da Igreja. Mas não só da Igreja: a cultura moderna do Ocidente nasce exatamente desse tema, e o Papa Francisco lembra isso na sua carta, quando escreve:

“A fé cristã, cuja (…) incidência sobre a vida do ser humano, desde o início, foi expressada precisamente através do símbolo da luz, foi muitas vezes rotulada como a escuridão da superstição (…). Assim, entre a Igreja (…), de um lado, e a cultura moderna (…), de outro, chegou-se à incomunicabilidade. Chegou agora o tempo, e o Vaticano II inaugurou justamente a sua época, de um diálogo (…) sem preconceitos que reabra as portas para um sério e fecundo encontro.

Toda a carta do Papa Francisco gira em torno dessa premissa, mas há uma frase nas palavras do papa acima citadas que merece, a meu ver, uma atenção particular: “A fé cristã (…) foi expressada precisamente através do símbolo da luz”.

É preciso voltar ao “incipit” do Evangelho de João para encontrar esse símbolo, onde o evangelista escreve:

“No princípio era o Verbo, 
e o Verbo estava junto de Deus 
e o Verbo era Deus.
Todas as coisas foram feitas por ele, 
e sem ele nada foi feito do que existe.
Nele havia a vida, 
e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece entre as trevas, 
mas as trevas não a receberam.”

Aqui, nesses últimos três versos poéticos e proféticos, assim como tudo no quarto Evangelho, nasce a visão cristã do bem e do mal: a vida era a luz dos homens, mas as trevas não a receberam. O Papa Francisco desenvolve essa visão da contraposição entre luz e trevas, entre bem e mal, de modo muito original. Em um ponto da sua carta, ele escreve: “Para quem não crê em Deus [a questão do bem e do mal] está em obedecer à própria consciência. O pecado, mesmo para quem não tem fé, existe quando se vai contra a consciência. Ouvir e obedecer a ela significa, de fato, decidir-se diante do que é percebido como bem ou como mal. E nessa decisão está em jogo a bondade ou a maldade do nosso agir”.

Uma abertura para a cultura moderna e laica dessa amplitude, uma visão tão profunda entre a consciência e a sua autonomia, nunca tinha sido sentida da cátedra de São Pedro. Nem o Papa João XXIII tinha chegado a tanto, nem as conclusões do Concílio Vaticano II, que tinham desejado o início do percurso ao pontífices que viriam depois e aos Sínodos que eles convocariam. O Papa Francisco fez essa passagem, e eu a sinto ecoar profundamente na minha consciência. Lembro com grande afeto que eu ouvi a visão análoga nas minhas conversas com o cardeal Martini que não por acaso era amigo do cardeal Bergoglio. Mas Martini não era papa quando dizia essas coisas. Bergoglio agora o é.

Há outro aspecto muito importante – este sim – político, quando o papa escreve sobre a distinção entre a esfera religiosa e a política (“Dai a César“):

“À sociedade civil e política cabe a tarefa árdua de articular e encarnar na justiça e na solidariedade, no direito e na paz, uma vida cada vez mais humana. (…) Isso não significa fuga do mundo ou busca de qualquer hegemonia, mas sim serviço ao ser humano, a todo o ser humano e a todos os seres humanos, a partir das periferias da história e mantendo desperto o senso da esperança.”

A visão da autonomia da política parece-me escapar ao papa, e é compreensível que seja assim. Alguém como ele não pode conceber a política exceto no quadro de um serviço aos cidadãos. Essa opinião é perfeitamente compartilhável, mas não pode excluir a hegemonia. Em um regime de liberdade e de democracia, convivem diversas visões do bem comum, que se confrontam e se chocam entre si. Quem obtém a maioria dos consensos e, portanto, a hegemonia busca realizar a sua visão do bem comum. Continua sendo ou deveria continuar sendo um serviço, que, porém, passa pela conquista do poder.

O Papa Francisco sabe disso, e a Igreja Católica, de fato, experimentou isso fazendo do poder temporal um dos pilares da sua história. Se queremos voltar a um dos exemplos mais importantes, lembremos a luta pelas investiduras que culminou no confronto entre Hildebrando de Soana, Gregório VII e Henrique, imperador da Alemanha, atingido pela excomunhão e forçado a se ajoelhar vestido de mendicante aos pés do papa no castelo de Canossa. Contam as histórias que, quando Henrique teve que beijar os pés do papa em sinal de submissão, ele disse: “Non tibi sed Petro”, e Gregório lhe respondeu: “Et mihi et Petro”.

Depois vieram as Cruzadas e toda a história da Igreja como instituição de poder e de guerra. Assim durou até 1870, mas mesmo depois a temporalidade católica continuou sob outras formas que, especialmente na Itália, mas não só, conhecemos bem. A pastoralidade, a Igreja pregadora e missionária sempre houve, e Francisco de Assis representou a mais fúlgida mas não certamente a única manifestação. No entanto, ela quase nunca teve a prevalência sobre a Igreja institucional.

O Papa Francisco interrompeu e está tentando inverter essa situação. A transformação em andamento na Cúria e na Secretaria de Estado são sinais extremamente importantes. Eu temo, porém, que muito dificilmente haverá um Francisco II, e, além disso, não é por acaso que esse nome nunca tenha sido usado até aqui para o sucessor de Pedro.

A carta do papa, contudo, é claríssima, responde às perguntas que eu havia me permitido fazer e aborda também certas questões muito mais além. Portanto, não a comentarei mais do que isso, salvo dois últimos aspectos.

O tema dos judeus, do fato de serem considerados pelos católicos como irmãos mais velhos, o fim da acusação de “deicídio” que os cristãos sempre lançaram contra eles e, enfim, a descendência comum do Deus mosaico do Sinai e dos Dez Mandamentos já havia sido levantado pelo Papa João XXIII e pelo Papa Wojtyla, mas não com a clareza definitiva do Papa Francisco. É um passo muito importante que marca, finalmente, uma inversão na atitude que durou quase dois milênios.

Enfim, há o relato que o papa faz do seu encontro com a fé. Releiamos esse trecho.

A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus. Um encontro pessoal, que tocou o meu coração e deu (…) um sentido novo à minha existência. Mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé em que eu vivia e graças à qual eu encontrei o acesso à inteligência da Sagrada Escritura, à vida nova que, como água que jorra, brota de Jesus através dos Sacramentos, à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, imagem verdadeira do Senhor. Sem a Igreja – acredite-me –, eu não teria podido encontrar Jesus, embora na consciência de que aquele imenso dom que é a fé é custodiado nos frágeis vasos de barro da nossa humanidade.”

Um relato esplêndido, uma autobiografia fascinante. Sente-se em sua base, pelo que eu posso intuir, mais Bernardo, mais Agostinho, mais Bento do que Tomás e a Escolástica, que, no entanto, ainda está muito presente na doutrina tradicional.

Quem como eu não só não tem a fé, mas nem mesmo a busca; quem como eu sente o fascínio da pregação de Jesus e o considera homem e filho do homem, não pode deixar de admirar um sucessor de Pedro que reivindica a Igreja como lugar eleito para que o sentimento de humanidade custodiado em vasos de barro não seja destruído pelos vasos de chumbo que, dentro e fora da Igreja, despedaçam os vasos de barro.

O papa me faz a honra de querer fazer um trecho de percurso juntos. Eu ficaria feliz com isso. Eu também gostaria que a luz conseguisse penetrar e dissolver as trevas, embora eu saiba que aquelas que chamamos de trevas são apenas a origem animal da nossa espécie. Muitas vezes eu escrevi que nós somos um símio pensante. Cuidado quando inclinamos demais em direção ao animal do qual proviemos, mas nunca seremos anjos, porque não é nossa a natureza angelical, se é que ela existe.

Por isso, longa vida e afetuosa fraternidade com Francisco, Bispo de Roma e chefe de uma Igreja que luta, também ela, entre o bem e o mal.

Fonte: La Repubblica

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Arcebispo Bruno Forte: Francisco nos ensina o que é verdadeiramente diálogo 

Teve ampla repercussão e continua sendo estímulo para reflexão a carta que o Papa Francisco endereçou ao fundador do renomado diário italiano “La Repubblica”, Eugenio Scalfari, publicada  pelo referido jornal.

Sobre a importância desse gesto no horizonte do diálogo entre crentes e não-crentes, a Rádio Vaticano entrevistou o teólogo italiano e arcebispo de Chieti-Vasto, Dom Bruno Forte. Eis o que disse:

Dom Bruno Forte:- Nesta carta, o Papa Francisco diz coisas muito bonitas, mas que pertencem totalmente à fé, à tradição da Igreja. A começar daquele ponto que impressionou, quando diz que não se deve falar de absoluto em relação à verdade cristã, porque a verdade não é absoluta, não é isolada, separada, mas é uma verdade que é relação, amor em si mesma – Trindade Santa – e na relação com os homens. Este é um ponto bonito e muito importante, mas que – na realidade – pertence à grande tradição cristã.

O que é novo, em alguns aspectos surpreendente e a meu ver bonito, é que o Papa Francisco estabeleça esse diálogo com um pensador, um jornalista de grande inteligência, declaradamente não-crente, e que esse diálogo se dê, de fato, através de Scalfari, num jornal como ‘La Repubblica’, um jornal que se caracteriza também por uma marca – como se diz – fortemente laica. Mostra que o Papa não tem temor de amar a pessoa humana como é, onde ela se encontra, sem estabelecer condições preconcebidas para o encontro e o diálogo. Isso é verdadeiramente diálogo: uma abertura para o outro, na fidelidade à própria identidade, mas também no acolhimento profundo da pessoa do outro, assim como é.

Também com um gesto como esse – inédito – de uma resposta via carta, o Papa parece quase dizer a todos, a todos os cristãos, que corram “o risco” da relação, sempre e com todos, justamente?

Dom Bruno Forte:- “Creio que nisso o Papa queira ser aquilo que desde o início mostrou ser: em primeiro lugar, quer ser uma pessoa humana, e como todas as pessoas humanas, que – com a ajuda de Deus – puderam realizar a própria vocação à plenitude de humanidade, que é o amor, é uma pessoa humana que quer relacionar-se com todos, sem esquemas, sem etiquetas. Creio que este é o estilo de Francisco: um estilo singularmente eficaz, como se vê pelo acolhimento e pelo interesse que suscita, mas um estilo não tático, ou seja, não é algo que Francisco faz por tática; o faz porque ele é assim, porque é a sua identidade profunda, o seu querer continuamente referir-se ao Deus vivo e justamente assim relacionar-se ao outro, quem quer que o outro seja, no respeito, no acolhimento, na verdade e no amor.

Junto à verdade, outro tema fundamental tocado nesta carta é o da questão da consciência, tema – este – de grande interesse também para Bento XVI…

Dom Bruno Forte:- “Certamente. Creio que seja importante ressaltar o fio condutor que une esses dois Pontificados, que na realidade estão intimamente relacionados. Costumo dizer que não haveria Francisco se não tivesse havido o Pontificado corajoso, humilde, fiel de Bento XVI, a reforma espiritual da Igreja, o sentido do primado de Deus que ele tão fortemente imprimiu na vida eclesial. Francisco herdou tudo isso.

Com essa herança, ele expressa livremente e com total espontaneidade a sua profunda identidade de homem de Deus, de homem espiritual, de jesuíta, de pessoa que busca viver continuamente na presença de Deus segundo a espiritualidade de Inácio de Loyola.

Creio que também o chamado à consciência seja um aspecto profundo da espiritualidade inaciana: como disse o semiólogo francês Roland Barthes – e a afirmação é surpreendente justamente porque vem dessa fonte –, o livro dos Exercícios Espirituais de Inácio não é o livro da resposta, mas o livro da interrogação e da procura.

Em outras palavras, os Exercícios Espirituais ajudam-nos a colocar-nos à escuta da voz da consciência, que é o reflexo interior daquilo que Deus escreveu para nós, dentro de nós, para que realizássemos a nossa vocação humana. E também nisso o Papa se insere na grande tradição católica e ao mesmo tempo consegue apresentá-la de maneira simples e profunda, de modo a não somente impressionar, mas, sobretudo, atrair e levar a pensar quem crê e quem não crê.” (RL)

Fonte: Rádio Vaticano

Sandro Magister, Chiesa.

Quando na vigília de Natal, em 2009, Bento XVI lançou a ideia do Átrio dos Gentios, disse imediatamente qual era a sua finalidade: manter desperta a busca de Deus entre agnósticos e ateus, como o “primeiro passo” para a sua evangelização.

Porém, o Papa não estabeleceu as formas de realizar isto. Confiou o andamento nesta direção ao presidente doPontifício Conselho da Cultura, o arcebispo e depois cardeal Gianfranco Ravasi, valioso e experimentado criador de acontecimentos culturais.

Ravasi iniciou com a organização de um encontro em Paris, nos dias 24 e 25 de março de 2010, que teve um notável impacto. O próprio Bento XVI participou dele por meio de uma mensagem de vídeo dirigida aos jovens reunidos na explanada de Notre Dame.

Contudo, nas reuniões seguintes o Papa permaneceu em silêncio. O Átrio dos Gentios seguiu , em diferentes países, numa crescente que culminou, nos dias 5 e 6 de outubro deste ano, em Assis, com um elenco de participantes recorde, começando pelo presidente da República Italiana, Giorgio Napolitano, agnóstico de formação marxista.

Entretanto, em paralelo a esse crescimento, houve uma diminuição de interesse geral e nos meios de comunicação. Uma diminuição compreensível. O fato de que alguns não crentes tenham tomado a palavra, num ato promovido pela Santa Sé, já não era notícia. E não era notícia nem sequer o fato de que cada um expôs sua visão de mundo, por outra parte já conhecida, como em outros, como uma espécie de “quadros de uma exposição”.

Apesar da parte sugestiva em cada um dos acontecimentos e da admiração que suscitavam entre os participantes, oÁtrio dos Gentios corria o risco de não produzir nada de novo e significativo no campo da evangelização.

De fato, se houve alguma novidade em seu último encontro, que aconteceu nos dias 16 e 17 de novembro, em Portugal, esta veio de fora e do alto. Pela primeira vez na história do Átrio dos Gentios – além do caso especial de Paris -,Bento XVI enviou uma mensagem pessoal aos participantes. Uma mensagem em que quis reconduzir a iniciativa para a sua finalidade original: a de falar de Deus a quem está distante, despertando as perguntas que aproximam Dele, “ao menos como Desconhecido”.

Na mensagem, claramente escrita de seu punho e letra, Bento XVI se inspirou no tema principal do Átrio dos Gentiosportuguês: “a aspiração comum de afirmar o valor da vida humana”. Em seguida, argumentou que a vida de toda pessoa, ainda mais se é amada, não pode deixar de “colocar Deus em questão”.

Prosseguindo, diz: “O valor da vida apenas se torna evidente se Deus existe. Por isso, seria bonito se os nãos crentes quisessem viver ‘como se Deus existisse’. Embora não tenham a força para crer, deveriam viver baseados nesta hipótese; caso contrário, o mundo não funciona. Há tantos problemas que precisam ser resolvidos, mas que nunca serão resolvidos totalmente, se Deus não for colocado no centro, caso Deus não se torne, novamente, visível no mundo e determinante em nossa vida”.

Na conclusão, Bento XVI citou uma linha da mensagem dirigida pelo Concílio Vaticano II aos pensadores e cientistas: “Felizes os que, possuindo a verdade, procuram-na ainda mais, a fim de renová-la, aprofundar-se nela e oferecê-la aos demais”. E acrescentou lapidamente: “São estes o espírito e a razão de ser do Átrio dos Gentios”.

O indubitável alinhamento cunhado ao Átrio dos Gentios, por Bento XVI, com esta mensagem, não foi ressaltado pelos meios de comunicação, nem sequer pelos católicos e mais atentos.

Contudo, o cardeal Ravasi, sem dúvida alguma, registrou e subscreveu. Nota-se isto pelo balanço do Átrio português, publicado no “L’Osservatore Romano”, no dia 23 de novembro.

“Em Guimarães, o público expôs uma questão: a sacralidade da vida pressupõe algo que não transcende. Como podemos conhecer Deus? Ou seja, tocou-se no objetivo pelo qual o Átrio dos Gentios foi pensado: o de expressar a inquietude em relação a Deus. Tema amplo e complexo sobre o qual, disse o cardeal Ravasi, o Átrio dos Gentios retomará de maneira mais profunda nos próximos encontros”. Esta volta poderá ser verificada nos próximos encontros.

Por sua vez, no “L’Osservatore Romano”, Ravasi deu início a uma série de artigos sobre o encontro/desencontro entre a fé e a incredulidade na cultura contemporânea, como uma contribuição ao Ano da Fé, convocado pelo Papa.

No primeiro destes artigos, no dia 28 de novembro, o cardeal tornou manifesto seu excepcional domínio da literatura, das artes e das ciências, com um exuberante floreio de autores citados. Em ordem: Aleksandr Blok, Franz Kafka, Emil Cioran, Jean Cocteau, Rudolf Bultmann, Blaise Pascal, Jan Dobraczynski, Robert Musil, Ludwig Wittgenstein, Luis de León, David Hume, Anatole France, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Alberto Moravia, Augusto Del Noce, Jacques Prévert, Eugenio Montale, Johann Wolfgang Von Goethe.

Uma vintena de autores, em média, por página de jornal, quase todos eles não crentes, embora todos tenham se revelado “vulneráveis” às perguntas sobre Deus.


Eduardo Lourenço, ensaísta, João Lobo Antunes, neurocirurgião e Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Conselho Pontifício da Cultura, organismo do Vaticano, vão inaugurar a primeira sessão portuguesa do «Átrio dos Gentios». A iniciativa vai decorrer entre os dias 16 e 17 de novembro nas cidades de Guimarães e Braga, as capitais europeias da cultura e da juventude em 2012.

O «Átrio dos Gentios», criado pelo Conselho Pontifício da Cultura (CPC) para promover o diálogo entre crentes e não crentes, tem como tema em Portugal «O Valor da Vida». Entre os oradores convidados, estão Assunção Cristas, ministra da agricultura, Fernando Nobre, antigo candidato presidencial, Isabel Jonet, presidente da Federação Europeia dos Bancos Alimentares, os escritores Vasco Graça Moura e Valter Hugo Mãe, a poetisa Ana Luísa Amaral e Tolentino Mendonça, padre, poeta e diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

Segundo Isabel Varanda, coordenadora geral do evento no nosso país, a iniciativa «pretende ser lugar de encontro e de diálogo entre crentes, não crentes, agnósticos, gentes de diferentes formações científicas, culturais e políticas, e diferentes sensibilidades e confissões religiosas». «No fundo, o que a todos nos move, pelos caminhos da ciência, da fé, da dúvida e da resistência é a busca incessante do significado científico, teológico, ecológico, político, humano, pessoal e íntimo da vida», refere a professora de Teologia na Universidade Católica Portuguesa, em comunicado enviado à agência Ecclesia.

Depois da sua sessão inaugural em Paris, em março de 2011, o «Átrio dos Gentios» já passou por várias cidades europeias. A iniciativa é organizada pelo Instituto de História e Arte Cristãs da Arquidiocese de Braga, em articulação com o CPC.

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O catolicismo está ativo e quer dialogar com o mundo, afirmam os dois responsáveis pela organização em Portugal do Átrio dos Gentios, estrutura do Vaticano que pretende promover o encontro entre crentes e não crentes.

“A Igreja não quis ficar à margem” das atividades das capitais europeias da cultura e juventude, que em 2012 decorrem em Guimarães e Braga, e por isso encontrou “um modo seu de marcar presença” e “de dizer ao mundo que está viva”, refere o cónego José Paulo Abreu na edição de hoje do Semanário Agência ECCLESIA.

O Átrio dos Gentios que a 16 e 17 de novembro se realiza nas duas cidades minhotas é “sociabilidade, partilha, hipótese de abertura e diálogo, sala de todos e para todos, sem preconceitos, para além de raças, de credos, de idades, de filiações”, observa o vigário geral da Arquidiocese de Braga.

O encontro dedicado ao tema “O Valor da Vida” junta “pensadores dos mais variados quadrantes e proveniências: do Vaticano, das universidades, do mundo da arte, do desporto, da música, da filosofia, da literatura”, realça o sacerdote.

A coordenadora geral do Átrio dos Gentios em Portugal, Isabel Varanda, acentua na mesma edição do semanário que o evento “não é ‘uma coisa da Igreja e dos padres’”: “a representação da Igreja como instituição e da religião, em geral, é discreta e proporcional: uns crentes, outros não crentes ou agnósticos”.

“Todos são convidados a sair dos seus espaços habituais de convicção e de reflexão para se encontrarem num átrio, num lugar neutro e acessível a todos”, salienta a professora de Teologia.

A responsável justifica a ausência de especialistas da saúde, medicina ou bioética “que são referência nacional e internacional em algumas das temáticas em discussão” com o facto de a iniciativa querer “ir mais longe do que as referências comuns e do que os nomes expectáveis”.

Participar no Átrio dos Gentios é “sinal de abertura”, “manifestação de sociabilidade” e “vontade de encontro”, nota o cónego José Paulo Abreu, acrescentando que “a diversidade enriquece” e “o debate é sempre uma mais-valia”, na procura de um “rumo” para a vida pessoal e para Portugal.

“No Átrio dos Gentios há chão para toda a gente poder enraizar a sua palavra e fazer ouvir o seu direito e o seu dever à autodeterminação de um projeto de vida e de um estilo de vida à altura do ser humano”, o que “também é exercício e construção da democracia”, aponta Isabel Varanda.

O ensaísta Eduardo Lourenço, o neurocirurgião João Lobo Antunes e o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício da Cultura, intervêm no primeiro dia do encontro,  no Grande Auditório da Universidade do Minho, em Guimarães.

RJM

Natalia Martone

“O que seria de nós sem a ajuda daquele que não existe?”. Paul Valéry se fez esta pergunta em 1928, na Pequena Carta sobre os Mitos.

Em 13 e 14 de setembro, o Átrio dos Gentios, espaço de encontro e de diálogo entre crentes e não-crentes, desenvolvido pelo Conselho Pontifício para a Cultura sob a presidência do cardeal Ravasi, se reúne para uma nova sessão de diálogo em Estocolmo.

O tema principal será justamente a espinhosa questão que talvez seja o centro das discussões entre humanistas crentes e ateus: “O Mundo com ou sem Deus”.

O Átrio dos Gentios foi acolhido positivamente por importantes personalidades da confissão luterana, como Antje Jackelén, professor na universidade de Lund e bispo daquela cidade.

A escolha de Estocolmo para esta edição é um sinal claro da importância do encontro. A Suécia é um país de secularização profunda, que toca as raízes da própria sociedade, alicerçada no conceito de indivíduo que prevalece sobre a coletividade. Mais de 60% da população se declara ateia e concebe a religião como pertencente à esfera privada.

Na Suécia, a secularização tem andado de mãos dadas com o progresso científico e tecnológico que fez do pequeno país uma potência mundial, tecnologicamente muito avançada.

Em muitos países, a evolução científica se vê acompanhada por um fenômeno cada vez mais desenfreado, que Jacques Ellul chamou de “derrapagem moral”: a tendência, típica das sociedades tecnológicas, de aceitar acriticamente as inovações técnicas, mesmo se inicialmente rejeitadas.

Essa tendência, que amadurece em geral cinco ou dez anos depois do aparecimento da novidade, vem acompanhada da propensão a transformar a ciência em uma ideologia, confiando à técnica a tarefa de criar novos valores. É um processo histórico que tem raízes profundas e que levou a religião a ser vista como uma experiência subjetiva, em vez de um sentimento coletivo de partilha.

Organizar um Átrio dos Gentios em Estocolmo, e em parceria com uma mulher brilhante como a embaixadora sueca junto à Santa Sé, Ulla Gudmundsson, é um forte indício da necessidade desse país de se questionar coletivamente sobre os “assuntos elevados”. Muito elevada, aliás, foi a decisão de dialogar sobre “um mundo com ou sem Deus”: significa dar um passo para trás, antes de olhar e avançar rumo ao amanhã.

Neste diálogo temporal, os lugares de Estocolmo escolhidos para sediar o encontro se tornam uma metáfora de um significado mais profundo. As magníficas salas da Academia Real de Ciências, que há mais de 100 anos hospedam a cerimônia de entrega do Prêmio Nobel, a maior honra concedida às pessoas que “trazem benefícios consideráveis ​​para a humanidade”, se unem com o Fryshuset, um dos principais centros europeus de reabilitação de jovens em dificuldades, símbolo concreto da educação e do apoio à geração que, esperamos, também “trará grandes benefícios para toda a humanidade”.

São previstos dois dias de intenso diálogo, presididos conjuntamente pelo cardeal Gianfranco Ravasi, pelo professor e escritor Georg Klein e pelo ex-comissário do Conselho da Europa sobre os Direitos Humanos, Thomas Hammarberg.

O diálogo será realizado, como de costume, em duetos, e, em relação com o tema geral, “O Mundo com ou sem Deus”, pretende responder a perguntas como “O que significa acreditar e não acreditar?”, “Há um mundo não material?”, “A religião torna o mundo melhor ou pior?” e “O que é um homem?”. Serão debatidas ainda questões como esta: “A religião é acusada de impor seus valores aos não-crentes, mas a sociedade secular também não procura impor os dela?”.

Nos dias seguintes, o evento ficará disponível na íntegra nos canais sociais do Átrio dos Gentios no Google+ e no YouTube, além de na seção Átrio TV, do site do projeto.( imperdível!)

A próxima reunião será realizada em Assis, Itália, nos dias 5 e 6 de outubro. Entre os convidados, está o presidente italiano Giorgio Napolitano.

Para mais informações (em italiano):http://www.cortiledeigentili.com/it/

Fonte: Paulopes

E Christopher Hitchens (recém falecido, ateu polêmico) ficou de fora do Átrio dos Gentios.Faltou o convite do Vaticano para um intelectual anticonformista e um espírito livre.

No post Consigli a un giovane ribelle do seu blog Parola & Parole, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, conta: “Eu não consegui convidar Hitchens para entrar no Átrio. Teria me agradado a ideia de dialogar com fora de polêmicas e atitudes preconcebidas, isto é,comomethórios, assim como definia o sábio Filão de Alexandria”.

E, acrescenta, “é precisamente essa a ideia do Átrio dos Gentios: um espaço aberto à luz, em que se encontram e se desencontram o absurdo e o mistério, a pura racionalidade e o ‘Tu Desconhecido’. Espero que a morte tenha sido para ele ‘uma porta que se escancara e irrompe o futuro’, retomando o aforismo de Graham Greene que ele tanto gostava de citar. Seria, para ele, como entrar em uma nova infância”.

Ravasi faz cita outro grande laico: “Para Mitterrand que perguntava: ‘Em cinco minutos, diga-me a substância da sua experiência de filósofo’, Jean Guitton respondia: ‘É a escolha entre duas soluções: o absurdo e o mistério'”. E, especifica o cardeal, “Christopher Hitchens tinha escolhido a primeira solução, denunciando a religião como ‘a principal fonte do ódio neste mundo’. Insistia Mitterrand: ‘Mas qual é a diferença? O mistério também parece absurdo’. E Guitton: ‘Não, o absurdo é um muro impenetrável contra o qual nos batemos em um suicídio. O mistério é uma escada: sobe-se de degrau em degrau rumo à luz, esperando'”, para depois concluir: “Como homem de fé, a minha esperança é de ver o jovem rebelde voltar-se à luz e subir de degrau em degrau até o oceano de amor em que todo o ódio do mundo imerge”.


Porém, com apenas dois meses de vida pela frente, o polemista britânico Christopher Hitchens desferiu um último e duro ataque contra o Vaticano, acusando-o de cumplicidade com os regimes totalitários dos anos 1930 na Europa. Hitchens, ateu militante até a sua morte na semana passada por causa de um tumor no esôfago, defendeu, na última entrevista com Richard Dawkins na New Statesman, que todo governo fascista da Europa daquela época era, na realidade, um “partido católico de extrema direita”.

Para Hitchens, autor de Deus não é Grande, “quase todos esses regimes chegaram ao poder com a ajuda do Vaticano e com a compreensão da Santa Sé”. O polemista defendeu as suas posições como uma batalha contra todo totalitarismo, seja de direita, seja esquerda: “O totalitarismo para mim é o inimigo: aquele que quer ter o controle sobre o que você pensa, não só sobre as suas ações e os seus impostos. E a origem disso é teocrática”.

Cardeal Ravasi avalia primeiro encontro

O Átrio dos Gentios foi um encontro de alto nível que permitiu um confronto com figuras de alto perfil, longe do ateísmo prático da banalização e da ironia. É o que ele disse, na sexta-feira passada, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, ao fazer um balanço da iniciativa levada a cabo pelo seu dicastério vaticano em Paris.

O cardeal interveio na Sala de Imprensa vaticana para discutir a participação da Santa Sé na Feira Internacional do Livro de Santo Domingo, a ser realizada no Parque de Cultura da capital da República Dominicana, de 4 a 22 de maio.

Durante a conferência, o cardeal Ravasi confessou estar “feliz” pelo fato de que os não-crentes foram convidados ao encontro inter-religioso Assis, previsto para 27 de outubro deste ano, na cidade natal de São Francisco, para comemorar o 25º aniversário da primeira reunião histórica com líderes religiosos do mundo inteiro, convocada em 1986 por João Paulo II.

O Átrio dos Gentios é uma iniciativa de diálogo entre crentes e não-crentes, fortemente desejada pelo Papa Bento XVI e inaugurada em 24 de março, em Paris, com uma sessão de dois dias na sede da UNESCO e em lugares simbólicos do espaço leigo, sobre o tema “Iluminismo, religião, razão comum”, para reafirmar que a fé e a teologia estão entre os maiores vetores do conhecimento e da cultura.

Da cidade símbolo do laicismo

O cardeal Ravasi disse que o resultado positivo em Paris não era uma certeza e que a cidade foi escolhida por ser “a cidade simbólica do laicismo quase absoluto”. Nas discussões que tiveram lugar entre a atmosfera de Notre Dame e as sedes institucionais, afirmou o cardeal, “eu percebi que o diálogo foi muito mais aberto do que na Itália”.

O cardeal relatou depois o grande acolhimento que recebeu, especialmente na Sorbonne e na UNESCO: “Um ambiente difícil de imaginar. Com figuras de alto perfil” e com oradores abertamente não-crentes.
“No único momento que eu tive livre desde que cheguei à nunciatura – continuou Ravasi -, recebi uma proposta do editor francês Blonde e do filósofo Luc Ferry, que disse: ‘Eu gostaria de fazer um livro com o senhor’. E mais significativo é que o livro será sobre o Evangelho de São João, que vai ser analisado a partir de ambos os lados”, isto é, do ponto de vista dos crentes e daqueles que não o são. Um diálogo que convergirá, então, em um livro a ser publicado também em italiano.

Com base na experiência parisiense, continuou ele, começarão iniciativas semelhantes, não só em Estocolmo, mas também em Praga, Barcelona, ​​Quebec, Bucareste, Chicago.

Com relação aos outros continentes, ainda há incógnitas. Para este propósito, convocou todos os embaixadores asiáticos junto à Santa Sé: “Entre as várias iniciativas, propus também a do Átrio dos Gentios, mas não se mostraram particularmente interessados”.

Por enquanto, aqueles que aderiram fazem parte de “uma elite formada em universidades europeias e americanas”.

“Mas na América Latina vem à minha mente a questão das seitas e outras religiões”, disse ele, revelando ainda que “o Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM) está estudando esta questão, de modo particular em certos estratos sociais onde esta presença é importante.” Neste continente, explicou ele, existem “sobretudo formas de nacionalismo sagrados e emblemáticos diferentes do ateísmo, como os nacionalismos religiosos primordiais”.

Graças ao Átrio dos Gentios e à abordagem dirigida aos jovens, o cardeal disse: “Os jovens não constituem um enclave, mas fazem parte de nosso mundo, são sempre os filhos das nossas gerações”. Ou seja, “mais que jovens conscientemente leigos, uma grande parcela deles vive em um estado de superficialidade criado pelo estilo da geração anterior”.

Blogueiros no Vaticano

O cardeal falou então do encontro com os blogueiros no Vaticano, uma iniciativa prevista para o próximo dia 2 de maio, promovida pelo Conselho Pontifício para a Cultura e para as Comunicações sociais, com o objetivo de “permitir um diálogo entre os blogueiros e os representantes da Igreja, compartilhar experiências dos que trabalham diretamente neste campo e compreender melhor as necessidades desta comunidade”, bem como “apresentar algumas das iniciativas que a Igreja está empreendendo para entrar em contato com o mundo dos novos meios de comunicação, tanto em Roma como em outros lugares”.

Segundo um comunicado da Santa Sé, nos dois painéis previstos, diversos relatores apresentarão alguns aspectos decisivos para uma discussão geral aberta a todos os participantes.

No primeiro painel, cinco blogueiros, representantes de diversas áreas linguísticas, abordarão temas específicos.

O segundo painel oferecerá o testemunho de pessoas envolvidas na estratégia comunicativa da Igreja. Elas apresentarão suas experiências de trabalho com os novos meios de comunicação, assim como as iniciativas para assegurar um compromisso efetivo da Igreja com o mundo dos blogs.

Outro aspecto importante do encontro “será a possibilidade de estabelecer contatos e intercâmbios informais entre os participantes, para abrir, no futuro, novos cenários de interação”.

O cardeal Ravasi reconheceu que, em geral, sabe-se que os blogueiros são “um pouco provocadores” e também “não se pode escapar a esta realidade”, lembrando depois que “em novembro passado, o Conselho Pontifício para a Cultura organizou uma reunião com o Campidoglio, com este tema, para dar a entender que não era somente algo ‘intra-eclesial'”.

“Como se pode ignorar os blogueiros? – perguntou. São sujeitos fundamentais na nova comunicação, porque com eles não só muda a comunicação, mas também as pessoas.”

O convite é aberto a todos. Para participar, é preciso enviar um e-mail a blogmeet@pccs.it, com um link para o próprio blog. O espaço é limitado a 150 lugares e, portanto, para ter uma representação de toda a blogosfera, os passes e os detalhes para o evento serão designados segundo critérios linguísticos e geográficos, o tipo de blog (multiautor, institucional, privado ou pessoal), os temas e a ordem das inscrições.

Está prevista para a ocasião uma tradução simultânea em italiano, espanhol, francês, polonês e inglês.

Imagens externas do Átrio, em Paris.
Imagens externas do Átrio, em Paris.

“Queremos dizer à sociedade contemporânea que a fé e a teologia estão entre os grandes vetores de conhecimento e de cultura, que cada uma têm um estatuto e uma dignidade próprios. Esse diálogo deve ocorrer no mais alto nível, sem relegar os crentes em Deus ao paleolítico!”

A opinião é do cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano.

Jornal La Croix, 25-03-2011.

Por que é necessário para a Igreja dialogar com aqueles que não acreditam?

A Igreja não se vê mais como uma ilha separada do mundo. Ela está no mundo. O diálogo, portanto, é para ela uma questão de princípio. Porque, nas nossas sociedades orgulhosas por serem secularizadas, constata-se, porém, que surgem perguntas fundamentais. Testemunho disso é o interesse pelo sagrado, a New Age ou também pelo sobrenatural e pela magia… Para responder a essa urgência, os grandes modelos culturais e religiosos se apresentam com legitimidade.

Além disso, queremos dizer à sociedade contemporânea que a fé e a teologia estão entre os grandes vetores de conhecimento e de cultura, que cada uma têm um estatuto e uma dignidade próprios. Esse diálogo deve ocorrer no mais alto nível, sem relegar os crentes em Deus ao paleolítico!

Por fim, somos conscientes do fato de que o grande desafio não é o ateísmo, mas sim a indiferença, que é muito mais perigosa. Certamente, existe o ateísmo irônico de Michel Onfray, mas a indiferença pode ser representada por esta piada: “Se Deus saísse hoje pelas ruas, iriam lhe pedir seus documentos!”.

Mas o “Átrio dos gentios” não é um lugar de evangelização?

Certamente não. Somos como Paulo diante do Areópago de Atenas. Dizemos aquilo que acreditamos diante daqueles que não acreditam e que nos escutam. Embora sejamos conscientes do fato de que todas as grandes propostas culturais e religiosas não são só informativas, mas também “performativas”: abrem a uma ação. Basta ler Dostoiévski,Pascal, Dante, Nietzsche…

Concretamente, o que a Igreja quer dizer aos não crentes?

Retomaria a distinção proposta pelo teólogo protestante alemão Dietrich Bonhoeffer entre as “realidades penúltimas” e as “realidades últimas”. O cristianismo, por natureza, é uma religião encarnada, cuja mensagem é fundamentada em uma realidade histórica. Por essa encarnação, ele pôde agir na sociedade, trate-se do diálogo com os políticos ou da ação pela justiça e a solidariedade. Mas nós não constituímos só uma ONG. O nosso dever é o de um discurso sobre as “realidades últimas”.

Com isso, não entendo só Deus, a Palavra, a transcendência, mas também – e este é o programa do Átrio dos Gentios – os grandes problemas existenciais: a vida, o amor, a morte…

Nesses planos, a Igreja afirmar ter a Verdade. Uma afirmação pouco aceitável nestes tempos marcados pela indiferença.

É um grande problema. Para os cristãos, de fato, a Verdade nos precede na pessoa de Cristo, enquanto, aos olhos da cultura contemporânea, cada um de nós a constrói. Dessa diferença derivam concepções diversas do bem e do mal, da liberdade, da justiça. Sabemos bem que, hoje, dado que toda verdade varia de acordo com o contexto, cada um pode elaborar sua própria verdade. No limite, uma ação criminosa pode se dizer conforme a uma verdade. Um autor pôde dizer: “A Verdade não vos libertará”.

Ao contrário, Robert Musil afirmava: “A verdade não é uma pedra preciosa que se leva no bolso, mas sim um mar em que se imerge para nadar”. Nós pensamos que é urgente evocar a Verdade. Podemos nos contentar, talvez, com uma sociedade formada só por comportamentos individuais adaptados, na ausência de normas comuns reconhecidas? Para um cristão, a liberdade é orientada, ordenada a um objetivo, não só no sentido do “laissez-faire” contemporâneo, que se limite à liberdade do próximo.

Trata-se de unificar fé e razão?

De um lado, constamos um excesso de racionalismo, mas também vemos surgir manifestações de irracionalidade, de sentimentalismo. Nesse contexto, é preciso sempre retomar a necessária autonomia da fé e da razão. É preciso também lembrar que, sendo o homem uno, fé e razão dentro dele devem dialogar.

Sobre esses temas, já não está tudo definido?

Certamente, somos uma minoria. Mas a nossa visão pode ser considerada provocadora, como um pó de comichão ou uma pedra no sapato. Dado que a multidão vai em uma certa direção, nós talvez também devemos segui-la?

Até se constitui em uma contracultura?

De fato, o crente é sinal de contradição. A cultura contemporânea, moldada pela comunicação de massa, visa à homogeneização do pensamento. Qualquer pessoa que seja uma exceção é considerado extravagante. Cabe a nós, junto com outros, realizar um trabalho essencial e difícil: buscar o verdadeiro, o bem, reconhecer o falso, o mal…

Sobre essas bases, quais frutos são esperados desses encontros parisienses do Átrio dos Gentios?

Queremos jogar uma pedra no lago, estimular a reflexão e o diálogo, e depois observar aquilo que acontece. Durante a nossa primeira sessão, na universidade de Bolonha, ficamos surpresos. De cada quatro relatores que intervieram (um cientista, um jurista, um filósofo, um escritor), dois eram crentes em Deus, e dois, não. Participaram 2.000 pessoas, discutiram ouviram leituras de Nietzsche, Pascal, Santo Agostinho. Tudo no máximo silêncio, com grande respeito recíproco e uma atenção elevada. Depois de Paris, iremos para Estocolmo, sob a égide do luteranismo de Estado. Depois a Tirana e a Praga, importantes centros do ateísmo de Estado.

Após Paris, serão Tirana e Florença a acolher o “Pátio dos Gentios”, e muitas outras cidades em todo o mundo, que já se ofereceram para hospedar esta iniciativa que deseja relançar o diálogo entre aqueles que crêem e os que não crêem, fortemente desejado por Bento XVI e que já obteve, na semana passada, um grande sucesso na capital francesa. O Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, Cardeal Gianfranco Ravasi, conversando com a Rádio Vaticano falou sobre o encontro de Paris.

“A atmosfera em Paris foi de grande ajuda para poder iniciar este itinerário. Houve uma participação, especialmente no horizonte intelectual, muito forte e muito intensa. Em Paris, tínhamos realmente todas as áreas possíveis, todos os pontos cardeais, que iam da cultura à sociedade, das questões científicas às questões de direito, da arte à espiritualidade. Tivemos também a conclusão solene, com os jovens, na grande praça em frente à Catedral de Notre-Dame. Este horizonte tão complexo, tão vasto, tão mutável, agora nós gostaríamos, em certo sentido, torná-lo mais específico, desenvolvê-lo por setores. E é por isso que gostaríamos de iniciar por Tirana, herdeira de um país – único no mundo – que teve na sua Constituição o ateísmo, como ateísmo de Estado, de maneira oficial, e que agora, ao invés, se encontra em outra perspectiva.refere-se a Albania)

Gostaríamos de começar mais especificamente sobre a relação entre sociedade e espiritualidade ou a indiferença religiosa. Este será o primeiro, mas depois vamos expandir sobre temas mais específicos. Florença será a Universidade enquanto tal, depois, Barcelona, Estocolmo, Valência, Quebec, Praga e Milão. É uma espécie de calendário que continua crescendo e se ramificando e que cada vez mais torna-se setorial no diálogo entre crentes e não crentes”.

“Pátio dos Gentios”, inaugurado em Paris é um encontro internacional, uma nova estrutura para o diálogo com não crentes, que deseja ser um “espaço aberto”. Dom Ravasi disse que a Igreja Católica quer convidar os não crentes a “iniciarem uma viagem” conjunta, em busca da “verdade”, do “sentido da existência” e da “comunhão”.

O nome «Pátio dos Gentios» evoca o espaço homônimo que, no antigo Templo de Jerusalém, hospedava os não judeu

D.R. | Catedral de Notre Dame, Paris


Uma videomensagem de Bento XVI encerrou na Sexta-feira a primeira iniciativa internacional do «Pátio dos Gentios», com o Papa a desafiar os crentes e não crentes a fazerem cair as “barreiras do medo do outro”.

No momento conclusivo do lançamento desta nova estrutura do Vaticano, o Papa falou a todos os que se tinham reunido junto da catedral de Notre Dame, em Paris, sublinhando que o medo daquele que “não se parece” com cada um “nasce da ignorância mútua, do ceticismo ou da indiferença”.

“A primeira atitude ou ação que podeis fazer em conjunto é respeitar, ajudar e amar qualquer ser humano, porque é criatura de Deus e, de certa forma, uma caminho que leva até ele”, disse.

A iniciativa conclui-se no adro da catedral de Notre Dame, com uma vigília de diálogo, música e teatro, especialmente direcionada para os jovens, a quem Bento XVI desafiou a “derrubar as barreiras do medo do outro, do estranho”.

“Tornai-vos atentos para estreitar os laços com todos os jovens, sem distinção, sem esquecer os que vivem na pobreza ou na solidão, os que sofrem com o desemprego, atravessam a doença ou se sentem à margem da sociedade”, referiu.

A nova estrutura da Santa Sé para o diálogo com os não crentes incluiu, desde quinta-feira, a realização de um ciclo de três conferências sobre a relação entre a fé e a razão, com a presença de representantes da Igreja, filósofos, escritores e académicos.

“Muitos admitem que não têm religião, mas desejam um mundo novo e mais livre, mais justo e solidário. Cabe a cada um de vós, nos vossos seus países e na Europa, reencontrar o caminho do diálogo“, declarou Bento XVI aos jovens reunidos junto da catedral parisiense.

“Trata-se de construir um mundo de liberdade, igualdade e fraternidade, no qual todos se devem sentir livres e iguais no seu direito de viver a sua vida pessoal e comunitária de acordo com as próprias convicções”, acrescentou.

Bento XVI lembrou que a imagem do pátio, o átrio da igreja, “lembra o espaço aberto sobre a esplanada próxima do Templo de Jerusalém, que permitia a todos, mesmo os que não partilhavam a fé de Israel, aproximarem-se do templo e fazer perguntas sobre a religião”.

Os dois dias de conferências e celebrações em Paris tiveram como tema de fundo «Iluminismo, religiões e razão comum”, promovidos pela nova estrutura permanente de “encontro e de diálogo” entre crentes e não crentes, sob a responsabilidade do Conselho Pontifício da Cultura.

Bento XVI concluiu a sua mensagem com um convite à participação na próximo Jornada Mundial da Juventude, em Madrid (16-21 Agosto), que estendeu mesmo aos que não acreditam em Deus.

“No caminho do mundo novo que percorreis, procurai o Absoluto, procurai Deus, mesmo vós para quem Deus é o Deus desconhecido”, assinalou.

Depois da capital francesa, as actividades do «Pátio dos Gentios» vão passar por Florença (Itália), Tirana (Albânia), Estocolmo (Suécia), Berlim (Alemanha), Moscovo (Rússia), Quebeque (Canadá), Praga (República Checa), Chicago e Washington (EUA).

Fonte: Eclesia