Uma comunidade rural do sul da China está obrigando os cristãos da região a retirar das suas casas os retratos de Jesus Cristo, cruzes e outros símbolos religiosos para substituí-los por quadros com a imagem do presidente Xi Jinping. Milhares de fieis da comarca de Yugan, parte da província de Jiangxi, seguiram a ordem das autoridades locais, que fizeram ameaças de cortar os benefícios econômicos destinados aos mais pobres, informou nesta terça-feira o jornal South China Morning Post.

“Muitos camponeses são ignorantes, acreditam que Deus é seu salvador, mas depois do trabalho dos líderes se darão conta dos seus erros e verão que já não devem depender de Jesus, mas sim do Partido Comunista para a ajuda”, destacou o presidente de uma das assembleias locais, Qi Yan, em entrevista à publicação. De acordo com o oficial, mais de 1.000 retratos do presidente chinês foram distribuídos pela região, que concentra cerca de 6.000 cristãos.

Pouco mais de 10% da população de Yugan é composta de cristãos. Uma proporção similar da cidade, que conta com mais de um milhão de habitantes, vive abaixo da linha da pobreza, apontam os dados oficiais. Yan alega que o moradores não são obrigados a excluir todos os ícones religiosos de casa. “Apenas pedimos a eles para que removam a imagem do centro de seus lares”, justificou o oficial, que adicionou que “eles ainda podem exibir os símbolos em outros quartos, mas o que requisitamos é que não se esqueçam de demonstrar em suas salas principais a gentileza do Partido”.

O foco das autoridades, segundo Yan explicou ao South China Morning Post, é esclarecer as medidas tomadas pelo Partido Comunista para o progresso e ensinar “o quão preocupado Jinping está com o bem-estar da população”. “Muitas famílias mergulharam na pobreza devido a doenças na família. Alguns recorreram acreditar em Jesus para encontrar a cura”, disse o oficial, para então concluir: “Tentamos dizer que a doença é algo físico, e quem realmente pode ajudá-los é o Partido Comunista e o secretário-geral Xi”.

Estima-se que a comunidade cristã na China seja maior que o número de filiados do Partido Comunista, que conta com 90 milhões de membros em suas fileiras. Durante o regime de Xi Jinping, der alçado à posição de governante chinês mais poderoso em 40 anos no último congresso da sigla, houve um aumento da repressão do governo, fundamentado no ateísmo, contra crenças religiosas. A remoção de cruzes e outros símbolos cristão no leste do país foi acompanhada de medidas de limitação da fé islâmica no noroeste, sob a justificativa da luta contra o jihadismo.

Fonte: Veja

Autor do artigo: Pedro Henrique Alves

A origem:

Os resquícios mais longínquos desta ideologia encontram-se em Karl Marx, em seu livro (assinado por Friedrich Engels, dado à morte de Karl Marx antes do término do livro): “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (ENGELS, 2014), livro onde ele pretende explicar a origem da realidade familiar através de um viés de liberdade sexual extremada; Marx escreve este livro a partir das deduções de um antropólogo denominado na obra como: “Morgan”, da Ancient Society. Segundo o livro, nas primeiras civilizações não haviam famílias consolidadas aos moldes que hoje conhecemos, o que de fato havia era uma vida sexual sem restrições. Os homens mantinham relações sexuais com todas as mulheres da aldeia — ou tribo. Culminando que os filhos não sabiam quem eram seus pais (obviamente o filho sabia quem era sua mãe, porém, desconhecia quem era o seu pai biológico), sendo criados todos na aldeia em uma “línea igualdade”, segundo o próprio Karl Marx.

Para Marx, nesta sociedade havia uma verdadeira igualdade e justiça, sendo o “Estado” (tribo) responsável pela educação das crianças. Ainda baseado nestes estudos, Marx infere que quando o homem começa a tomar para si certa demarcação territorial, por conta da agricultura, ele encontra a necessidade de doar os frutos de seus trabalhos a alguém, que geralmente designava-se ao sexo oposto que ele desejara, criando assim o princípio do “matrimônio”. Com terras demarcadas, uma família sendo estruturada e a mulher sendo tomada como “posse” pelo homem, Karl Marx deduz que: o patrimônio (propriedade privada) é fruto do matrimônio; o matrimônio é a “base” do patrimônio para Karl Marx. Sendo assim, para Marx, se quisermos uma correta e eficiente revolução, chegando ao âmago do problema, rumando à igualdade plena, temos que destruir as raízes da propriedade privada, ou seja, o matrimônio, a família tradicional.

Após isso, muitos marxistas entenderam os apontamentos de Marx: a revolução comunista não viria por meios econômicos, mas sim por meios culturais. O primeiro, após Karl Marx, a sublinhar enigmaticamente isso foi o filósofo marxista Karl Korsch, onde, na 3ª internacional (congresso mundial sobre a filosofia marxista) de 1923, afirmou que a revolução comunista deveria atacar as “subestruturas” da propriedade privada, ou seja, o matrimônio como antes Marx havia apontado. Max Horkheimer (um dos fundadores da escola de Frankfurt) posteriormente lança um ensaio intitulado “Autoridade e Família”, em que na mesma linha de Marx e Korsch, mostra que a autoridade — o que os marxistas denominam: patriarcado — , e por consequência a posse de bens, surgem no seio familiar. Se o que se quer é desmantelar a propriedade privada, deve-se, antes, desmontar a unidade familiar, origem e sustentáculo da aristocracia capitalista — na visão comunista alinhada às últimas percepções de Karl Marx.

O desenrolar de uma ideia:

Muitos marxistas seguiram em direções contrárias às indicações deixadas nesse último livro de Marx. Optaram eles pelas revoluções armadas, tendo por foco tomarem os poderes econômicos de determinados países — o que, anteriormente, Marx havia sublinhado em seus escritos como sendo o caminho para o proletariado assumir o poder político-econômico. Isso ocorreu, principalmente, em seu livreto: “O manifesto do partido comunista” (MARX, 2012).

Entretanto, outros entenderam o que o alemão havia apontado no final de sua vida, isto é: a revolução deve vir por meio da derrubada da unidade familiar.

Entendendo isso, nasce do meio das escolas marxistas um impulso direcionado à sexualidade e à“libertação” sexual feminina; a primeira marxista determinada a angariar visibilidade e fazer uma espécie de manifesto que apontaria para uma liberdade sexual extremada, foi a feminista Kate Millet. Em seu livro: “Política Sexual” (MILLETT, 1969, 1970), ela mostra como deve ser a vida sexual libertadora de uma sociedade socialista, porém, esse livro não foi encarado com tanto louvor pela academia e sociedade, tratava-se apenas de um impulso inicial para a revolução sexual que os marxistas pretendiam. Essa obra assemelha-se mais a um manifesto do que propriamente um tratado filosófico-político.

A primeira a fazer um ensaio que despertasse seguidores e defensores, de fato, desta variável marxista foi: Shulamith Firestone, socióloga e filósofa que propôs, através de seu livro: “Dialética do Sexo”(FIRESTONE, 1970), a derrubada de todo e qualquer sistema familiar tradicional. Lutou, também, contra o pudor sexual tradicional da sociedade, que dizia ela ser um sistema de opressão contra as mulheres; Shulamith considerava que a mulher possuía um sistema opressor por natureza, isto é, seu aparelho reprodutor. Dizia ela que: libertando a mulher da sua tarefa “socialmente imposta” de reprodutora da espécie acabaríamos também com a unidade social, a família, chegando, por fim, em um oásis social libertador.

Citarei algumas frases de seu livro “Dialética do Sexo”(obra que é possível encontrar para download na internet), as citações seguintes encontram-se na conclusão do livro, onde ela faz uma síntese de suas ideias conclusivas, a ver:

“Assim, libertar as mulheres de sua biologia significaria ameaçar a unidade social, que está organizada em torno da reprodução biológica e da sujeição das mulheres ao seu destino biológico, a família. Nossa segunda exigência surgirá também como uma contestação básica à família, desta vez vista como uma unidade econômica” (FIRESTONE, 1970, p. 235. Grifos meus)

“Com isso atacamos a família numa frente dupla, contestando aquilo em torno de que ela está organizada: a reprodução das espécies pelas mulheres, e sua conseqüência [sic], a dependência física das mulheres e das crianças. Eliminar estas condições já seria suficiente para destruir a família, que produz a psicologia de poder, contudo, nós a destruiremos ainda mais” (FIRESTONE, 1970, p. 237. Grifos meus)

“A total integração das mulheres e das crianças em todos os níveis da sociedade. Todas as instituições que segregam os sexos, ou que excluem as crianças da sociedade adulta, p.ex., a escola moderna, devem ser destruídas” (FIRESTONE, 1970, p. 237. Grifos meus)

“Liberdade para todas as mulheres e crianças usarem a sua sexualidade como quiserem. Não haverá mais nenhuma razão para não ser assim” (FIRESTONE, 1970, p. 237. Grifos meus)

Além desta conhecida autora do feminismo, Firestone. Há aquela que é considerada a mãe das feministas, talvez, quase que unanimemente chamada de pilar central do feminismo, Simone de Beauvoir. Como nossa intenção não é suscitar a crença religiosa de meus leitores em minhas palavras, citarei

Simone para que vejam que minhas afirmações posteriores não serão infundadas:

“Em minha opinião, enquanto a família e o mito da família e o mito da maternidade e o instinto maternal não forem destruídos, as mulheres continuarão a ser oprimidas.” (BEAUVOIR, 1975, p. 20. Tradução livre)

Cito textualmente as palavras destas autoras, pois, como já disse, mas faço questão de reafirmar, não nutro a esperança que confiem em mim, numa espécie de fé cega. Pelo contrário, peço que todos que lerem esse artigo busquem tais referências citadas, para constatarem os fatos aqui apresentados com suas próprias conclusões.

A estratégia: Denominação do conceito Gênero.

Contudo, somente estes escritos citados anteriormente, e os apoios de nomes importantes nos meios acadêmicos e midiáticos, não foram o suficiente para diminuir o poder e a união familiar. Teriam, então, de ajustar a estratégia, mas o foco a ser atacado já estava delimitado: a família. Percebendo que a revolução não viria pelo simples ataque aberto à família, e principalmente após o fracasso das revoluções armadas do século XX, os(as) marxistas-feministas entenderam que o modus operandi da revolução era falho no seguinte ponto: a sociedade já estava profundamente enraizada em seu modelo familiar, perceberam que ela não abriria mão deste modelo a não ser que fosse convencido (doutrinado) internamente que esse modelo é ruim, falido e/ou “opressor”. Como bem sabemos, a mudança estrutural de bases acontece de dentro para fora e não de ataques externos, e qual é a forma mais basal de uma instituição? Segundo Michel Foulcaut: o discurso.

Resumindo, o que mantém uma instituição (Igreja, família, religião) firme em suas convicções são seus discursos, suas defesas conceituais. A Igreja católica manteve-se em pé, pois, seus discursos (apologias) foram mais fortes que os de seus inimigos. Na obra fictícia de George Orwell: 1984 (ORWELL, 2009), o governo totalitário — SOCING — só consegue parar os revolucionários que ameaçavam sua hegemonia quando, de forma doutrinadora, esses revolucionários ficaram convencidos que os conceitos que embasavam seus princípios, no fim, não existiam. Eles aceitam, por fim, que a contradição e a verdade são realidades conciliáveis.

Posteriormente, veremos como a contradição começará a ser aceita, também, por aqueles que defendem o gênero poliforme.

Em uma estratégia similar, os marxistas, baseando-se no pensamento do filósofo Jacques Derrida, conhecido por sua teoria desconstrucionista, montam uma verdadeira confusão conceitual partindo da palavra: “gênero”; Derrida ensina que: nenhum discurso se mantém em pé se conseguirmos desmontar seus significados originais (conceitos) através de um processo dialético de embate, ou seja, jogando palavras contra palavras até que através de uma confusão de termos os conceitos originais sejam rejeitados. Tal desconstrucionismo pode ser realizado, também, através de criação e propagação de novos termos que se pretendem afirmar, e reafirmar, uma ideia ideológica posta a priori. Lembremos do que dissemos acima: as instituições são, em suma, seus próprios discursos. Sem esses — conceitos — elas desmoronam. A estratégia, então, torna-se a desconstrução dos discursos(os conceitos, princípios e defesas) que mantêm a família em pé.

Todavia, faltava alguém que juntasse todas estas ideias expostas e as compilasse, de fato, em uma nova ideologia/doutrina, para que, enfim, a tão sonhada revolução sexual — que tem por meta a revolução política — fosse realizada. Essa pessoa foi Judith Butler. Feminista e conhecida por ser a teórica mais profunda da “teoria de gênero”, Butler, em seu livro “Problemas de gênero” (BUTLER, 2003), concebe uma interpretação da sexualidade no mínimo assustadora. Para Judith Butler devemos acabar com toda e qualquer classificação sexual, não podemos, e nem devemos, considerar que as pessoas são naturalmente homens ou mulheres, pois, para a autora, a sexualidade é totalmente arbitrária e modificável conforme o ambiente e os anseios emocionais de cada um. O que determina aquilo que somos, enquanto gênero sexual, diz Judith, são nossas vontades e desígnios psicológicos e/ou culturais. São nossas inclinações psicológicas momentâneas e os pedantes desígnios culturais que definem a que gênero pertencemos. A nossa natureza sexual nada mais é que um dos múltiplos gêneros possíveis. A essa sua doutrina denominam: “sexualismo” ou “teoria de gênero”, e as pessoas que se identificam com o sexo que naturalmente possuem (nascença) ela denomina-os: “cisgênero”. (Judith tem como base o experimento de John Money realizado na década de 60, o famoso caso Reimer. Tal fato será contado no próximo tópico, apesar de ser cronologicamente anterior a teoria de Judith. Assim o fiz, pois, considerei mais didático expor a conceituação antes do experimento prático da ideologia de gênero).

Judith Butler conseguiu implantar seus conceitos revolucionários sobre a sexualidade em um documento chamado “Princípio de Yogyakarta”, é um documento que possui estratégias de implementação e interpretação dos princípios dos direitos humanos na área de orientação sexual e identidade de gênero. No documento de 2006, no qual as ideias de Judith foram incrementadas, lê-se o seguinte no preâmbulo do texto documental referente a definição dada sobre “ideologia de gênero”: “ENTENDENDO ‘identidade de gênero’ como estando referida à experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos.” (PRINCÍPIOS, 2015, grifos meus)

Gênero, por fim, seria a definição de algo indefinível, pois, seria a relativização de um princípio que está à mercê da subjetividade temporal e arbitrária dos sentimentos pessoais de alguém; pautadas em nenhum princípio natural, advogam os defensores de tal ideologia que o sexo é relativo à psique (entenda-se sentimentos e inclinações mentais) das pessoas. Ignorando qualquer enfrentamento factual da realidade sexual biológica e genética naturalmente definida.

O experimento: O caso David Reimer — A ideologia na prática.

A ideologia de gênero já foi testada pelo psicólogo neozelandês John Money. No final da década de 60, ao chegar as mãos de John Money um caso de mutilação genital do ainda bebê Bruce Reimer, após uma operação cirúrgica desastrosa, o psicólogo decide, junto a família do garoto, que iria colocar em prática sua embrionária ideia de gêneros socialmente construídos.

Para ele a sexualidade de alguém pode ser moldada conforme a criação social que o paciente receberá. Assim sendo, se Bruce nunca soubesse que havia nascido menino supostamente ele não teria problemas em “ser mulher”. Muda-se, então, cirurgicamente o sexo de Bruce, que passa a chamar-se Brenda; Brenda (Bruce) recebe doses cavalares de hormônios femininos desde muito cedo, passa a ser criada(o) como menina, desde roupas, tratamento escolares, brinquedos e costumes. Além de métodos pedagógicos naturalmente usados com meninas, Brenda (Bruce) foi sendo doutrinada a ser mulher. Todo ano ela(e) visitava John Money em sua clínica, onde ele fazia uma verdadeira tortura psicológica no pequeno Bruce(Brenda), torturas essas que incluía abaixar suas roupas íntimas e fazê-la(o) repetir: “sou menina”. Isso foi relatado por seu irmão e seus pais para a “BBC”. Esse mesmo canal televisivo que fez um longo documentário contando toda a história de Bruce. (link do documentário nas referências)

Porém, Brenda (Bruce), não se reconhecia como menina — para a frustração de Money que já havia anunciado em vários periódicos científicos seu suposto “sucesso” no caso Brenda Reimer. Desde muito cedo Brenda (Bruce) se recusava a participar de brincadeiras femininas, suas roupas e brinquedos não as satisfaziam, tendo naturalmente atitudes masculinas. Na adolescência começou a enfrentar sérias crises psicológicas levando-a(o) à depressão e, posteriormente, a múltiplas tentativas de suicídio. Seus pais, por fim, decidem contar-lhe toda a verdade aos 14 anos, ele, sentindo-se melhor, começou a ter uma vida condizente com seu sexo biológico, agora sob o nome de David Reimer. Reconstruiu cirurgicamente seu órgão genital, chegando a se casar.

Por outro lado, em sua família os resquícios do experimento de John Money deixaram fendas profundas e irreparáveis; seu pai desenvolveu um quadro avançado de alcoolismo e depressão, seu irmão tornou-se usuário de drogas, vindo a morrer em 2002 poroverdose por alta ingestão de antidepressivos, sua mãe, com crises profundas de depressão, por inúmeras vezes tentou se suicidar. David, encontrando-se em meio a uma enorme confusão psicológica causado por anos de confusão sexual, doutrinação psicológica, aliado a um casamento conturbado dado a seus problemas na infância, em 2004 suicidou-se em uma mercearia perto de sua residência com um tiro na cabeça.

Em uma entrevista à BBC de Londres ele afirma:

“Eu não sou um professor de nada, mas você não acorda uma manhã decidindo se é menino ou menina, você apenas sabe”. (DR, 2015)

Conclusão:

Temos dois grandes tópicos a serem avaliados. Primeiro, a conceituação. A “mãe” da ideologia de gênero, Judith Butler, define “gênero” como sendo uma escolha singular e arbitrária de uma pessoa, referente a sua sexualidade. Escolha essa que é definida tão somente pela própria pessoa. Essa escolha de gênero sexual se torna uma verdade irrefutável após alguém defini-la como sendo “verdade”, apesar de sê-la totalmente relativa às vontades e anseios passageiros. Sendo assim, a “verdade” e a sexualidade de alguém está a mercê de suas intempéries emocionais.

Poderá, então, a partir da ideologia de gênero, uma pessoa que passou quarenta anos de sua vida sendo homem, em um belo dia acordar “sentindo-se mulher” e, assim, todo seu passado masculino será apagado, e, a partir daquele momento, torna-se-á mulher? Pois, a este nome: “mulher” não haveria mais nenhuma ligação biológica e natural que a desse firmeza de conceituação essencial, haveria apenas escolhas sentimentais arbitrárias de cada indivíduo.

Esta parte do texto pode parecer empolado, mas não por mea culpa, a própria conceituação assim o é. A própria definição de gênero dada por Butler carece de lógica estrutural, sendo assim, como responsabilizar-me-ei por não ser claro na explicação de uma ideia que não possui clareza?

Segundo o experimento factual da ideologia de gênero: o caso de David Reimer, que é, por si, autodeterminante para tais considerações, tal definição defendida por Butler é uma verdadeira tolice com aparência de sapiência.

O caso de David Reimer acabou sendo um grande revés aos que apoiaram e ainda apoiam tal ideologia; o caso tornou-se a prova factual de que esta ideologia é profundamente falha. Muitas feministas e apoiadores dessa causa afirmam que há inúmeros erros neste caso de David Reimer, mas nunca conseguiram, satisfatoriamente, mostrar onde se errou ou como poderia ter sido diferente. Não podemos negar que John Money foi competente em colocar as premissas daquilo que ele acreditou ser a “teoria de gênero”, ou seja: a “mobilidade” sexual humana estruturada numa criação cultural determinada. Mesmo que, após a conclusão das premissas, a teoria tenha se mostrado um fracasso retumbante, os seus partidários mantém-se relutante ao negar o óbvio: a teoria de gênero, na prática, falhou e falhou muito.

David Reimer foi, de fato, a prova do fracasso desta ideologia, além, é claro, da própria lógica e da genética que comprovam 100% a irresponsabilidade científica e a irracionalidade dessa teoria. Não há outra constatação possível a não ser que essa “teoria de gênero” seja apenas um novo modus operandi para uma revolução política e cultural. Visando, é claro, a hegemonia da ideologia comunista — como no início mostramos. Como bem previu Karl Marx, derrubando o pudor sexual ,e, posteriormente a família, a sociedade tenderia a ficar maleável aos quereres ideológicos de qualquer revolucionário.

Para os que me chamarão de conspirador, lunático ou apocalíptico, apenas deixo-vos com os estudos, aprofundamentos, referências e o sincero desejo de que busquem a verdade por trás dos acalorados “vitimismos”. Gritos histéricos e discursos emocionais decorados deviam ser ignorados, já que tal teoria se pretende a cientificidade. Não peço, de forma alguma, que acreditem em mim ou que encare esse texto como um dogma, desejo apenas que busquem com sinceridade e imparcialidade a origem dessa ideia que aqui tratamos. Busquem as fontes, questionem-se: de onde emanam tais ideias?

Por fim, como é de praxe em meus textos, o desafio continua. Você que duvida que o feminismo quer uma revolução comunista e que a causa feminista seja apenas o meio para outros fins, desafio a irem em algum congresso feminista ou socialista e erguerem um cartaz com a seguinte escrita: “Sou feminista, mas não socialista (ou comunista)”. Depois venha aqui nos contar sua aventura!

Para finalizar, dou voz a David Reimer:

“Você vai sempre encontrar pessoas que vão dizer: bem, o caso do David Reimer podia ter tido sucesso. Eu sou a prova viva, e se você não vai tomar minha palavra como testemunho, por eu ter passado por isso, quem mais você vai ouvir?” (DR, 2015)

Referências:

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 10ª Ed. Rio de janeiro: Civilização brasileira, 2003

DR Money andthe Boy with No Penis. BBC: London, 2010. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/sn/tvradio/programmes/horizon/dr_money_qa.shtml. Acesso em: 22/07/2014.

ENGELS, Frederich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 1ª ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2014.

FIRESTONE, Shulamith. A dialética do sexo: um estudo da revolução feminista. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976. Edição original: 1970.

MARX, Karl; ENGELS, Friederich. O manifesto do partido comunista, 1ª ed. São Paulo: Companhia da letras & Penguin, 2012.

MILLETT, Kate. Política sexual, 1ª ed. Lisboa: Dom Quixote, 1969, 1970. ORWELL, George. 1984, 1ª Ed. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

PRINCÍPIOS de Yogyakarta: sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Disponível em: http://www.clam.org.br/pdf/principios_de_yogyakarta.pdf . Acesso em: 22/07/2015

Simone de Beauvoir, “Sex, Society and the Female Dilemma — A Dialogue between Simone de Beauvoir and Betty Friedan”, Saturday Review, 14.06.1975, p. 20.

(Vídeo do documentário de Bruce Reimer) — Dr Money e o Menino Sem Pênis — Documentário — https://www.youtube.com/watch?v=zrMY_bH5QAg

© obvious: http://obviousmag.org/do_contra/2016/02/ideologia-de-genero-eu-te-explico.html#ixzz4wo4T4SdD 
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook

5
Reflexões acerca da bioética como instrumento de engenharia social


Em recente artigo  
publicado no Academia Médica, tratei acerca do aspecto de poder cultural ligado à Bioética. Neste, analiso algumas consequências e exemplos dessa realidade.
O discurso padrão nos informa que os jovens das décadas de 60 e 70, fomentados pela ideologia trazida pela famigerada Escola de Frankfurt, se ergueram contra as convenções, contra as tradições e contra o elitismo.

Nesse contexto surgiu a Bioética, justificada pelo anseio de democratizar o debate em saúde.
 
Segundo reza a lenda corrente na academia, deveríamos ter um debate de amplo acesso, diferente do debate enclausurado, elitista e opressor dos médicos, trancafiados em suas torres de marfim com seus códigos exclusivistas e seu Juramento antiquado e ineficaz para nos proteger de abusos horrendos.
 
O livro de Bioética mais lido no mundo inteiro, por exemplo, já começa anunciado placidamente, inexoravelmente, a derrota da moralidade hipocrática da medicina e a necessidade incontornável da adoção da nova Bioética. É o famigerado Mantra de Georgetown.[1]
 
Em todo esse cenário, parcialmente verdadeiro e, portanto, verossímil, há diversas mistificações e torções exageradas da realidade.
 
Não duvido que na raiz da Bioética estava o desejo saudável de transdisciplinaridade. Acredito sinceramente que os melhores bioeticistas ainda anseiam pelo contato com outras mentes e corações apaixonados pela vida humana, e querem realmente abrir o debate sincero em busca do melhor. Mas ao mesmo tempo vejo diversos estudiosos da Bioética que estão claramente dispostos a utilizá-la como arma de combate cultural, como instrumento de engenharia social e até mesmo de opressão contra discordantes.[2]
 
Quero convidar o leitor à reflexão acerca de quais usos tem sido atribuídos à Bioética em nossos dias.
 
Embora os médicos sejam acusados de paternalistas e elitistas, não é totalmente certo dizer que a ética denominada profissional é inadequada por não representar a sociedade. Médicos, enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas, entre tantos outros, são membros da sociedade e representam-na, acreditados como profissionais, em seus grêmios.
 
Mas é óbvio que, ao mesmo tempo, há que se buscar uma harmonia saudável entre os valores gerais da sociedade e os valores específicos de seus habitantes especializados em determinada área, neste caso a da saúde. É no mínimo suspeito ser instaurada uma medicina abortista num país cristão que é maciçamente contra o aborto, como está para acontecer no Brasil.
 
De certa forma, o debate democratizou, mas talvez não da forma que os mais otimistas esperavam.
 
Ao invés da participação da sociedade brasileira, muitas vezes observo a ingerência externa e a participação de agências e instituições internacionais totalmente contrárias aos valores brasileiros.[3]
 
É inegável que, hoje, profissionais de diversos ramos discutem assuntos arcanos onde antes médicos e enfermeiros dominavam. Porém, os assuntos ainda permanecem arcanos, dominados por “magos” diferentes.
 
Os temas especializados da Bioética ainda habitam o interior de suas torres de marfim e repetidamente revelam estar muito longe dos valores do público e de seu escrutínio.
 
Alguns bioeticistas, filósofos e formuladores de políticas públicas parecem repudiar o contato com a “plebe”. Plebe, esta, repleta daquilo que a Organização das Nações Unidas, por meio da UNESCO, chama de preconceitos familiares, isto é, religião e tradições herdadas.[4]
 
Descobri que a Bioética não era tão aberta quanto eu imaginava há algum tempo, quando encontrei o artigo que defendia chamar o assassinato de bebês pelo nome de Aborto Pós-Nascimento. Deparei-me com o artigo quase que aleatoriamente, ao passear pelo conteúdo do Journal of Medical Ethics. Levei-o ao Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina para discutir com os alunos e a reação foi quase que unânime: todos estavam chocados em saber como algo tão monstruoso quanto o homicídio infantil fora discutido de forma tão corriqueira, tão vã, no meio acadêmico especializado da Bioética.[5]
 
A reação na mídia também veio. Pessoas liam horrorizadas o que respeitáveis senhores e senhoras discutiam de cima de suas cátedras, com palavras elegantes e conceitos rigorosos. Era uma obscenidade, mas era uma obscenidade elegante e lógica, entenda bem.
 
Do outro lado, editores e pesquisadores reclamaram da violência verbal daqueles “populares” que leram o artigo e responderam horrorizados à proposta ali contida: matar bebês.
 
Eram os terríveis “reacionários incultos” que se erguiam escandalizados para censurar o debate iluminado dos acadêmicos.
 
De um lado havia o choque à sensibilidade moral de milhões de pessoas que mal podiam acreditar no que se propagava num respeitado periódico de ética médica e que reagiam com acusações verbais altamente agressivas; porém, do outro, estava uma elegante e erudita elite universitária que propunha, com termos mui chiques e técnicos – é tudo lógica, afinal – o extermínio de vidas humanas negando-lhes a condição de pessoa digna.
 
E isso chamou minha atenção.
 
Vive-se uma guerra cultural, isto não é novidade.
 
Mas o curioso é que de um lado está a elite política, a elite empresarial e a elite midiática com suas tropas de choque: artistas, professores, repórteres e cantores. Também desse lado está boa parte da elite universitária mundial. Uma privilegiada minoria, sem dúvida. Seus valores, de regra, são justamente o contrário do que o povo brasileiro maciçamente defende.
 
O povo é contra o aborto? Reúna atores e cantores para convencer a turba acéfala – ou assim devem achar ao querer manipular a massa de forma tão tosca – de que matar fetos e bebês é a coisa mais linda e progressista do universo.
 

O povo é religioso? Contrate milhares de professores para ensiná-los que esse negócio de religião é “coisa do capeta” ou, na melhor das hipóteses, é só uma superstição boba de gente burra.
 
O povo gosta de uma vida pacífica, ordeira e segura? Convença-os de que isso é coisa de burguês acomodado, e que o bom mesmo é exaltar a marginalidade, como Herbert Marcuse já ensinou quando percebeu que os proletários estavam enriquecendo e virando burgueses.
 
A atual elite que se diz progressista e seus aliados complacentes, interessados mesmo é na grana dos pagadores de impostos, estão aí para ensinar os jovens a rebelarem-se contra os valores de suas famílias, enquanto os domesticam e os preparam a entregar toda sua moral e sua cosmovisão aos iluminados que nunca os viram, ou, se os viram, pouco se importam com seu destino.
 
A Bioética, nesse contexto de elite praticante da ardilosa engenharia social, tocando ao som dos conselhos maquiavélicos de Gramsci, é mais uma arma do que um canal pelo qual a voz do povo pode se manifestar.
 
Se determinada escola de bioética convence as pessoas de certos interesses, de certas necessidades de mudanças sociais, a bioética é boa, é excelente, é maravilhosa. Se não, o povo é que é retrógrado e precisa de mais doses de bioética, intratecais, quem sabe?
 
Mas o que defendo é o seguinte: o povo deve ter acesso à ética médica e à bioética, e estas devem respeitar os valores do povo que as suporta, ao invés de ansiar por uma tosca e desrespeitosa engenharia social. Defender isso não é desestimular o debate, pelo contrário, é respeitar a bioética que respeita os valores do povo e colocar todos os conflitos às claras. O que vejo muitas vezes é a supressão daqueles que discordam de determinada elite.
 
Só para citar um breve exemplo, fui testemunha pessoal do bloqueio autoritário da participação de um filósofo num evento de Direitos Humanos por causa de seu espectro político de direita. Veja bem, debate só parece ser bom para essas mentes tacanhas quando os dois lados concordam.
 
E cabe lembrar, aqui no fim, que há muitas bioéticas, e várias respeitam os valores do povo brasileiro sim.
 
O que não suporto é a bioética ideológica da torre de marfim (ou de rubi, no caso do Brasil), que ao chocar o cidadão comum com seu sangrento pensamento de vanguarda, ataca a moralidade alheia com a pose de iluminada ditadora de parâmetros civilizacionais e guia confiável do povo, suprimindo outras visões e utilizando rótulos odiosos.
 
Não posso concordar com a utilização de jovens médicos como bucha de canhão e massa de manobra para o ataque aos valores da sociedade no contexto de guerra cultural em que vivemos.
 
Podem discordar dos valores que eu defendo, e é claro que muitos discordam. Mas que o façam conscientes de seus atos e de suas influências ideológicas, em respeito à própria integridade e à sanidade, e que não tenham a ousadia irresponsável de silenciar um dos lados e chamar isso de debate.

Notas:

[1] BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics, Seventh Edition. New York: Oxford University Press, 2013, p. 1.

[2] Exemplos bem conhecidos são os dos bioeticistas internacionalmente famosos, como Giani Vattimo e Julian Savulescu que defendem ser obrigatório para um médico realizar o aborto, independente de seus valores pessoais, e Udo Schüklenk, que escreve contra a objeção de consciência de médicos canadenses que não desejam praticar a eutanásia.
 

[3] A Organização Mundial da Saúde, claramente favorável ao projeto abortista em países “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, distribui material educativo e pressiona diversos países com sua agenda ideológica específica.

[4] Como denunciado por Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel Pedagogo. BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo. Campinas: Vide Editorial, 2010.
[5] GIUBILINI, Alberto; MINERVA, Francesca. After-birth abortion: why should the baby live? Journal of Medical Ethics, (2012). doi:10.1136/medethics-2011-100411 Internet,http://jme.bmj.com/content/early/2012/03/01/medethics-2011-100411.full.pdf+html

Hélio Angotti Neto é coordenador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina e autor do livro A Morte da Medicina

www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br

 

flag-742573_960_720-740x493

“A melhor forma dos cristãos se posicionarem diante dos protestos anti-governo é rejeitando o marxismo cultural”, afirmou a ZENIT o nosso colaborador, o Dr. Ivanaldo Santos (ivanaldosantos@yahoo.com.br), filósofo, escritor e professor universitário. Acompanhe essa conversa abaixo sobre Antonio Gramsci e a atual crise brasileira.

***

Quem foi o filósofo Antonio Gramsci (1891-1937) e qual a importa da teoria da hegemonia política e cultural?

Ivanaldo Santos: Ele foi membro-fundador e secretário geral do Partido Comunista da Itália (PCI), foi perseguido e preso durante o regime fascista, na Itália, na década de 1930. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde Antonio Gramsci é apresentado como um teórico da democracia. Em muitos países ele é visto como um teórico do autoritarismo, mas não do autoritarismo militar representa pelo fascismo, pelo nazismo e pelo regime socialista de Stalin na Rússia. A tese de Gramsci é que o partido, nesse caso o partido socialista-marxista, fracassará na tomada do poder se insistir apenas na via militar. Segundo ele, é necessário estabelecer a hegemonia político-cultural dentro da sociedade. Por hegemonia deve-se entender a predominância das ideias marxistas dentro da política, da cultura, das escolas e em outros espaços sociais. Essa é uma perspectiva autoritária, pois, numa sociedade livre e democrática, não deve haver uma hegemonia, mas sim uma pluralidade de grupos, de ideias e pensamentos. O conceito de hegemonia é adotado por vários grupos e partidos políticos e perigosamente vem vendo colocado em prática em muitos países.

Explique o conceito de infiltração cultural de Antonio Gramsci.

Ivanaldo Santos: Trata-se de um dos mais complexos e importantes conceitos do século XX. Para Gramsci a revolução socialista só terá pleno êxito se conseguir controlar o que, em sua opinião, são as principais estruturas culturais da sociedade ocidental. Entre essas estruturas cita-se: a Igreja, escola e universidade, e o sistema de produção e divulgação cultural (arte e artistas, música, cinema, livros, editoras, canais de rádio e TV, etc). Para isso acontecer é necessário lentamente “infiltrar”, colocar pessoas de confiança da ideologia marxista dentro dessas estruturas sociais para, lentamente, encherem essas estruturas com ideias, valores e com a ideologia marxista.

Na prática, o conceito de infiltração cultural de Gramsci não passa de uma sofisticada lavagem cerebral. A escola e a universidade é um exemplo clássico do sucesso da estratégia de infiltração gramsciana. No Brasil, nos últimos 50 ou 60 anos constantemente esses espaços de educação foram sendo lentamente preenchidos com professores, diretores, livros, cartilhas e todo tipo de material didático ligado à ideologia marxista. Ao ponto de chegarmos, ao século XXI, com um grande número de universidades públicas sendo aparelhadas por partidos e grupos marxistas, fazendo abertamente campanhas políticas para candidatos e presidentes da república que seguem a ideologia marxista. Sem contar que em grande número de escolas no Brasil os livros, as propostas de ensino são voltadas, quase que unicamente, para a ideologia marxista.

Qual a relação das ideias e do conceito de marxismo cultural, oriundo de Gramsci, com o povo e a cultura popular?

Ivanaldo Santos: As ideias de Gramsci são autoritárias. Isso acontece porque, entre outras coisas, ele deseja, seguindo Karl Max, abolir os principais pilares da sociedade ocidental, incluindo a família e o cristianismo. No lugar desses pilares, o marxismo cultural propõe colocar “novos valores” ligados com o estilo de vida de algumas minorias. Entre esses “novos valores” cita-se: o aborto, a legalização das drogas ilegais, o fim da família e o indivíduo ter como único ponto de apoio o Estado. Em grande medida, o marxismo cultural representa uma ditadura de algumas minorias que desejam impor a grande sociedade, as maiorias desorganizadas, seu estilo de vida.

Existe alguma relação entre a onda de protestos anti-governo, que atualmente varre o Brasil, e as ideias de Gramsci?

Ivanaldo Santos: Sim, é possível se traçar um paralelo entre esses dois acontecimentos. O Brasil foi um dos países onde as ideias de Gramsci foram largamente colocadas em práticas. A infiltração cultural foi fortemente praticada dentro de escolas, universidades, no meio cultural e até mesmo dentro da Igreja. Nas últimas décadas se investiu muito na formação do “indivíduo marxista”, um tipo de indivíduo que só conhece os ideais marxistas, que anda na rua usando símbolos socialistas, que não crer na família, nos valores cristãos e em outros valores. O surpreendente é que a onda de manifestações anti-governo, manifestações não previstas pelo gramscismo, muito mais do que o Movimento das Diretas Já (1983-1984) e do Movimento Cara Pintada (1992), trouxeram a toma os valores rejeitados pelo marxismo cultural. Valores, por exemplo, da pátria, da família, do casamento, da natalidade, da fé e do cristianismo. Depois de décadas de domínio do marxismo cultural, vê-se nas ruas do Brasil multidões cantando o hino nacional, segurando a bandeira do Brasil e até mesmo o estandarte de Nossa Senhora e do Sagrado Coração de Jesus. Em muitos aspectos, a atual onda de protestos anti-governo é uma reação inconsciente contra o marxismo cultural, é o Brasil profundo, o Brasil real e vertical que está se insurgindo contra a tirania de uma minoria que se autoproclama de esclarecida, é uma luta contra o novo Illuminati.

Como os cristãos podem se posicionar diante da atual onda de protestos anti-governo?

Ivanaldo Santos: Inicialmente, é necessário esclarecer que o Brasil é em essência uma nação cristã, trata-se da Terra da Santa Cruz. De um lado, a melhor forma dos cristãos se posicionarem diante dos protestos anti-governo é rejeitando o marxismo cultural e, por isso, fazendo um caminho de volta para o Evangelho, para a Tradição e para a Doutrina da Igreja. Do outro lado, os cristãos devem ser uma força consciente no intuito de conduzir o país a estabelecer um novo governo, um governo que não esteja comprometido em destruir a família, mas sim em conduzir o país a um caminho de inclusão social, estabilidade política e de prosperidade econômica.

Beauvoir-Sartre-Che-Guevara-1960-Cuba-750x420

Que trio! Simone, Sartre e “Che”. A imagem diz tudo.

chesartre

Conforme os setores não feministas da sociedade vão se tornando cada vez mais expressivos e claros, os setores ainda não conscientes da natureza venenosa dessa ideologia reagem com um conjunto de argumentos que apenas revelam que a realidade factual não é ainda inteiramente conhecida pelo público.

Algum tempo atrás, um grupo de feministas de cafeteria tentava me convencer que o feminismo não é tão mau quanto eu digo que é e que se eu apenas lesse mais sobre feminismo, eu eventualmente entenderia. Como um exemplo para apoiar essa tese, as citadas feministas me recomendaram que lesse os escritos de Simone de Beauvoir, a Marxista-feminista conhecida por seu livro O Segundo Sexo. Naturalmente aquelas feministas foram incapazes de conceber que alguém tivesse levado sua ideologia a sério o suficiente para ler sua literatura e então, racionalmente, acabar por rejeitá-la. Como para qualquer outro culto, tal coisa é inconcebível para os verdadeiros crentes da seita.

No cabeçalho desta postagem, uma série de alegações foi feita sobre a eminente feminista e é justo que se apresentem provas – o que é exatamente o que será feito nas linhas a seguir.

Entre 1943 e 1944, quando a França estava sob ocupação nazista, Simone de Beauvoir trabalhou como diretora de sonografia para a Rádio Vichy.1  Radio Vichy era a estação de rádio estatal na assim chamadazone libre (zona livre) da França, após a capitulação da República Francesa diante da Alemanha nazista em 1940. Dizemos “assim chamada” porque o regime de Vichy, embora teoricamente neutro do ponto de vista militar, era de fato um colaborador ativo do regime nazista2 e hoje é fato reconhecido por todos os lados envolvidos que a Rádio Vichy era porta-voz de fato da propaganda nazista nas ondas de rádio francesas.

Defensores de Beauvoir podem dizer que ela foi obrigada pelas circunstâncias a trabalhar lá, assim como muitos indivíduos agora alegam ter sido forçados a colaborar com a “Securitate” durante o regime comunista. Mas os manuscritos de Beauvoir durante o período, revelados posteriormente, contam uma história diferente.

Mesmo autores feministas, como a Dra. Ingrid Galster, que dedicou anos de sua vida a estudar Simone de Beauvoir, têm que admitir, mesmo a contragosto, que a atitude manifesta por Beauvoir como diretora de sonografia na máquina de propaganda nazista era, no mínimo, de colaboracionismo sutil3 e a forma pela qual ela chegou àquele trabalho não foi via coerção – mas sim por uma escolha perfeitamente consciente. Beauvoir já era membro do sindicato de funcionários públicos e poderia ter optado por trabalhar numa prefeitura, por exemplo. Mas ela tinha que escolher trabalhar em algo que não fosse ensinar, pois sua carreira como professora estava encerrada – apesar de já ter as qualificações e o prestígio necessário para ensinar, dado que ela tinha tido o segundo melhor desempenho como estudante de doutorado em sua geração, ficando apenas atrás de seu amante de toda a vida, Jean-Paul Sartre.4

A razão pela qual ela não podia mais lecionar está relacionada exatamente à pedofilia e a Sartre. Em 1943, Simone de Beauvoir foi demitida por comportamento que levara a corrupção de menor.5

Novamente, os apologistas de Beauvoir poderão apressar-se em dizer que o momento em 1943 foi um incidente singular ou, como já me disseram, um incidente simplesmente inventado pelos nazistas que não podiam suportá-la após entenderam que ela uma mulher marxista independente e empoderada. Mas isso está longe da verdade.

O interesse sexual de Beauvoir por crianças é um tema recorrente em toda sua vida. Ela estava entre os primeiros filósofos que tentaram unificar o gênero literário que se iniciou nos anos 1930 (e durou até os anos 1980 na Europa Ocidental) chamado pedofilia pedagógica feminina.6 Ela tentou essa unificação com seu ensaio “Brigitte Bardot e a Síndrome de Lolita”, publicada pela primeira vez na revista Esquire em 1959 e republicada várias vezes até meados dos anos 1970. Nesse ensaio, Beauvoir glorifica Brigitte Bardot por seu aspecto físico infantil, que retém a perfeita inocência inerente no mito da infância e então a apresenta como uma Houdini para meninas, que as liberaria e empoderaria para além das correntes que as subjugavam.7, 8

O ensaio de 1959 foi só o começo. Em 1977, Beauvoir, juntamente com a maior parte intelligentsia marxista francesa, assinou uma petição exigindo nada mais, nada menos que a legalização da pedofilia e a libertação imediata de três indivíduos condenados a cumprir longas sentenças de prisão por explorar sexualmente vários meninos e meninas com idades entre 11 e 14 anos. A petição assinada por Beauvoir e Sartre, entre outros, foi publicada no Le Monde e dizia, entre outras coisas:9

Um tempo tão longo de prisão para investigar um simples caso “vicioso” em que as crianças não foram vítimas de qualquer violência, mas ao contrário, testemunharam perante os magistrados que consentiram – embora a lei atualmente negue-lhes o direito de consentir – um tempo tão longo na prisão nós consideramos escandaloso em si. Hoje eles estão em risco de ser sentenciados a uma longa pena de prisão, por terem tido relações sexuais com menores, tanto meninos quanto meninas, ou por terem encorajado e tirado fotografias de suas brincadeiras sexuais. Nós acreditamos que há uma incongruência entre a designação como “crime”, que serve para legitimar tal severidade, e os fatos próprios; mais ainda entre a lei antiquada e a realidade cotidiana em uma sociedade que tende a conhecer sobre a sexualidade de crianças e adolescentes […].

Assim, na opinião de Beauvoir, crianças de 11 anos na França do final dos anos 1970 tendiam a ser seres sexuais. Desde que a puberdade não acontecia e até hoje ainda não ocorre naquela idade para a grande maioria das crianças, é condizente nomear a defesa feita por Beauvoir como nada além de uma advocacia da pedofilia, a despeito da definição escolhida para a palavra.

A petição de 1977 deflagrou toda uma discussão em nível da sociedade na França sobre as leis relativas à idade do consentimento, uma discussão em que os abolicionistas (entre os quais Beauvoir e seu amante) se uniram no Front de libération des Pédophiles (FLIP – a Frente de Liberação dos Pedófilos) e as intenções dos membros da FLIP eram explicadas claramente por eles próprios na discussão transmitida em abril de 1978 pela Radio France Culture.10 A FLIP seria lembrada como uma pioneira no movimento dos pedófilos franceses, embora a organização em si não tenha durado muito devido a suas discordâncias internas.11

Além de Beauvoir e Sartre, houve outras pessoas envolvidas na advocacia da pedofilia naquele período, inclusive pessoas que então acabaram por liderar os destinos da França – a exemplo de Bernard Kouchner e Jack Lang, respectivamente o Ministro da Saúde e o Ministro da Educação (!) no início dos anos 2000, no primeiro mandato de Jacques Chirac.12

Tudo isso torna Beauvoir não apenas uma apologia da pedofilia, mas uma apoiadora atuante. Porém, o que faz dela uma abusadora é sua atividade de recrutar alunas, abusando-as e passando-as para Jean-Paul Sartre, às vezes separadamente, às vezes em ménage à trois integrado. O Telegraph escreve, numa crítica do livro de Carole Seymour-Jones, Simone de Beauvoir? Meet Jean-Paul Sartre (“Simone de Beauvoir? Conheça Jean-Paul Sartre”), um livro dedicado a analisar o relacionamento de Beauvoir com Sartre, o seguinte:13

Por longos períodos, o casal se tornou um “trio”, embora os arranjos raramente funcionassem bem para a terceira parte envolvida: ao menos duas das ex-alunas de Beauvoir se viram a tornar-se primeiro suas amantes, então de Sartre, apenas para o casal fechar-lhes as portas, quando a diversão perdia a graça.[…]

Para Seymour-Jones, os casos de Beauvoir com suas estudantes não eram lésbicos, mas pedófilos em origem: ela as estava “preparando” para Sartre, na forma de “abuso infantil”.

Para Beauvoir (assim como para Sartre), a idade não importava, contanto que as parceiras fossem mais jovens do que ela e Sartre.14 A possibilidade de que as outras pudessem se ferir ou ser exploradas não passava nem remotamente pelo radar da eminente feminista, que pensava que “preparar” garotas para Sartre lhes tirar a virgindade (palavras de Sartre, não minhas) era em si e por si um ato de empoderamento sexual para aquelas meninas.

Mas se as escapadas com sabor de nazismo e pedofilia não convencem você do caráter questionável de Beauvoir, vamos dar uma olhada em seus escritos feministas, que estão tão repletos de misoginia que é difícil encontrar equivalente em outros setores da sociedade. Este aspecto por si não é surpreendente, visto que feminismo é em si uma ideologia misógina. Mas, não vamos tergiversar.

O livro de cabeceira de Beauvoir, O Segundo Sexo, considerado por feministas contemporâneas “notavelmente atual” – tinha o seguinte a dizer sobre mulheres casadas:15

A esposa se alimenta dele como um parasita; mas um parasita não é um mestre triunfante.

Mais de um quarto de século depois, em 1975, em um diálogo com outra feminista, Betty Friedan, Beauvoir esclareceria sua posição além de qualquer dúvida razoável. Em uma discussão sobre a forma de compensar as mães que ficam em casa e cuidam de crianças, Beauvoir respondeu de forma inequívoca:16

Não, nós não cremos que qualquer mulher deva ter essa escolha. Nenhuma mulher deveria ser autorizada a ficar em casa para criar crianças. A Sociedade deveria ser totalmente diferente. As mulheres não deveriam ter essa escolha, exatamente porque se houver tal opção, mulheres demais irão fazê-la. É uma forma de forçar as mulheres em uma certa direção.

Está claro? Na visão da eminente feminista, as mulheres são um monte de criaturas inertes, incapazes de escolher o que é bom para elas como adultos responsáveis. De fato, ninguém além de Simone de Beauvoir e sua ideologia marxista-feminista sabem o que é melhor para as mulheres. Portanto, nenhuma mulher deveria ser autorizada a escolher qualquer coisa que contrarie Beauvoir.

No mesmo diálogo, ela é ainda mais clara:17

Em minha opinião, enquanto a família e o mito da família e o mito da maternidade e o instinto maternal não forem destruídos, as mulheres continuarão a ser oprimidas.

Realmente o ódio de Beauvoir em relação à maternidade e às mães em geral é muito óbvio ao longo de todo o seu livro. Vejamos alguns exemplos:

A maternidade relega a mulher a uma existência sedentária; é natural para ela ficar em casa enquanto os homens caçam, pescam e vão à guerra.18

[A mãe] é planta e animal, uma coleção de coloides, uma incubadora, um ovo; ela assusta as crianças que estão envolvidas com seus próprios corpos e provoca risos disfarçados de homens jovens, porque ela é um ser humano, consciência e liberdade, que se tornou um instrumento passivo da vida.19

E quando essa importante feminista começou a atacar os corpos das mulheres, ninguém a pôde parar:

A atitude física evocada pela servidão menstrual constitui um pesado aleijamento.

[…] o corpo de uma mulher – e especificamente uma menina – é um corpo “histérico” no sentido de que não há, por assim dizer, distância alguma entre a vida física e sua realização fisiológica. O turbilhão trazido pela descoberta, pela menina, dos problemas da puberdade, as exacerba. Porque seu corpo é suspeito para ela, ela o escrutina com ansiedade e o vê como doente: ele é doente.20

As glândulas mamárias que se desenvolvem na puberdade não têm papel na economia individual da mulher: elas podem ser removidas a qualquer momento em sua vida.21

Beauvoir então passa a explicar em seu livro como é maligna e opressiva a família para o desenvolvimento de uma menina. Se o pai tem a audácia de ter orgulho e reconhecimento pelos sucessos de sua filha, isso é outra evidência da opressão e imposição de vassalagem para a filha em relação ao pai.22 Mas se os pais são relativamente poupados, as mães que ousam disciplinar suas filhas têm uma reprovação pior ainda da renomada feminista:

As mães – veremos – são cegamente hostis ao liberar suas filhas e, mais ou menos deliberadamente, atuam em persegui-las ainda mais; para o menino adolescente, o esforço para se tornar um homem é respeitado e ele já recebe grande liberdade. A menina é obrigada a ficar em casa; suas atividades externas são monitoradas.23

Então, está claro? O fato de que alguns pais e mães não deixavam suas filhas saírem após certos horários na França ocupada por nazistas no meio da Segunda Guerra Mundial constitui opressão. E tenha em mente que Beauvoir minimiza este aspecto – sobre o qual ficam sérias dúvidas de que era generalizado – enquanto meninos de 13 e 14 anos estavam lutando na guerra,24 inclusive para mantê-la a salvo para poder escrever sua infame “filosofia” e produzir propaganda para o regime nazista – um regime que também mantinha meninos de 14 e 15 anos de idade em suas tropas.25 Fico quase tentado a dizer que ela deveria ter reconhecido seus privilégios. Mas não vou dizer.

A hipocrisia dessa mulher é fascinante em termos de estudo e revoltante ao mesmo tempo. Simone de Beauvoir, venerada até hoje como um grande ícone do “bom” feminismo dos anos 1960 e estudada nos “diálogos feministas” da Escola Nacional de Ciência Política e Administração Pública de Bucareste, defendeu com grande fervor o regime revolucionário de Ioseb Dzhugashvili (também chamado de Iosif Vissarionovich Stalin) até muito tempo após os horrores do Stalinismo terem se tornado conhecidos na Europa Ocidental.

Em outras palavras, enquanto tantos romenos deixados na URSS estavam sendo deportados para os Gulags, enquanto a elite intelectual do meu país estava sendo dizimada em campos de concentração como Râmnicu Sărat, Pitești ou Aiud e enquanto até mesmo meninos de 12 anos eram torturados em prisões comunistas por conspiração contra a ordem socialista,26 Simone de Beauvoir publicava O Segundo Sexo em que ela explicava como a liberação das mulheres estava intimamente relacionada ao destino do socialismo27 – ao mesmo tempo negando veementemente, juntamente com seu parceiro, as atrocidades stalinistas que ocorriam naquele mesmo momento. E nós, pagadores de impostos romenos, agora pagamos para estudantes irem àquela Escola de Ciência Política e Administração Pública e estudar essa pessoa desprezível, como se ela fosse alguém a se admirar. Bom, esse é um exemplo real de misoginia patrocinada pelo Estado! Mas eu tenho a impressão de que a elite feminista sente-se muito confortável com isso.

Prezadas feministas de cafeteria, se vocês nos recomendam ler Simone de Beauvoir como um exemplo de feminista “do bem”, então vocês ou não a leram e a estão mencionando apenas para parecer cultas, ou, ao contrário, vocês a leram e concordam com o que ela defendeu e nesse caso, qualquer ser humano normal e não feminista teria que ser, no mínimo do mínimo, insano, para acreditar que vocês têm as melhores intenções em mente.

A ousadia com que Beauvoir propõe nada menos que a proibição sumária de certas escolhas para mulheres por essas escolhas não caberem em sua linha ideológica é o exemplo absoluto de utopia doentia para quem água quente é um conceito novo e para quem o planeta gira em torno dela. E se não girar assim, então há um problema com o planeta e ele deve ser proibido. A verdade deve ser proibida se ela for “incorreta”.

Se essas feministas fossem realmente sinceras quando dizem que querem combater a misoginia e ampliar o espectro de escolhas para as mulheres, então começariam por jogar na lata de lixo da História todo o arsenal ideológico vindo de Simone de Beauvoir. Mas, não fazem isso e nunca farão, porque feminismo é hipócrita em seus melhores dias e totalitário por natureza e prática em seus dias comuns. E nos seus piores dias, o feminismo exige o extermínio dos homens.

Prezadas feministas, sua declaração pública de admiração por Simone de Beauvoir diz muito mais sobre vocês mesmas do que qualquer coisa que qualquer um pudesse jamais dizer. Vocês mais uma vez provam que os melhores argumentos antifeministas vêm diretamente das próprias feministas. E por isso, nós lhes estendemos nossos agradecimentos!

Referencias:
Agradecimento especial a Atodiresei pelo auxílio com a documentação.

Fonte da imagem: Wikimedia Commons ( Site da Romênia)

1 http://my.telegraph.co.uk/expat/stephenclarke/10151800/10151800/ – Stephen Clarke – The women that France needs to remember – or forget; The Telegraph, published at September 5, 2013

2 https://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/Holocaust/VichyRegime.html – The Holocaust: The French Vichy Regime

3 http://www.lexpress.fr/culture/livre/ce-qu-on-n-ose-pas-voir-sur-beauvoir_822547.html – Dupuis Jérôme – Ce qu’on n’ose pas voir sur Beauvoir; L’Express, published at January 3, 2008

4 http://www.telegraph.co.uk/culture/books/non_fictionreviews/3672534/Simone-de-Beauvoir-Meet-Jean-Paul-Sartre.html – Tim Martin – Simone de Beauvoir? Meet Jean-Paul Sartre; The Telegraph, published at April 12, 2008

5 http://opinionator.blogs.nytimes.com/2013/05/19/savile-beauvoir-and-the-charms-of-the-nymph/ – Andy Martin – The Persistence of the ‘Lolita Syndrome’; The New York Times, published at May 19, 2013

6 ibidem

7 ibidem

8 Simone de Beauvoir – Brigitte Bardot and the Lolita Syndrome (with many half-tone illustrations) p.10; 14 – First Four Square Edition – The New English Library LTD., 1962

9 We received the following communication: Le Monde, January 26, 1977 – https://www.ipce.info/ipceweb/Library/00aug29b1_from_1977.htm

10 Sexual Morality and the Law, Chapter 16 of Politics, Philosophy, Culture –Interviews and Other Writings 1977-1984, p.275

11 Le Mouvement Pédophile en France – http://archive.wikiwix.com/cache/?url=http://bibliobleue.fpc.li/Revues/Gredin/N0/MvtFrance.htm

12 http://www.theguardian.com/world/2001/feb/24/jonhenley – Jon Henley – Calls for legal child sex rebound on luminaries of May 68; The Guardian, published at February 24, 2001

13 Ibidem 4

14 http://www.biographile.com/6-degrees-of-infatuation-an-ode-to-frisky-french-writers/28496/ – Kelsey Osgood – 6 Degrees of Infatuation: An Ode to Frisky French Writers; Biographile, published at February 11, 2014

15 Simone de Beauvoir – The Second Sex, p. 378 – Translated by Constance Borde and Sheila Malovany-Chevallier; Vintage Books – Random House Inc., New York, 2009

16 Sex, Society and the Female Dilemma – A Dialogue between Simone de Beauvoir and Betty Friedan; Saturday Review, publicat la 14 Iunie 1975 – p. 18 http://64.62.200.70/PERIODICAL/PDF/SaturdayRev-1975jun14/14-24/

17 Female Dilemma, op. cit. p.20

18 Second Sex, op. cit. p.70

19 Ibidem p.392-393

20 Ibidem p.257-258

21 Ibidem p.43

22 Ibidem p.255

23 Ibidem p. 258-259

24 World War II: Conscription and the Age of Soldiers – http://histclo.com/essay/war/ww2/age/ww2-age.html

25 Hitler’s Boy Soldiers – http://www.historyplace.com/worldwar2/hitleryouth/hj-boy-soldiers.htm

26 Târgșor, communist prison for children – National Romanian Television report (English subtitles included) – http://vimeo.com/73694592

27 Second Sex, op. cit. p.60

Artigo primeiramente publicado no AVFM Romania.
Tradução: Aldir Gracindo

 

   Francis
Em sua visita à Bolívia o Papa Francisco recebeu do presidente Evo Morales uma cruz em forma de foice e martelo, símbolo do comunismo, tendo nela Jesus Crucificado, símbolo do cristianismo. Era uma réplica da escultura criada pelo jesuíta espanhol Padre Luis Espinal, ligado à Teologia da Libertação, como forma de diálogo ou mesmo simbiose entre o comunismo e o catolicismo.

Ao ver o rosto constrangido do Papa, lembrei-me do constrangimento de Dom Antônio Santos Cabral, arcebispo de Belo Horizonte, ao ser convidado por Juscelino Kubicheck para benzer a Igreja da Pampulha, em forma de foice e martelo. O arcebispo recusou, dizendo que a obra modernista de Oscar Niemeyer ia de encontro ao aceitável pela Igreja.

Deixando de lado a análise da impertinência do insólito presente de Evo Morales, consideremos apenas o significado de tal crucifixo em forma de foice e martelo.

Na entrevista no avião, o Papa explicou que o Pe. Luis Espinal pertencia à linha da Teologia da Libertação que utilizava a análise marxista da realidade. Segundo o Papa, Espinal era um entusiasta dessa análise da realidade marxista e também da teologia usando o marxismo. O Papa lembrou que, nesse tempo, o Superior Geral da Companhia de Jesus mandou uma carta a toda a Companhia sobre a análise marxista da teologia, dizendo que isso não podia, não era justo, pois são coisas diferentes. E o Papa Bergoglio lembra os documentos da Congregação para a Doutrina da Fé sobre o assunto (CDF Libertatis nuntius e Libertatis conscientia).

Alguns tentaram justificar a amálgama entre marxismo e cristianismo, alegando que se poderia “batizar Marx” assim como Santo Tomás de Aquino “batizou” Aristóteles. Mas esses se esquecem de que Aristóteles era pagão, tinha uma filosofia natural, mas não era anticristão, ao passo que Marx, sua filosofia, sociologia, materialismo dialético, negação da propriedade, etc. são visceralmente antinaturais e anticristãos. Impossível ser batizado! Coisas irreconciliáveis!

O documento citado pelo Papa Francisco relembra a advertência do Papa Paulo VI: “Seria ilusório e perigoso o esquecimento do íntimo vínculo que os une de forma radical, aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes e de sua interpretação marxista deixando de perceber o tipo de sociedade totalitária que conduz esse processo” (Octogesima adveniens, 34).

“Essa concepção totalizante (de Marx) impõe sua lógica e leva ‘as teologias da libertação’ a aceitar um conjunto de posições incompatíveis com a visão cristã do homem… A nova hermenêutica, inserida nas ‘teologias da libertação’ conduz a uma releitura essencialmente política da Escritura… A luta de classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as reformas e agrava a miséria e as injustiças. Aqueles que se deixam fascinar por este mito deveriam refletir sobre as experiências históricas amargas às quais ele conduziu…” (Libertatis nuntius).

Dom Fernando Rifan

topic

O papa Francisco teve de se defender mais uma vez das acusações de ser “marxista”, motivadas pela sua preocupação com o aumento das desigualdades sociais e econômicas que estão contribuindo para piorar a cultura da morte.

Quando Francisco publicou a exortação apostólica “Evangelii Gaudium”, muitos comentaristas políticos o acusaram de ser marxista.

Com base em quê?

“O capitalismo desenfreado é uma nova tirania”, tinha denunciado o papa, que também pediu que os líderes mundiais combatessem a pobreza e a desigualdade crescente.

“Isto é puro marxismo saindo da boca do papa”, exclamou o comentarista norte-americano Rush Limbaugh, que tem um popular programa de rádio nos Estados Unidos. “Capitalismo desenfreado? Isso não existe em lugar nenhum. ‘Capitalismo desenfreado’ é uma expressão socialista liberal para descrever os Estados Unidos. Desenfreado, sem regulamentação”.

O papa já respondeu com toda a clareza a esse tipo de críticas, mas, em uma nova entrevista, ele voltou a dizer que a preocupação da Igreja com os pobres se situa na perspectiva do Evangelho e é um fato evidente desde os primeiros séculos da história cristã:

“[Esta preocupação] não é uma invenção do comunismo e não deve ser transformada em ideologia, como tem acontecido tantas vezes”, disse o papa na edição do último domingo do jornal italiano “La Stampa”. “Alguns podem achar que é uma novidade, quando, na verdade, é uma preocupação que deriva do Evangelho e que está documentada desde os primeiros séculos do cristianismo. Se eu repetisse algumas passagens das homilias dos Padres da Igreja do segundo ou do terceiro século sobre o tratamento que devemos dar aos pobres, alguns ainda me acusariam de dar uma homilia marxista! ‘Não estás presenteando nada de teu ao pobre, mas sim devolvendo a ele o que é dele. Tens-te apropriado de coisas que se destinam ao uso comum de todos. A terra pertence a todos, não aos ricos’. Estas palavras são de Santo Ambrósio. E o papa Paulo VI as usou na ‘Populorum Progressio’ para afirmar que a propriedade privada não constitui um direito absoluto e incondicional para ninguém, e que ninguém está autorizado a manter para seu uso exclusivo coisas que são supérfluas às suas necessidades enquanto outros não têm com que suprir as suas necessidades básicas”.

Francisco esclareceu que o Evangelho não condena os ricos, mas sim a idolatria da riqueza, “a idolatria que torna as pessoas indiferentes ao apelo dos pobres”.

O papa reconheceu que a globalização vem ajudando muitas pessoas a sair da pobreza, mas que ela também “tem condenado muitos outros a morrer de fome. É verdade que a riqueza global está crescendo em termos absolutos, mas as desigualdades também estão crescendo e novas pobrezas estão surgindo”.

“O que eu tenho notado é que este sistema se sustenta numa cultura do descarte, que eu já discuti várias vezes. Existe a política, a sociologia e até a atitude do descarte. Quando é o dinheiro, em vez do homem, que está no centro do sistema, quando o dinheiro se torna um ídolo, os homens e as mulheres são reduzidos a simples instrumentos de um sistema social e econômico que se caracteriza, ou, pior ainda, é dominado por profundas desigualdades. Por isto se descarta qualquer coisa que não seja útil a esta lógica; é esta atitude que descarta crianças e idosos e que agora está afetando também os jovens”, disse o papa.

Francisco prosseguiu:

“Eu gostaria ainda de destacar um aspecto da cultura do descarte: aquele que leva as pessoas a descartar bebês por meio do aborto. São chocantes, para mim, os baixos índices de natalidade na Itália. É assim que perdemos a nossa ligação com o futuro. A cultura do descarte também leva a uma ‘eutanásia disfarçada’ das pessoas mais velhas, que são abandonadas em vez de ser consideradas como nossa memória, como nossa ligação com o nosso próprio passado e como fonte de sabedoria para o presente”.

A entrevista foi feita em outubro como parte de um livro sobre a doutrina social da Igreja e sua aplicação durante o papado de Francisco.

O livro é de Andrea Tornielli, diretor do suplemento “Vatican Insider” do jornal “La Stampa”, e de Giacomo Galeazzi, repórter especialmente dedicado a questões relacionadas com o Vaticano.

O título do livro é “Papa Francesco – questa economia uccide” [“Papa Francisco – esta economia mata”].

Fonte: Aleteia

11

O Assunto: O Cardeal Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI, quando Prefeito da S. Congregação para a Doutrina da Fé, escreveu uma exposição sobre a Teologia da Libertação em sua forma extremada, em 18/03/84; partindo das respectivas premissas e realçando os conceitos característicos do sistema, o autor mostra que a Teologia da Libertação não trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação socioeconômica da América Latina, mas revolve todos as concepções do Cristianismo: doutrina da fé, constituição da igreja, liturgia, catequese, opções morais, etc. É de crer que “a gravidade da Teologia da Libertação não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente”; é a subversão radical do Cristianismo, que torna urgente “o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. É importante que o público esteja consciente de que a Teologia da Libertação não é a extensão das promessas do Cristianismo aos problemas morais suscitados pelas condições socioeconômicas da América Latina, mas é uma nova versão do racionalismo de Rudolf Bultmann e do marxismo, que utiliza a linguagem dogmática e ascética do patrimônio antigo da fé e se reveste de aspectos de mística cristã. O Cardeal Joseph Ratzinger fez uma explanação do que é a Teologia da Libertação. Tal documento é de notável importância, pois deriva de um sábio teólogo encarregado, em Roma, precisamente da Congregação que acompanha a fé e os desvios da fé em nossos dias.

***

Introdução

Para esclarecer a minha tarefa e a minha intenção, com relação ao tema, parecem-me necessárias algumas observações preliminares:

1) A teologia da libertação é fenômeno extraordinariamente complexo. É possível formar-se um conceito da teologia da libertação segundo o qual ela vai das posições mais radicalmente marxistas até aquelas que propõem o lugar apropriado da necessária responsabilidade do cristão para com os pobres e os oprimidos no contexto de uma correta teologia eclesial, como fizeram os documentos do CELAM, de Medellin e Puebla.

Neste nosso texto, usaremos o conceito “teologia da libertação” em sentido mais restrito: sentido que compreende apenas aqueles teólogos que, de algum modo, fizeram própria a opção fundamental marxista. Mesmo aqui existem, nos particulares, muitas diferenças que é impossível aprofundar nesta reflexão geral. Neste contexto, posso apenas tentar pôr em evidência algumas linhas fundamentais que, sem desconhecer as diversas matrizes, são muito difundidas e exercem certa influência mesmo onde não existe teologia da libertação em sentido estrito.

2) Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade assumida. Além disso, o erro não se poderia apropriar daquela parte de verdade, se essa verdade fosse suficientemente vivida e testemunhada ali onde é o seu lugar, isto é, na fé da Igreja. Por isso, ao lado da demonstração do erro e do perigo da teologia da libertação, é preciso sempre acrescentar a pergunta: que verdade se esconde no erro e como recuperá-la plenamente?

3) A teologia da libertação é um fenômeno universal sob três pontos de vista:

  1. a) Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão e de realização do cristianismo na sua totalidade. Por isto mesmo muda todas as formas da vida eclesial: a constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais;
  1. b) A teologia da libertação tem certamente o seu centro de gravidade na América Latina, mas não é, de modo algum, fenômeno exclusivamente latino-americano. Não se pode pensá-la sem a influência determinante de teólogos europeus e também norte-americanos. Além do mais, existe também na Índia, no Sri Lanka, nas Filipinas, em Taiwan, na África – embora nesta última esteja em primeiro plano a busca de uma “teologia africana”. A união dos teólogos do Terceiro Mundo é fortemente caracterizada pela atenção prestada aos temas da teologia da libertação;
  1. c) A teologia da libertação supera os limites confessionais. Um dos mais conhecidos representantes da teologia da libertação, Hugo Assman, era sacerdote católico e ensina hoje como professor em uma Faculdade protestante, mas continua a se apresentar com a pretensão de estar acima das fronteiras confessionais. A teologia da libertação procura criar, já desde as suas premissas, uma nova universalidade em virtude da qual as separações clássicas da Igreja devem perder a sua importância,
  1. O Conceito de Teologia da Libertação e os Pressupostos de sua Gênese

Essas observações preliminares, entretanto, já nos introduziram no núcleo do tema. Deixam aberta, porém, a questão principal: o que é propriamente a teologia da libertação? Em uma primeira tentativa de resposta, podemos dizer: a teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política.

“Nada resta fora do empenho político. Tudo existe com uma colocação política” (Gutierrez). Uma teologia que não seja “prática (o que significa dizer “essencialmente política”) é considerada “idealista” e condenada como irreal ou como veículo de conservação dos opressores no poder. Para um teólogo que tenha aprendido a sua teologia na tradição clássica e que tenha aceitado a sua vocação espiritual, é difícil imaginar que seriamente se possa esvaziar a realidade global do Cristianismo em um esquema de práxis sócio-político de libertação. A coisa é, entretanto, mais difícil, já que os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e que escutam partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas, mas que, unidos a tanta religiosidade, não poderiam ser tão perigosas. Exatamente a radicalidade da teologia da libertação faz com que a sua gravidade não seja avaliada de modo suficiente; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente. A sua colocação, já de partida, situa-se fora daquilo que pode ser colhido pelos tradicionais sistemas de discussão. Por isto tentarei abordar a orientação fundamental da teologia da libertação em duas etapas: primeiramente é necessário dizer algo acerca dos pressupostos que a tornaram possível; a seguir, desejo aprofundar alguns dos conceitos base que permitem conhecer algo da estrutura da teologia da libertação. Como se chegou a esta orientação completamente nova do pensamento teológico, que se exprime na teologia da libertação? Vejo principalmente três fatores que a tornaram possível.

1) Após o Concílio, produziu-se uma situação teológica nova:

  1. a) Surgiu a opinião de que a tradição teológica existente até então não era mais aceitável e, por conseguinte, se deviam procurar, a partir da Escritura e dos sinais dos tempos, orientações teológicas e espirituais totalmente novas;
  1. b) A idéia de abertura ao mundo e de compromisso no mundo transformou-se frequentemente em uma fé ingênua nas ciências; uma fé que acolheu as ciências humanas como um novo evangelho, sem querer reconhecer os seus limites e problemas próprios. A psicologia, a sociologia e a interpretação marxista da história foram considerados como cientificamente seguras e, a seguir, como instâncias não mais contestáveis no pensamento cristão;
  1. c) A crítica da tradição por parte da exegese evangélica moderna, especialmente a de Bultmann e da sua escola, tornou-se uma instância teológica inamovível que barrou a estrada às formas até então válidas da teologia, encorajando, assim, também novas construções.

2) A situação teológica assim transformada coincidiu com uma situação da história espiritual também ela modificada. Ao final da fase de reconstrução após a segunda guerra mundial, fase que coincidiu pouco mais ou menos com o término do Concílio, produziu-se no mundo ocidental um sensível vazio de significado, ao qual a filosofia existencialista ainda em voga não estava em condições de dar alguma resposta. Nesta situação, as diferentes formas do neomarxismo transformaram-se em um impulso moral e, ao mesmo tempo, em uma promessa de significado que parecia quase irresistível à juventude universal. O marxismo, com as acentuações religiosas de Bloch e as filosofias dotadas de rigor científico de Adorno, Harkheimer, Habernas e Marcuse, ofereceram modelos de ação com os quais alguns pensadores acreditavam poder responder ao desafio da miséria no mundo e, ao mesmo tempo, poder atualizar o sentido correto da mensagem bíblica.

3) O desafio moral da pobreza e da opressão não podia mais ser ignorado, no momento em que a Europa e a América do Norte atingiam uma opulência até então desconhecida. Este desafio exigia evidentemente novas respostas, que não se podiam encontrar na tradição existente até aquele momento. A situação teológica e filosófica mudada convidava expressamente a buscar a resposta em um cristianismo que se deixasse regular pelos modelos da esperança, aparentemente fundados cientificamente, das filosofias marxistas.

  1. A Estrutura Gnoseológica Fundamental da Teologia da Libertação

Esta resposta se apresenta totalmente diversa nas formas particulares de teologia da libertação, teologia da evolução, teologia política etc. Não pode, pois, ser apresentada globalmente. Existem, no entanto, alguns conceitos fundamentais que se repetem continuamente nas diferentes variações e exprimem intenções comuns de fundo.

Antes de passar aos conceitos fundamentais do conteúdo, é necessário fazer uma observação acerca dos elementos estruturais da teologia da libertação. Para tal, podemos retomar o que já afirmamos acerca da situação teológica mudada após o Concílio. Como já disse, leu-se a exegese de Bultmann e da sua escola como um enunciado da “ciência” sobre Jesus, ciência que devia obviamente ser considerada como válida. O “Jesus histórico” de Bultmann, entretanto, apresentava-se separado por um abismo (o próprio Bultmann fala de Graben, fosso) do Cristo da fé. Segundo Bultmann, Jesus pertence aos pressupostos do Novo Testamento, permanecendo, porém, encerrado no mundo do judaísmo. O resultado final dessa exegese consistiu em abalar a credibilidade histórica dos Evangelhos: o Cristo da tradição eclesial e o Jesus histórico apresentado pela ciência pertencem evidentemente a dois mundos diferentes. A figura de Jesus foi erradicada da sua colocação na tradição por ação da ciência, considerada como instância suprema; deste modo, por um lado, a Tradição pairava como algo de irreal no vazio, e, por outro, devia-se procurar para a figura de Jesus uma nova interpretação e um novo significado. Bultmann, portanto, adquiriu importância não tanto pelas suas afirmações positivas quanto pelo resultado negativo da sua crítica: o núcleo da fé, a cristologia, permaneceu aberto a novas interpretações porque os seus enunciados originais tinham desaparecido, na medida em que eram considerados historicamente insustentáveis. Ao mesmo tempo, desautorizava-se o Magistério da Igreja, na medida em que o consideravam preso a uma teoria cientificamente insustentável e, portanto, sem valor como instância cognoscitiva sobre Jesus. Os seus anunciados podiam ser considerados somente como definições frustadas de uma posição cientificamente superada.

Além disso, Bultmann foi importante para o desenvolvimento posterior de uma segunda palavra-chave. Ele trouxe à moda o antigo conceito de hermenêutica, conferindo-lhe uma dinâmica nova. Na palavra “hermenêutica” encontra expressão a ideia de que uma compreensão real dos textos históricos não acontece através de uma mera interpretação histórica; mas toda interpretação histórica inclui certas decisões preliminares. A hermenêutica tem a função de “atualizar”, em conexão com a determinação de dado histórico. Nela, segundo a terminologia clássica, se trata de uma “fusão dos horizontes” entre “então” [“naquele tempo”] e o “hoje”. Por conseguinte, ela suscita a pergunta: o que significa o então (“naquele tempo”), nos dias de hoje? O próprio Bultmann respondeu a esta pergunta servindo-se da filosofia de Heidegger e interpretou, deste modo, a Bíblia em sentido existencialista. Tal resposta, hoje, não apresenta mais interesse algum; neste sentido, Bultmann foi superado pela exegese atual. Mas permaneceu a separação entre a figura de Jesus da Tradição clássica e a idéia de que se pode e se deve transferir essa figura ao presente, através de uma nova hermenêutica.

Neste ponto, surge o segundo elemento, já mencionado, da nossa situação: o novo clima filosófico dos anos sessenta. A análise marxista da história e da sociedade foi considerada, nesse ínterim, como a única dotada de caráter “científico”; isto significa que o mundo é interpretado à luz do esquema da luta de classes e que a única escolha possível é entre capitalismo e marxismo. Significa, além disso, que toda a realidade é política e que deve ser justificada politicamente. O conceito bíblico do “pobre” oferece o ponto de partida para a confusão entre a imagem bíblica da história e a dialética marxista; esse conceito é interpretado com a ideia de proletariado em sentido marxista e justifica também o marxismo como hermenêutica legítima para a compreensão da Bíblia. Ora, segundo essa compreensão, existem, e só podem existir, duas opções; por isso, contradizer essa interpretação da Bíblia não é senão expressão do esforço da classe dominante para conservar o próprio poder. Gutierrez afirma: “A luta de classes é um dado de fato e a neutralidade acerca desse ponto é absolutamente impossível”. A partir daí, torna-se impossível até a intervenção do Magistério eclesiástico: no caso em que este se opusesse a tal interpretação do Cristianismo, demonstraria apenas estar ao lado dos ricos e dos dominadores e contra os pobres e os sofredores, isto é, contra o próprio Jesus, e, na dialética da história, aliar-se-ia à parte negativa.

Essa decisão, aparentemente “científica” e “hermeneuticamente” indiscutível, determina por si o rumo da ulterior interpretação do Cristianismo, seja quanto às instâncias interpretativas, seja quanto aos conteúdos interpretados. No que diz respeito às instâncias interpretativas, os conceitos decisivos são: povo, comunidade, experiência, história. Se até então a Igreja, isto é, a Igreja Católica na sua totalidade, que, transcendendo tempo e espaço, abrange os leigos (sensus fidei) e a hierarquia (Magistério), fora a instância hermenêutica fundamental, hoje tal instância passou a ser a “comunidade”. A vivência e as experiências da comunidade determinam agora a compreensão e a interpretação da Escritura. De novo, pode-se dizer, aparentemente de maneira muito científica, que a figura de Jesus, apresentada nos Evangelhos, constitui uma síntese de acontecimentos e interpretações da experiência de comunidades particulares, onde no entanto a interpretação é muito mais importante do que o acontecimento, que, em si, não é mais determinável. Essa síntese original de acontecimento e interpretação pode ser dissolvida e reconstruída sempre de novo: a comunidade “interpreta” com a sua “experiência” os acontecimentos e encontra assim sua “práxis”. Esta ideia, podemos encontrá-la em modo um tanto diverso do conceito de povo, com o qual se transformou a acentuação conciliar da idéia de “povo de Deus” em mito marxista. As experiências do “povo” explicam a Escritura. “Povo” torna-se, assim, um conceito oposto ao de “hierarquia” e em antítese a todas as instituições indicadas como forças da opressão.

Afinal, é “povo” quem participa da “luta de classes”; a “igreja popular” acontece em oposição à Igreja hierárquica. Por fim, o conceito de “história” torna-se instância hermenêutica decisiva. A opinião, considerada cientificamente segura e irrefutável, de que a Bíblia raciocine em termos exclusivamente de história da salvação, e, portanto, de maneira antimetafísica, permite a fusão do horizonte bíblico com a idéia marxista da história que procede dialeticamente como autêntica portadora de salvação; a história é a autêntica revelação e, portanto, a verdadeira instância hermenêutica da interpretação bíblica. Tal dialética é apoiada, algumas vezes, pela pneumatologia. Em todo caso, também esta última, no Magistério que insiste em verdades permanentes, vê uma instância inimiga do progresso, dado que pensa “metafisicamente” e assim contradiz a “história”. Pode-se dizer que o conceito de história absorve o conceito de Deus e de revelação. A “historicidade” da Bíblia deve justificar o seu papel absolutamente predominante e, portanto, deve legitimar, ao mesmo tempo, a passagem para a filosofia materialista-marxista, na qual a história assumiu a função de Deus.

III. Conceitos Fundamentais da Teologia da Libertação

Com isto, chegamos aos conceitos fundamentais do conteúdo da nova interpretação do Cristianismo. Uma vez que os contextos nos quais aparecem os diversos conceitos são diferentes, gostaria de citar alguns deles, sem a pretensão de esquematizá-los. Comecemos pela nova interpretação da fé, da esperança e da caridade. Com relação à fé, por exemplo, J. Sobrino afirma: a experiência que Jesus tem de Deus é radicalmente histórica. “A sua fé converte-se em fidelidade”. Por isso Sobrino substitui fundamentalmente a fé pela “fidelidade à história” (fidelidad a la historia, 143-144). Jesus é fiel à profunda convicção de que o mistério da vida do homem… é realmente o último… (144). Aqui se produz aquela fusão entre Deus e história que dá a Sobrino a possibilidade de conservar para Jesus a fórmula de Calcedônia, ainda que com um sentido completamente mudado; pode-se ver como os critérios clássicos da ortodoxia não são aplicáveis à análise dessa teologia. Ignacio Ellacuria, na capa do livro sobre este assunto, afirma: Sobrino “diz de novo… que Jesus é Deus, acrescentando, porém, imediatamente, que o Deus verdadeiro é somente aquele que se revela historicamente em Jesus e nos pobres, que continuam a sua presença. Somente quem mantém unidas essas duas afirmações, é ortodoxo…”.

A esperança é interpretada como “confiança no futuro” e como trabalho pelo futuro; com isso ela é subordinada novamente ao predomínio da história das classes. “Amor” consiste na “opção pelos pobres”, isto é, coincide com a opção pela luta de classes. Os teólogos da libertação sublinham com força, diante do “falso universalismo”, a parcialidade e o caráter partidário da opção cristã; tomar partido é, segundo eles, requisito fundamental de uma correta hermenêutica dos testemunhos bíblicos. Na minha opinião, aqui se pode reconhecer muito claramente a mistura entre uma verdade fundamental do Cristianismo e uma opção fundamental não cristã que torna o conjunto tão sedutor: o sermão da montanha é, na verdade, a escolha por parte de Deus a favor dos pobres. Mas a interpretação dos pobres no sentido da dialética marxista da história e a interpretação da escolha partidária no sentido da luta de classes é um salto “eis allo genos” (grego: para outro gênero), no qual as coisas contrárias se apresentam como idênticas.

O conceito fundamental da pregação de Jesus é o de “reino de Deus”. Este conceito encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido, porém, no contexto da hermenêutica marxista. Segundo J. Sobrino, o reino não deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma reserva escatogicamente abstrata. Deve ser compreendido em forma partidária e voltado para a práxis. Somente a partir da práxis de Jesus, e não teoricamente, é possível definir o que seria o reino: trabalhar na realidade histórica que nos circunda para transformá-la no reino (166). Aqui ocorre mencionar também uma idéia fundamental de certa teologia pós-conciliar que impulsionou nessa direção. Muitos apregoaram que, segundo o Concílio, se deveriam superar todas as formas de dualismo: o dualismo de corpo e alma, de natural e sobrenatural, de imanência e transcendência, de presente e futuro. Após o desmantelamento desses dualismos, resta apenas a possibilidade de trabalhar por um reino que se realize nesta história e em sua realidade político-econômica. Mas justamente dessa forma deixou-se de trabalhar pelo homem de hoje e se começou a destruir o presente, a favor de um futuro hipotético: assim produziu-se imediatamente o verdadeiro dualismo.

Neste contexto, gostaria de mencionar também a interpretação, impressionante e definitivamente espantosa, que Sobrino dá da morte e da ressurreição. Antes do mais, ele estabelece, contra as concepções universalistas, que a ressurreição é, em primeiro lugar, uma esperança para aqueles que são crucificados; estes constituem a maioria dos homens: todos aqueles milhões aos quais a injustiça estrutural se impõe como uma lenta crucifixão (176 e seguintes). O crente, no entanto, participa também do senhorio de Jesus sobre a história, através da edificação do reino, isto é, na luta pela justiça e pela libertação integral, na transformação das estruturas injustas em estruturas mais humanas. Esse senhorio sobre a história é exercitado ao se repetir o gesto de Deus que ressuscita Jesus, isto é, dando novamente vida aos crucificados da história (181). O homem assumiu o gesto de Deus, e aqui a transformação total da mensagem bíblica se manifesta de maneira quase trágica, se se pensa em como essa tentativa de imitação de Deus se desenvolveu e se desenvolve ainda.

Gostaria de citar apenas alguns outros conceitos: o êxodo se transforma em uma imagem central da história da salvação; o mistério pascal é entendido como um símbolo revolucionário e, portanto, a Eucaristia é interpretada como uma festa de libertação no sentido de uma esperança político-messiânica e da sua práxis. A palavra redenção é substituída geralmente por libertação, a qual, por sua vez, é compreendida, no contexto da história e da luta de classes, como processo de libertação que avança. Por fim, é fundamental também a acentuação da práxis: a verdade não deve ser compreendida em sentido metafísico; trata-se de “idealismo”. A verdade realiza-se na história e na práxis. A ação é a verdade. Por conseguinte, também as ideias que se usam para a ação, em última instância são intercambiáveis. A única coisa decisiva é a práxis. A práxis torna-se, assim, a única e verdadeira ortodoxia. Desta forma, justifica-se um enorme afastamento dos textos bíblicos: a crítica histórica liberta da interpretação tradicional, que aparece como não científica. Com relação à tradição, atribui-se importância ao máximo rigor científico na linha de Bultmann. Mas os conteúdos da Bíblia, determinados historicamente, não podem, por sua vez, ser vinculantes de modo absoluto. O instrumento para a interpretação não é, em última análise, a pesquisa histórica, mas, sim, a hermenêutica da história, experimentada na comunidade, isto é, nos grupos políticos, sobretudo dado que a maior parte dos próprios conteúdos bíblicos deve ser considerada como produto de tal hermenêutica comunitária.

Quando se tenta fazer um julgamento geral, deve-se dizer que, quando alguém procura compreender as opções fundamentais da teologia da libertação, não pode negar que o conjunto contém uma lógica quase incontestável. Com as premissas da crítica bíblica e da hermenêutica fundada na experiência, de um lado, e da análise marxista da história, de outro, conseguiu-se criar uma visão de conjunto do cristianismo que parece responder plenamente tanto às exigências da ciência, quanto aos desafios morais dos nossos tempos. E, portanto, impõe-se aos homens de modo imediato a tarefa de fazer do Cristianismo um instrumento de transformação concreta do mundo, o que pareceria uní-lo a todas as forças progressistas da nossa época. Pode-se, pois, compreender como esta nova interpretação do Cristianismo atraia sempre mais teólogos, sacerdotes e religiosos, especialmente no contexto dos problemas do terceiro mundo. Subtrair-se a ela deve necessariamente aparecer aos olhos deles como uma evasão da realidade, como uma renúncia à razão e à moral. Porém, de outra parte, quando se pensa o quanto seja radical a interpretação do Cristianismo que dela deriva, torna-se ainda mais urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela [até aqui Joseph Ratzinger].

À guisa de comentário[1], parece oportuno salientar os seguintes pontos:

1) A Teologia da Libertação não é um novo tratado teológico ao lado de outros já existentes, mas é uma nova interpretação do Cristianismo, que revira radicalmente as verdades da fé, a constituição da Igreja, a liturgia, a catequética e as opções morais.

2) Todos os valores e toda a realidade são consideradas do ponto de vista político. Uma teologia que não seja essencialmente política é encarada como fator de conservação dos opressores no poder.

3) A dificuldade de se perceber esse caráter subversivo da Teologia da Libertação está, em grande parte, no fato de que os seus arautos continuam a usar a linguagem ascética e dogmática da Igreja, embora em chave nova. Isto dá aos observadores a impressão de que estão diante do patrimônio da fé acrescido de algumas afirmações religiosas que não podem ser perigosas.

4) A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente.

5) O cristão não pode ser, de forma alguma, insensível à miséria dos povos do Terceiro Mundo. Todavia, para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da Libertação; existe a Doutrina Social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem disseminar o ódio e a luta de classes [Até aqui o texto transcrito de F. Aquino. Teologia da libertação, p. 9-22].

Refletindo[2]

Penso que uma das maiores provas do erro da “teologia” da libertação é que ela, que tanto enaltece a “práxis”, na verdade defende algo que é impossível na prática, ou seja, um “paraíso na terra” onde todos seriam felizes, caso os “pobres” efetivamente tivessem o poder nas mãos. Tal concepção não leva em conta o fato de que os homens são pecadores, e que a pobreza material ou a condição de “oprimidos” não os torna santos nem desapegados – e, portanto, não os torna capazes de renunciar ao proveito pessoal em função de um proveito comunitário onde tudo seria de todos. A história comprova a impossibilidade de realizar tal ideal na prática.

O “pobre” que se vê no poder passa a agir da mesma forma que aqueles a quem, antes, censurava – e, geralmente, age até de forma mais tirana e cruel. Uma verdadeira atitude de caridade e desapego só existe nos santos, capazes de renunciar totalmente à própria vontade e ao próprio interesse em função, precisamente, de uminteresse sobrenatural (a pérola preciosa do Evangelho), que é Deus e a vida eterna em união com Deus. Ninguém renuncia aos bens mundanos quando justamente estes são exaltados e valorizados, mas somente quando valoriza e prioriza outra coisa diferente deles.

A teologia da libertação, ao menosprezar a primazia da vida eterna e o conceito transcendente de Deus, só faz dificultar – se não tornar impossível – um desapego e solidariedade autênticos. Qualquer iniciativa em defesa dos direitos humanos que precise ser defendida em detrimento dos valores sobrenaturais, como se estes fossem prejudiciais ao homem, não tem por fonte um verdadeiro amor ao homem.

Para aprofundamento:

AQUINO, Felipe. Teologia da libertação. 2ª ed. Lorena: Cléofas, 2003.

BETTENCOURT, Pe. Estêvão Tavares. Curso de Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1992, p. 197-204 (há ainda o livrete do mesmo autor com o título Teologia da libertação).

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Libertatis nuntius (1984) e Instrução Libertatis conscientia (1986). Disponível, respectivamente, em:

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19840806_theology-liberation_po.html

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19860322_freedom-liberation_po.html

RANGEL, Paschoal. Teologia da libertação: juízo crítico e busca de caminhos. 2ª ed. Belo Horizonte: O Lutador, 1989 (um dos mais bem documentados estudos brasileiros sobre o assunto

 

[1] Comentários de D. Estêvão Bettencourt, OSB (Nota de Refletindo).

[2] Reflexão de Margarida Hulshof, revisora de Refletindo.

andec02

O que existe de «comunismo» no Ocidente contemporâneo

Impressiona, por vezes, a dificuldade que têm as pessoas – mesmo as bem-intencionadas… – em entender o porquê de ser o comunismo uma doutrina condenada pela Igreja ou mesmo de identificar traços comunistas na sociedade em que hoje vivemos. São dois problemas: por um lado, muitos parecem incapazes de reconhecer o comunismo que se lhes antolha; por outro lado, do comunismo sobre o qual ouvem falar como de a uma coisa distante, muitos não conseguem emitir um juízo de reprovação.

Penso que os dois problemas estão intimamente relacionados: é porque pintam com cores muito carregadas o comunismo, a fim de incutir horror a respeito dele, que as pessoas não o conseguem enxergar na política contemporânea; e é porque mitigam-lhe o alcance em um sem-número de aspectos, a fim de o adequar à realidade contemporânea, que as pessoas não conseguem emitir sobre ele o juízo de reprovação que seria esperado…

Parece fundamental esclarecer algumas coisas. E a primeira coisa que precisa ficar clara parece ser a seguinte: o comunismo contemporâneo, de matriz gramsciana, não é imediatamente identificável com a doutrina fulminada pela Quadragesimo Anno. Isso – atenção! – não implica em dizer que o atual estado de coisas é catolicamente aceitável; mas, até mesmo para que consigamos conversar com os nossos interlocutores, é necessário reconhecer que há diferenças – e diferenças à primeira vista deveras relevantes – entre o passado e o presente.

Em 1931, Pio XI dedicou alguns parágrafos da sua encíclica para falar sobre a «evolução do socialismo». O horizonte histórico do Soberano Pontífice, naturalmente, abrangia o intervalo de tempo compreendido entre a publicação da Rerum Novarum– 1891 – e a data em que ele escrevia a Quadragesimo Anno. E, já então, o Papa se sentia autorizado a dizer que «[g]randes foram as transformações, que desde os tempos de Leão XIII sofreram tanto a economia, como o socialismo»…! Que se dirá, então, das transformações ocorridas nesses mais de oitenta anos que nos separam do Magistério de Pio XI? Ora, se num tempo em que as mudanças ocorriam com relativa lentidão um Papa julgou oportuno assinalar as «grandes (…) transformações» sofridas pelo socialismo, que metamorfoses não precisaríamos apontar, hoje, em pleno século XXI, quando tudo parece transmudar-se tão vertiginosamente que não se consegue sequer acompanhar?

O mesmo trabalho sistematizador de Pio XI, no entanto, o seu sucessor não julgou oportuno realizar. Na Centesimus Annus, escrita seis décadas depois, S. João Paulo II não traçou a evolução do socialismo até os seus dias. Ao invés de julgar o acerto ou o equívoco dessa escolha, contudo, parece (muito!) mais relevante atentar para aquilo que o documento traz de propositivo. E penso que um dos seus pontos-chaves encontra-se no número 13, quando o Papa vai falar do erro fundamental do socialismo, de onde peço licença para uma citação um pouco longa:

[O] erro fundamental do socialismo é de carácter antropológico. De facto, ele considera cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo económico-social, enquanto, por outro lado, defende que esse mesmo bem se pode realizar prescindindo da livre opção, da sua única e exclusiva decisão responsável em face do bem ou do mal. O homem é reduzido a uma série de relações sociais, e desaparece o conceito de pessoa como sujeito autónomo de decisão moral, que constrói, através dessa decisão, o ordenamento social. Desta errada concepção da pessoa, deriva a distorção do direito, que define o âmbito do exercício da liberdade, bem como a oposição à propriedade privada. O homem, de facto, privado de algo que possa «dizer seu» e da possibilidade de ganhar com que viver por sua iniciativa, acaba por depender da máquina social e daqueles que a controlam, o que lhe torna muito mais difícil reconhecer a sua dignidade de pessoa e impede o caminho para a constituição de uma autêntica comunidade humana.

Pelo contrário, da concepção cristã da pessoa segue-se necessariamente uma justa visão da sociedade. Segundo a Rerum novarum e toda a doutrina social da Igreja, a sociabilidade do homem não se esgota no Estado, mas realiza-se em diversos aglomerados intermédios, desde a família até aos grupos econômicos, sociais, políticos e culturais, os quais, provenientes da própria natureza humana, estão dotados — subordinando-se sempre ao bem comum — da sua própria autonomia. É o que designei de «subjectividade» da sociedade, que foi anulada pelo «socialismo real».

Ao invés de assinalar o «socialismo» historicamente existente, o Papa vai mais fundo e oferece uma definição do que existe de condenável no socialismo. A mudança de abordagem é notória. E ela nos autoriza algumas conclusões:

1. O fenômeno histórico «socialismo» é susceptível de profundas transformações no decurso da história, tendo se apresentado, ao longo do tempo, sob roupagens as mais diversas.

2. O seu «erro fundamental», no entanto, é de caráter antropológico. Significa que o que existe de comum entre os diversos “socialismos” historicamente existentes – e poderíamos até mesmo dizer, por que não?, teoricamente possíveis – é uma determinada concepção a respeito do homem: a de que ele não passa de uma «molécula do organismo social», a ele subordinada, somente em referência ao qual o homem pode se afirmar.

3. Isso significa também – é o mais importante! – que a identidade diacrônica do socialismo não advém de uma unidade política, de um concurso de atores, de uma continuidade de escola de pensamento à qual explicitamente se vinculam acadêmicos, nem nada do tipo. O que faz o socialismo ser socialismo é um determinado erro antropológico. Portanto, ainda na hipótese de que pessoas distintas, separadas no tempo e no espaço, chegassem, por meio distintos e totalmente independentes entre si, a conclusões antropológicas redutíveis àquela visão do homem enquanto “molécula do organismo social”, então a mesma censura que se aplica ao «socialismo» seria aplicável, igualmente, a todas essas pessoas, por mais que elas aparentemente nada tenham que ver umas com as outras.

Ora, é muito difícil demonstrar (v.g.) que o lulo-petismo obedece a instruções de Moscou, que Barack Obama é subserviente aos interesses da KGB ou que o neoconstitucionalismo latino-americano é controlado diretamente de Havana pelos herdeiros da família Castro. Tais elucubrações, no entanto, são totalmente desnecessárias para que se reconheça um determinado traço comum a todos esses fenômenos, que não é de ordem política e nem estratégica mas sim conceitual; e para que se possa, a partir dessa identificação, rejeitar essas concepções políticas como equivocadas e incompatíveis com a visão de «homem» esposada pelo Catolicismo. Nem todo erro exige uma enorme conspiração por trás. E não é por não haver conspiração que o erro fica afastado.

O que torna o comunismo condenável não é apenas a sua insistência em perpetrar genocídios, mas sim a sua visão utópica quer do homem, quer da realidade social. E o que existe de socialista nos regimes políticos latino-americanos hodiernos não é meramente uma gradativa concentração de poderes e correspondente cerceamento de liberdades individuais, mas sim certa concepção de «sociedade» somente em função da qual deve ser dado espaço ao homem para existir. Vistas as coisas dessa maneira, talvez nos seja possível, afinal!, contornar as dificuldades apresentadas no início deste texto. E se, retratada agora com estas características, talvez haja discordâncias a respeito da valoração que merece tal visão de mundo, quiçá consigamos nos pôr de acordo ao menos quanto à situação de fato da existência e predominância desta concepção social. Já será um grande avanço.

Fonte: Blogueiro Jorge Ferraz

CHÁVEZ SE SUBE A LOS ALTARES CASEROS

Durante o III Congresso do Partido Socialista Unido da Venezuela – o partido de Hugo Chávez e do atual presidente da Venezuela, Nicolás Maduro -, a militante María Estrella Uribe, uma delegada do grupo político, decidiu homenagear o falecido ditador do país, parodiando a oração cristã do Pai Nosso, a qual foi transformada em um idolátrico e desrespeitoso Chávez nuestro.

O texto, de autoria da própria delegada, justificado como um “compromisso espiritual”, pede que Chávez os livre da “tentação do capitalismo”, da “maldade da oligarquia” e do “crime do contrabando”. Após um “amém”, a petição termina com aplausos e brados de “Viva Chávez”, de toda a assembleia do partido.

A Arquidiocese de Caracas, por meio do Cardeal Jorge Urosa Savino, manifestou repúdio à declaração e pediu que os membros do partido evitassem a divulgação do texto como sinal de respeito à oração dos cristãos. “O Pai Nosso, a oração por excelência dos cristãos do mundo inteiro, vem dos próprios lábios de Nosso Senhor (…), e por isso é intocável. Assim como a ninguém é permitido mudar a letra do Hino Nacional para honrar uma pessoa, tampouco a ninguém é lícito mudar o Pai Nosso ou qualquer outra oração cristã”, escreveu o prelado. Ele também ressaltou que “ quem dissesse essa nova e indevida versão do Pai Nosso (…) estaria cometendo o pecado de idolatria, por atribuir a uma pessoa humana qualidades ou ações próprias de Deus”.

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Diosdado Cabello, defendeu o texto da delegada do partido, alegando perseguição por parte da Igreja. “Por que você persegue e submete ao escárnio público a companheira María Uribe? Por que é chavista, pobre, mulher, revolucionária? Por que ama a Chávez?”, questionou. O presidente do país, Nicolás Maduro, também criticou a declaração do Arcebispo de Caracas, repetindo tenazmente a “oração” a Chávez e evocando a Inquisição para intimidar a Igreja: “Exijo respeito à liberdade de criação na Venezuela. Senhores da Inquisição, exijo respeito ao espírito criador e basta de tanta perseguição a Chávez”.

De fato, em um país marcado pelas restrições às liberdades mais elementares e pela adoção de uma estratégia política unipartidária e antidemocrática, a única liberdade que Maduro e o PSUV parecem reinvidicar é a de calar a Igreja, tomar as suas rédeas e fundar uma nova religião. Tudo isso maquiado com um discurso vitimista, típico da mentalidade revolucionária: “Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é.”

Não é a primeira vez que os membros do partido compõem uma oração ao falecido presidente Chávez, atribuindo a ele, como bem lembrou o Cardeal Urosa, “qualidades ou ações próprias de Deus”, e ressuscitando o culto pagão e idolátrico aos mortos. É sabido que vários seguidores de Chávez não se têm contentado em escrever orações, como chegaram a criar templos em algumas cidades venezuelanas, a fim de “celebrar sua memória”.

Olhando para o triste estado de quem abandona “o nome três vezes santo de Deus” ( Mit Brennender Sorge, 13), “cultuando e servindo a criatura em lugar do Criador” (Rm 1, 25), é impossível não lembrar a dramática experiência do nazifascismo, que assombrou a Europa em meados do século XX. Em 1937, ainda antes de estourar a Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio XI, “mit brennender Sorge”, isto é, “com ardente preocupação”, lançava, do alto da cátedra de São Pedro, palavras que, infelizmente, ainda se podem aplicar à realidades de nossos dias:

“Se a raça ou o povo, se o Estado ou uma forma determinada do mesmo, se os representantes do poder estatal ou outros elementos fundamentais da sociedade humana têm na ordem natural um lugar essencial e digno de respeito, contudo, quem os arranca desta escala de valores terrenais, elevando-os à suprema norma de tudo, até dos valores religiosos, e, divinizando-os com culto idolátrico, perverte e falsifica a ordem criada e imposta por Deus, está longe da verdadeira fé e de uma concepção de vida conforme a esta.”Mit Brennender Sorge, 12)

A autora da versão idolátrica do Pai Nosso, María Uríbe, conta em seu favor “um passado de revolução”, no qual deixou a seus filhos pequenos para ir à política e tornar-se “guerrilheira urbana”. Ela também reivindica, para sua paródia, uma posição que chama de “humanista”. “Todos esses valores de Gandhi, da madre Teresa, estão traduzidos no humanismo que Chávez também nos transmitiu”, declarou.

É uma pena que, ao contrário da caridade verdadeiramente sobrenatural que moveu a beata Madre Teresa de Calcutá, o “humanismo” de María Uríbe, dos revolucionários venezuelanos e de todos os marxistas ateus, não dê em nada senão na destruição do próprio homem. É o que dizem as almas saturadas da idolatria política, mas sedentas do único e verdadeiro Deus. É o que declaram as numerosas pilhas de corpos vítimas dos regimes comunistas. Realmente, se Ele não existe, tudo é permitido.

Que Nossa Senhora de Coromoto interceda pela Venezuela e livre também o nosso país do flagelo do socialismo.

Por Equipe Christo Nihil Praeponere

Veja!

https://www.youtube.com/watch?v=vhL0VEhiLtw

 China_missa_clandestina

 Foto acima de uma missa clandestina

Há anos que a China se tornou uma unanimidade. Como todas as unanimidades, em que entra a propaganda, junto a banalidades – repetidas como grandes dados do saber – esgueiram-se mistificações e inverdades.

 Pergunte-se o leitor o que ouve dizer sobre a China nos meios de comunicação ou nas rodas de conversa de que participa.

 Dirão que a China é o País mais populoso do mundo; que sua cultura é milenar; que a Muralha da China pode ser vista da Lua; que a China caminha para se tornar a grande potência do futuro. Tornou-se ainda voz corrente afirmar que o regime chinês tem passado por mudanças profundas, que seu crescimento econômico é avassalador, que algumas de suas cidades se encheram de arranha-céus, de viadutos, de automóveis, de gente que está imersa no estilo de vida frenético contemporâneo.

 Natureza das mudanças

É bem verdade que se questionarmos no que consistem precisamente tais mudanças, as respostas de muitos serão vagas ou generalistas.

 Mencionarão a adoção do “capitalismo” pela China e elogiarão o espírito pragmático de seus dirigentes, que fizeram o país encher-se de oportunidades de negócios, dando abertura para investidores estrangeiros e criando oportunidades de chineses ingressarem nas atividades empresariais; outros mencionarão ainda as Olimpíadas de Pequim, o evento internacional de grande projeção simbólica que teria definitivamente consagrado a entrada da China na chamada modernidade.

 Poucos se referirão à corrida armamentista da China, ao neo-imperialismo chinês na África e na América do Sul, às práticas pouco honestas no comércio internacional, à ofensiva geo-política em busca de petróleo, de minério de ferro e de outras matérias primas, à violação sistemática de segredos industriais de grandes companhias, ao regime de trabalhos forçados ou de baixa remuneração, ao desrespeito aos direitos mínimos dos trabalhadores e às milhares de revoltas sociais, ou ainda ao sistema ditatorial de partido único do regime comunista chinês.

 Mudou a natureza ideológica do regime?

 Ninguém nega que mudanças estão ocorrendo na China, embora elas não correspondam à ideia simplista que das mesmas fazem muitos ocidentais. Os dirigentes chineses falam do “socialismo de mercado”, uma fórmula em que o Estado está presente no capital de todas as empresas e em que a estratégia de investimentos é decidida pelo Politburo do Partido. 

 A meu ver uma pergunta fundamental se impõe: basta um regime de Partido Único, o Partido Comunista Chinês, empreender algumas mudanças sócio-econômicas, para se poder afirmar que a natureza profunda de sua ideologia – ateia e materialista – mudou substancialmente?

 O que mais chama a atenção é que muitos católicos ocidentais dão aval – por vezes de modo eufórico – à tão difundida versão de que a China mudou, que ela renunciou à sua ideologia e aderiu pragmaticamente à economia de mercado. Será que a maior parte desses católicos tem noção de qual é a realidade vivida por seus irmãos de fé na China?

 Creio bem que se impõe uma reflexão a respeito.

 Perseguição sistemática aos católicos

 Desde a revolução maoísta que levou o Partido Comunista Chinês a tomar o poder em 1949, os católicos passaram a viver sob a perseguição e o terror. As táticas e estratégias repressivas sofreram adaptações ao longo dos anos, inclusive com a criação de uma organização fantoche, a chamada Igreja Patriótica, rompida com Roma e totalmente dependente do regime. Apesar de todas as mudanças que se operaram na China a perseguição aos católicos recrudesceu, e eles continuam obrigados a praticar a religião na clandestinidade.

 Gostaria, pois, de compartilhar a substanciosa entrevista concedida em Roma pelo Pe. Bernardo Cervellera, do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras, à revista de cultura católica Catolicismo Considerado o maior especialista romano sobre a Igreja na China, o Pe. Cervellera foi Professor da Universidade Beida, em Pequim, foi diretor da Agência de imprensa vaticana “Fides” e atualmente é o diretor da prestigiosa Agência AsiaNews:

 “ Catolicismo — Circularam ultimamente muitas notícias sobre um esfriamento das relações entre a China e o Vaticano. O que há de certo nisso?

Pe. Cervellera — Sou convidado algumas vezes a participar de encontros com industriais italianos que me perguntam sobre a China. Quando me refiro às perseguições que sofrem lá os católicos, ficam surpresos. Porque hoje muitíssimas pessoas possuem uma imagem turística da China, aliada a uma noção confusa oriunda de notícias que informam sobre a quantidade de arranha-céus construídos nas grandes cidades, da existência de grande número de automóveis Ferrari, do aumento da renda média do trabalhador chinês, etc. Pensam tais pessoas que, pelo fato de a China estar apresentando aparentes mudanças do comunismo para o capitalismo, a situação dos direitos humanos também se alterou. Acompanho há 20 anos a situação chinesa e posso afirmar que, se do ponto de vista geográfico muita coisa mudou (novas autopistas, condomínios, trens, etc.), por outro lado, a perseguição religiosa manteve-se sempre constante.

 Houve há poucos meses sagrações ilícitas de bispos, ou seja, sem mandato papal. Nos últimos quatro anos ocorreram cinco dessas sagrações. Alguns bispos débeis ou timoratos foram obrigados a participar das mesmas, tendo sido conduzidos à força pela polícia.Isto é algo que não se registrava desde a época da Revolução Cultural dos anos 50 e do início do maoísmo. Época na qual se tentava criar uma igreja nacional composta de padres e bispos sob a direção do Partido Comunista Chinês. Na teoria, uma igreja independente de Roma; na prática, dependente do governo comunista. Perguntei recentemente a um católico chinês sobre a mudança de rumo do governo. Ele simplesmente respondeu-me dizendo que para os estrangeiros parece que a China mudou, quando ela, de fato, sempre foi assim. Há uma perseguição contínua, cuja extensão pode ter variado um pouco, mas nunca cessou desde que os comunistas tomaram o poder em 1949.

  Catolicismo — Os bispos chineses fiéis ao papado continuam sendo presos?

Pe. Cervellera — Por uma sugestão de Stalin a Mao Tsé-Tung, o Partido Comunista Chinês quis inicialmente exterminar a Igreja, mas isto não funcionou. Criaram então, em 1957, a Associação Patriótica, a qual ficou encarregada pelo Partido Comunista de controlar a Igreja. Já o Papa Pio XII condenou essa associação em 1958 e declarou que os bispos que sagrassem outros bispos escolhidos por ela estavam excomungados.Todos os bispos que se opuseram, nos anos 50, a essa manobra comunista, terminaram na prisão, sendo obrigados a permanecer 20 ou 30 anos sob o regime de trabalhos forçados. Por exemplo, o bispo de Xangai, D. Ignatius Kung; o bispo de Booding, D. José Fan Xueyan; o bispo de Cantão, D. Dominic Tan Yee-Ming, e tantos outros. Há ainda vários bispos “clandestinos” — ou seja, que se negam a fazer parte dessa Associação Patriótica — os quais se encontram nas mãos da polícia. É o caso, por exemplo, de D. Jacobo Su Zhimin, há 15 anos nessa situação. Ele está desaparecido e sem sinais de vida. E isso só por não querer fazer parte da Associação Patriótica. Também o bispo de Yixian, D. Cosme Shi Enxiang, encontra-se nas mãos da polícia há 10 anos. De forma totalmente ilegal, apesar das poucas leis existentes na China. Estamos preocupados, porque muitos bispos que a polícia fez desaparecer, reapareceram depois… mortos.

Foi o caso, entre outros, de D. José Fan Xuyean, bispo de Booding. Após passar três meses nas mãos da polícia, em 1992, seu cadáver foi deixado diante da porta de sua casa, envolto em papel celofane. Seus familiares constataram que ele tinha sido torturado brutalmente, a ponto de ter uma de suas pernas quebrada. Era um ancião de 90 anos, que já havia passado 32 anos na prisão.

Há poucos anos ocorreram outras mortes. Em 2007, alguns meses antes das Olimpíadas (esta celebração da modernidade da China…), um dos prelados da província Hebei, D. Giovanni Han Dingxian, bispo de Yongnian, reapareceu num hospital após seis anos de detenção. Seus familiares encontraram-no moribundo. De fato, ele faleceu às 23 horas daquele mesmo dia. Seu corpo foi cremado e sepultado às 5 horas da manhã, sem a presença dos familiares. Os fiéis julgam que a cremação foi efetuada para evitar as provas que derivariam da autópsia.

 Catolicismo — Qual é a situação atual dos bispos “subterrâneos”, considerados “ilegais” pelo regime comunista?

 Pe. Cervellera — Existem na China 37 bispos “subterrâneos”, ou seja, que não pertencem à igreja oficial, controlada pela Associação Patriótica. Esses bispos encontram-se em prisão domiciliar; estão isolados, não podem exercer seu ministério. O mais velho deles é o bispo de Zhengding, D. Julio Jia Zhiguo, muito estimado pela população. Ele mantém 200 meninos abandonados, sobretudo deficientes físicos, que não são aceitos por motivos culturais. O bispo lhes proporciona roupa e alimento, cuida dessas crianças com a ajuda de algumas freiras. Ele é vigiado dia e noite por quatro policiais, para que não possa sair de casa nem se encontrar com quaisquer pessoas. Sua “culpa”: não querer renunciar a seus vínculos com o Papa. Muitas vezes é preso e levado para “férias” forçadas, a fim de receber doutrinação política do Partido Comunista sobre a grandeza de seu programa e de como se deve dar adesão ao mesmo.

Atualmente até os bispos da igreja oficial — de obediência ao governo — estão na mira do Partido Comunista. Não é uma perseguição na qual eles são conduzidos a campos de trabalhos forçados ou fuzilados, mas são controlados. Desde 2006, quando das novas sagrações ilegais, eles são seguidos e controlados em suas viagens pastorais. Por que este medo do governo? É que, graças ao trabalho dos Papas, quase todos esses bispos da igreja oficial — sagrados mediante intervenção do partido e sem permissão papal — escreveram ao Vaticano pedindo perdão pela sua situação, tendo sido reintegrados na comunhão católica. Quando o Papa Bento XVI escreveu uma carta aos católicos da China, em 2007, ele a enviou indistintamente aos bispos da Igreja Católica, não fazendo distinção entre aqueles que eram fiéis e os que não eram.

 Catolicismo — Se há tantos bispos que tiveram de pedir perdão ao Papa por estarem ligados à Associação Patriótica, por que o governo tem tanto medo deles?

 Pe. Cervellera — Porque a Igreja Católica chinesa é hoje muitíssimo mais unida que no tempo da Revolução Cultural ou nos anos 80. Este é o ponto importante e o que explica o aumento da perseguição. A unidade da Igreja na China é um dos grandes fracassos do Partido Comunista Chinês. Nos anos 50 eles queriam destruir todas as religiões. Convencendo-se de que não o conseguiam, tentaram então criar religiões nacionais — seja a budista, a islâmica, ou igrejas protestantes nacionais. E, transcorridos 60 anos, na prática, a Igreja Católica é hoje mais unida do que antes. É por isso que a Associação Patriótica — cujo novo presidente é paradoxalmente um bispo em comunhão pessoal com o Papa — deseja a sagração de bispos ilegítimos, a ponto de forçar um bispo excomungado a ser presidente de um organismo subordinado a ela, a conferência dos bispos da igreja patriótica. Este é um modo de misturar as coisas, criar divisão e confusão generalizada.

A situação é muito dura. Os bispos oficiais [subservientes ao regime] e os “subterrâneos” [obedientes a Roma] são muito controlados. Fiscalizam-se todos os seus encontros e discursos, são levados à força a reuniões onde os obrigam a ouvir dissertações sobre a política do partido, além de serem isolados, para não receberem o reconforto e o apoio da Igreja.

 Em maio, por ocasião da festa da Padroeira da China — Nossa Senhora de Sheshan, próximo de Xangai — Bento XVI pediu orações pela Igreja naquele país e, sobretudo, pelos bispos, para que não defeccionem. E para que não sejam derrotados pela tentação de oportunismo, ou seja, de uma vida cômoda e de não perseguição. Uma vida tranquila é melhor do que uma vida isolada. E a Associação Patriótica exerce esse tipo de perseguição, vencendo o coração pelas suas debilidades. Infelizmente, há pessoas que por oportunismo desejam se tornar bispos, ou seja, ser promovidas a tais pelo partido, receber honrarias, uma residência cômoda e nova e, de vez em quando, lembrar-se do Papa na oração. É preciso rezar muito por elas.

 Catolicismo — Poder-se-ia então afirmar que o Partido Comunista está preocupado porque não consegue controlar a Igreja?

 Pe. Cervellera — O partido não está tão preocupado com o controle da Igreja Católica quanto com a difusão dela. O cristianismo difunde-se muitíssimo na China. E isso não obstante serem necessários três a seis meses de catecismo, assistência à missa, participação nas orações, etc. Há anualmente pelo menos 150.000 adultos – não nos referimos às crianças – que se fazem batizar. Enquanto o governo prega que a riqueza é o mais importante, as pessoas procuram a vida espiritual. Este é o motivo da perseguição. Enquanto os direitos humanos forem comer, beber, vestir, etc., o partido pode controlar. Ele pode permitir que se construa uma casa ou que se vista com roupas Armani; permite a satisfação das necessidades materiais. Mas quando surgem necessidades espirituais, o partido não sabe o que fazer e teme que as pessoas escapem de seu controle. Para os comunistas, as religiões devem ser controladas ou eliminadas. Isto cria problemas para o partido, porque na China está ocorrendo um grande renascimento religioso. Nós afirmávamos isto anos atrás e não nos davam crédito. Hoje se trata desse tema com frequência, existindo abundante documentação a respeito. Fala-se do regresso de Deus à China. As pessoas procuram algo mais do que o materialismo.

 Catolicismo — Que tipo de pessoas se convertem ao catolicismo?

 Pe. Cervellera — Todo tipo de pessoas. Mas existe uma categoria que chama especialmente a atenção.Convertem-se ao catolicismo antigos — e dos mais ardorosos — membros do Partido Comunista, que estão desiludidos pelo que ali se faz. Eles vêm que estão nas mãos de um grupo que os utiliza para ganhar dinheiro — com o qual, por sua vez, financiam o partido para que este controle o povo. Notam haver uma grande simbiose entre capitalismo e comunismo. Estão desiludidos com a insensibilidade do partido diante das necessidades das pessoas. O salário dos trabalhadores é dez vezes menor que no Ocidente, não existem auxílios de seguridade social, etc. Estes desiludidos aproximam-se da Igreja. Por exemplo, um ativista que criou um sindicato não oficial e que havia estado no massacre da Praça de Tiananmen tornou-se católico.

 Catolicismo — Existe alguma possibilidade real de a Igreja mudar a situação na China?

 Pe. Cervellera — O que teme o partido é que haja uma fusão entre a busca dos valores espirituais e a tensão dentro da sociedade. Existe nisso algum nexo. Esta tensão aparece em situações que são relativamente pouco conhecidas, mas na China há anualmente 180 mil rebeliões sociais. O governo as chama de “incidentes de massa”. São pessoas que se rebelam devido às injustiças, porque confiscaram suas casas, contaminaram os rios e não há água para beber, por problemas de transporte, saúde, etc.

 Os ex-comunistas que se tornam religiosos procuram alguma dignidade para as pessoas, e o fundamento para isso é religioso. O homem possui direitos inalienáveis. Ao Estado incumbe reconhecê-los, e não se arvorar em deter poderes para concedê-los ou não. Se o homem não tivesse uma dimensão religiosa ele seria apenas um objeto nas mãos do poder. As pessoas procuram os fundamentos espirituais do direito do homem. Um advogado cristão que defendia pessoas perseguidas por sua fé, foi sequestrado pela polícia, torturado, colocado em situação de isolamento, sem poder comer, etc. Ao ser liberado, em junho último, ele denunciou tudo quanto sofreu. Isso antes não acontecia. As pessoas começam a denunciar os maus tratos recebidos e perdem o medo que tinham. Para o governo, esta mistura de rebelião social aliada à busca de fundamentos religiosos e de coragem pode ser fatal.

 Catolicismo — É conhecido o dito de Tertuliano de que “o sangue dos mártires é semente de cristãos”. O Sr. conhece algum caso na China que nos pudesse contar?

 Pe. Cervellera — Recentemente entrevistei um chinês que acabava de se converter ao catolicismo. Eu queria saber o que o havia levado a abraçar a fé. Ele contou-me que tudo começou quando a polícia deteve um de seus vizinhos. Intrigado sobre o motivo da detenção de alguém tão tranquilo e normal como esse vizinho, foi perguntar aos familiares dele. Estes lhe disseram que havia sido preso por ser católico. Isto chamou sua atenção, pois o que podia uma fé ter de importante quando o mais valorizado na sociedade era possuir bem-estar material, comodidades e reconhecimento social? Como não entendia, começou a estudar os fundamentos de nossa Religião e constatou que a fé é o bem mais importante da vida. É por ela que arriscamos tudo o que temos. É a mais preciosa pérola. Como resultado, decidiu se converter e foi batizado. O martírio de um católico conduz à conversão de outros.“

 Perseguição à Igreja: fruto do pragmatismo

É curioso que aqueles mesmos que se referem, de boca cheia, ao pragmatismo dos dirigentes chineses parecem não se perguntar algo de muito importante: por que motivo os dirigentes comunistas, que demonstram pragmatismo em fazer certas mudanças no sistema econômico, continuam a perseguir de modo brutal e inclemente os católicos? Não fará isso também parte do seu pragmatismo? Não verão os dirigentes comunistas chineses nos valores religiosos, morais, culturais e sociais representados pela doutrina do Evangelho uma ameaça ao seu projeto de poder materialista e neo-imperialista?

 Em vez de nos mostrarmos tão inconsequentemente eufóricos e desprevenidos diante das mudanças da China, aceitando essa invasão branca dos capitais, do comércio e da diplomacia chineses, não seria interessante questionarmos o verdadeiro sentido de toda essa transformação e do tão decantado pragmatismo chinês?

 Para os católicos, creio, esse questionamento não constitui apenas um interesse, mas um dever. Afinal, nossos irmãos na Fé são os mártires de nosso século. Na China, as mudanças não mudaram uma realidade trágica para os católicos. Este martírio, curiosamente, é geralmente silenciado. Parece-me um dever de quem tem Fé preocupar-se com o destino dos irmãos nessa mesma Fé. Por isso também os convido adifundir este post de todas as formas possíveis, para que a realidade chinesa seja inteiramente conhecida.

Fonte: Radar da Mídia

To-Hai

Tô Hai, um “prócer” do comunismo vietnamita e célebre compositor no país, anunciou que abandonava o Partido Comunista num livro que causou sensação: ”Journal d’un lâche” (“Diário de um covarde”), segundo informou o site “Le Salon Beige”.

No dia 28 de maio 2014, ele descreveu em seu blog o que sentia com a sua conversão ao catolicismo com uma frase lacônica, mas muito expressiva:

“Uma imensa alegria no fim de minha vida… “.

No dia anterior, quer dizer 27 de maio, ele havia escrito no mesmo blog: Após muitas noites sem dormir, eu por fim encontrei o caminho rumo a uma razão de viver, uma via que eu tinha recusado desde a minha infância: Eu me voltei para Deus! “Meu coração fica agora em paz com minha fé em Deus. O mal foi expulso, eu viverei livre da angústia até o dia em que fecharei os olhos nesta vida”

Após dar essa explicação, ele reproduziu a notícia de seu batismo através da agência de imprensa dos padres redentoristas no Vietnã.

Também acrescentou sua mais recente criação musical: “Dieu vient au secours des égarés!” (“Deus vem em auxílio dos extraviados”)

O músico Tô Hai recebeu o batismo na igreja dos redentoristas em Saigon. Desde 25 de maio ele tem o nome cristão de Francisco Tô Hai.