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Imaginemos como seria receber informações sobre a Batalha das Ardenas no final de 1944, mas sem que nos explicassem que este foi um momento crucial na 2ª Guerra Mundial. Muita gente diria que os jornalistas falharam ao não proporcionar o contexto adequado para entender as notícias.

No entanto, esta realidade é comum na mídia quando se fala sobre a perseguição aos cristãos no mundo. Porque a guerra global contra os cristãos continua sendo a grande notícia nunca contada, em pleno século XXI.
 
Segundo a Sociedade Internacional para os Direitos Humanos, um observatório não confessional com sede na Alemanha, 80% dos atos de discriminação religiosa no mundo hoje se dirigem aos cristãos. Do ponto de vista estatístico, isso torna os cristãos o grupo religioso mais perseguido do planeta.
 
Segundo o Pew Forum, entre 2006 e 2010, os cristãos foram discriminados em 139 países. E, segundo dados do Center for the Study of Global Christianity (EUA), cerca de 100 mil cristãos são assassinados por ano na chamada “situação de testemunho”, nas últimas décadas. Isso significa 11 cristãos assassinados por hora, nos 7 dias da semana e nos 365 dias do ano, em algum lugar do mundo, por razões relacionadas à sua fé.
 
De fato, o mundo está sendo testemunha do surgimento de uma nova geração de cristãos mártires. A matança está acontecendo em tão grande escala, que representa não somente a notícia cristã mais dramática do nosso tempo, mas, com toda probabilidade, o principal desafio para os direitos humanos desta época.
 
Basta olhar ao nosso redor. Em Bagdá, por exemplo, das 65 igrejas cristãs, 40 já foram atacadas com bombas, desde o início da invasão de 2003, guiada pelos EUA. Na época da Guerra do Golfo, em 1991, o Iraque tinha uma comunidade cristã de pelo menos 1,5 milhão de fiéis. Hoje, estima-se que sejam cerca de 150 mil.
 
Orissa, na Índia, é um dos cenários mais violentos. Em 2008, 500 cristãos foram assassinados e cerca de 50 mil ficaram sem moradia. Cerca de 5 mil casas e 350 igrejas foram destruídas. Na Nigéria, o movimento militante islâmico Boko Haram é considerado responsável por pelo menos 3 mil mortes desde 2009, 800 delas só no ano passado.
 
A Coreia do Norte é amplamente considerada como o lugar mais perigoso do mundo para ser cristão; calcula-se que 25% dos cristãos (dos cerca de 300 mil) estão presos em campos de concentração, por negar-se a praticar o culto nacional ao fundador Kim II Sung. Desde a divisão da península, em 1953, mais de 300 mil cristãos da Coreia do Norte desapareceram.
 
A violência anticristã não se limita ao choque de civilizações entre o cristianismo e o islã. Na verdade, os cristãos enfrentam uma desconcertante variedade de ameaças vindas de inimigos diversos e sem uma única estratégia adequada para frear a violência.
 
Por que as dimensões desta guerra global são tão ignoradas? Junto ao fato de que as vítimas são majoritariamente negras e pobres – e, portanto, não consideradas relevantes nas notícias – e tendem a viver e morrer bem longe do radar da opinião pública ocidental, outra razão é o antiquado estereótipo de que o cristianismo é opressor, mais que oprimido.
 
Muitos criadores de opinião, ao ouvir falar de “perseguição religiosa”, pensarão nas cruzadas, na Inquisição, em Galileu, nas guerras de religião. Hoje, no entanto, não vivemos nas páginas de uma obra medíocre de Dan Brown, nas quais os cristãos enviam assassinos loucos para ajustar contas históricas. Pelo contrário: são eles os que fogem dos assassinos que outros enviaram.
 
Por outro lado, a discussão pública sobre temas de liberdade religiosa sofre dois tipos de cegueira. Em primeiro lugar, geralmente se expressa em termos de tensões ocidentais Igreja/Estado, como entre os líderes religiosos dos EUA e a Casa Branca de Obama sobre as leis dos anticoncepcionais como parte da reforma na saúde.
 
Na verdade, no Ocidente, uma ameaça à liberdade religiosa significa que alguém poderia ser processado; em outros lugares do mundo, significa que alguém poderia levar um tiro – e certamente este último é um cenário mais dramático.
 
Em segundo lugar, a discussão se limita às vezes a uma concepção muito estreita do que constitui “violência religiosa”. Se uma catequista é assassinada no Congo, por exemplo, por convidar os jovens a permanecerem fora das milícias e grupos criminosos, isso é considerado uma tragédia, mas não um martírio, porque seus agressores não agiram movidos pelo ódio à fé cristã.
 
No entanto, o ponto crucial não é somente o que havia na mente dos seus assassinos, mas o que havia no coração dessa catequista, que conscientemente arriscou sua vida para servir o Evangelho. Considerar como única prova os motivos dos atacantes, ao invés dos dela, é distorcer a realidade.
 
Sejam quais forem os motivos do silêncio, chegou a hora de acabar com ele. O Papa Francisco reconheceu isso em uma audiência geral do mês passado.
 
“Quando ouço que muitos cristãos no mundo estão sofrendo, sou indiferente, ou os considero como membros da minha família que estão sofrendo?”, perguntou o Papa, acrescentando: “Estou aberto a esse irmão ou a essa irmã da minha família que está dando sua vida por Jesus Cristo?”.
 
Em 2011, o patriarca católico de Jerusalém, Fouad Twal, que preside uma igreja repleta de mártires, pronunciou as mesmas perguntas, em uma conferência em Londres. Indagou com franqueza: “Alguém ouve nossos gritos? Quantas atrocidades ainda teremos de suportar até que alguém, em algum lugar, venha em nosso auxílio?”.
 
Não pode haver uma pergunta sobre o destino do cristianismo no século XXI mais merecedora de uma resposta urgente.
 
(John L. Allen Jr. é autor de “The Global War on Christians: Dispatches from the Front Lines of Anti-Christian Persecution“. Artigo publicado em “The Spectator”)

Maalula 02

Verdadeiros martírios de católicos em mãos de fundamentalistas islâmicos aconteceram em Maalula, aldeia situada ao norte de Damasco, na Síria.

 O testemunho de uma mulher católica, cujo nome é preservado no anonimato por razões de segurança, permitiu à agencia vaticana Fides reconstituir detalhadamente o martírio.

 No dia 7 de setembro, os seguidores de Maomé foram violando casas dos católicos: destruíam imagens religiosas, objetos familiares e semeavam o terror.

 Numa casa estavam os católicos Mikhael Taalab, seu sobrinho Antoun Taalab e seu neto Sarkis el Zakhm, além da mulher A., única sobrevivente.

 Os devotos do Corão intimaram os presentes a se perverterem ao Islã, ameaçando matá-los se não o fizessem.

 Sarkis respondeu alto e bom som: “Sou cristão, e se quereis me matar-me porque sou cristão, fazei-o!”.

 O jovem e seus parentes foram fuzilados a sangue frio. A mulher ficou ferida, mas foi salva num hospital de Damasco como que por milagre.

 “O que aconteceu com Sarkis é um verdadeiro martírio, um assassinato por ódio à fé (in odium fidei)”, disse à Fides a Irmã Carmel.

 Houve grande emoção entre os cristãos de Damasco – onde há muitos fugitivos de Maalula –, especialmente entre os presentes ao funeral.

 As exéquias foram celebradas pelo Patriarca Gregório III Laham na catedral católica do rito greco-melquita.

 

O mundo olha horrorizado para o Egito esta semana. Os números oficiais falam de 525 mortos, incluindo 43 policiais, e 3.000 feridos em todo o país. A Irmandade Muçulmana aumentou o número de mortos para 4.500.

Após a destituição de Mohamed Morsi, o país se viu tomado pela disputa de vários grupos pelo poder. Manifestações em todo o país evoluíram para uma verdadeira batalha campal. Especialistas afirmam que o Egito está numa encruzilhada que pode mudar radicalmente o país caso os aliados da Irmandade Muçulmana vençam. Um dos motivos é por que eles já falam em uma guerra contra Israel.

Os conflitos desde quarta-feira são os mais sangrentos já registrados no país na era moderna. A violência utilizada pelas forças de segurança dos partidários da Irmandade Muçulmana, que controlava o governo deposto, desencadeou uma onda de raiva e vingança em todo o país. Tudo piorou com a renúncia do vice-presidente Mohamed ElBaradei. Ganhador do Nobel da Paz ele justificou que não poderia “assumir a responsabilidade por decisões com as quais não estou de acordo”.

Em meio a isso, muitos muçulmanos se voltaram contra os cristãos, a quem muitos acusam de ter apoiado os inimigos de Morsi. Existem registros que pelo menos 52 igrejas foram queimadas em várias cidades do país, alguns possuíam um grande valor histórico. Escolas cristãs, mosteiros e instituições como a Sociedade Bíblica também foram atacadas. Um grande número de casas pertencentes a cristãos também foram atacadas, os mortos podem passar de 200.

A Igreja Copta, maior grupo cristãos do país, relata que na cidade de Assiut, no centro do país, os fiéis tiveram de fugir por uma janela enquanto uma multidão cercava e apedrejava o seu templo. Nas cidades de Minya, Fayoum e Sohag várias igrejas coptas foram queimadas e já existem vídeos mostrando isso no Youtube.

De acordo com um relato do jornal New York Times, “muçulmanos têm pintado um ‘X’ preto nas lojas cristãs para marcar quais seriam queimadas. Multidões atacaram igrejas e cristãos sitiados em suas casas. Sabe-se de cristãos que foram mortos com golpes de facas e facões em suas casas.” Representantes da liderança cristã do país afirmam que os ataques ocorreram “sem motivo algum, o único crimes que eles cometeram é serem cristãos em um país onde uma das facções políticas está travando uma guerra religiosa e apela para a violência visando ganhos políticos.”

Uma das justificativas para os ataques religiosos é que Tawadros, líder espiritual dos oito milhões de cristãos coptas do Egito, expressou seu apoio à retirada dos militares que apoiavam Morsi e a suspensão da Constituição do Egito. Os cristãos são cerca de 10% dos 85 milhões de habitantes do Egito.

Embora o exército tenha declarado “estado emergência”, ninguém sabe que rumos essas manifestações podem tomar. A maioria da população não apoia o golpe de Estado ocorrido no início de julho contra o Governo eleito.

Vários países europeus como o Reino Unido, França e Alemanha manifestaram o pesar pela violência no Egito. O presidente francês chegou a falar em uma intervenção internacional para evitar uma guerra civil. O Governo da Turquia, país igualmente muçulmano, pediu que “a comunidade internacional, liderada pelo Conselho de Segurança da ONU e da Liga Árabe” possam intervir e impor medidas radicais para parar os assassinatos.

Com informações CNN, Christianity Today e Daily News Egypt.



Por George-François Sassine

Fonte: Fratres in Unum.com

Em nota reproduzida pela ACI Digital (a partir de comunicado da Custódia da Terra Santa) e confirmado por este que escreve, ao assistir ao vídeo postado no site LiveLeak: foi por morto por degola, no dia 23 de junho, o padre sírio-católico François Murad, na cidade de Gassanieh, ao norte do país.

“Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos” (Evangelho de São Mateus, cap. 10, vers. 16).

Padre Murad era responsável pela construção do mosteiro (cenobítico) de São Simeão Estilita (O “Antigo”), o qual foi atacado pela milícia muçulmana Jahbat al-Nusra. Posteriormente, se refugiou no Convento de Santo Antônio de Pádua das Irmãs do Santo Rosário, ainda em Gassanieh, a quem passou a prestar apoio. Por isso era próximo aos frades (franciscanos) da Custódia da Terra Santa.

O padre, juntamente com um fiel leigo, foram acusados pelo “tribunal” (sic!) dessa milícia de colaboração com o presidente sírio, Bashar al-Assad. A sentença foi a degola de ambos.

Padre Murad, durante todo o tempo, permanece ajoelhado, quase em prostração. Mãos postas, cabeça baixa, possivelmente rezando e se entregando a Nosso Senhor. Usa a batina preta, tradicional para o dia-a-dia: distingue-se do homem comum e distingue-se como servo do único verdadeiro Deus, o Deus da Trindade.

Não oferece resistência e sua agonia – sob os gritos selvagens dos rebeldes muçulmanos –  rapidamente (não mais que um minuto) termina. Deus lhe permita a glória dos mártires, junto a Santo Ignácio de Antioquia e a Santo Estevão Apóstolo.

No mundo moderno ocidental pensa-se: “A Síria é muito distante para que seja objeto de preocupação. Afinal, já não bastam os problemas que temos aqui?”.

Infelizmente essa realidade de pensamento é mais forte do que a recomendação de Nosso Senhor: a de que rezássemos uns pelos outros.

Silenciosa e novamente, mais do que a “objetividade prática” deste mundo é capaz de supor, permita assim Nosso Senhor e Salvador: se o solo daquelas bandas recebe novamente sangue, que seja este sangue testemunho e semente da verdadeira Fé, exemplo para todo o mundo.

O cristianismo é hoje a religião mais perseguida do mundo. É uma verdadeira emergência humanitária, embora a maioria das instituições internacionais, governos e meios de comunicação silenciem”. Esta é uma das premissas defendidas pelo jornalista e professor da Universidade Abat Oliba, Daniel Arasa, em seu novo livro “Cristãos, entre a persecução e o mobbing”.

De acordo com o autor, o acosso à religião vem se manifestando nos últimos anos em duas modalidades.

Em primeiro lugar, a perseguição aberta e sangrenta, que acontece em muitos países muçulmanos e em outros como a Índia.

Em segundo lugar, o Ocidente está sofrendo, cada vez mais, um ataque contra a liberdade religiosa. Não há perseguição, mas, frequentemente, há “escárnio cultural e marginalização”.

O livro, publicado em espanhol, defende com clareza o direito à liberdade religiosa como um direito inato, que não depende de concessão pelos poderes públicos e que interessa tanto aos crentes quanto aos não crentes, já que estes também terão a sua liberdade garantida. Quando essa liberdade é violada, é sinal de que outras liberdades, como a de expressão, a de reunião e a de manifestação, também são afetadas, e não apenas no âmbito religioso.

Zenit

O cardeal Francis George, arcebispo de Chicago (EUA), enregelou seus leitores pela franqueza inusual com que se referiu à presente situação religiosa.

Atingido por um câncer e na idade de renunciar à arquidiocese, em artigo para Catholic Culture de 24 de outubro ele escreveu.“Espero morrer em meu leito; meu sucessor morrerá na prisão, e o sucessor dele morrerá mártir na praça pública”.

O cardeal aludia à onda de cristofobia que cresceu nos EUA nos últimos anos.

O laicidade – sob cuja bandeira se atenta contra os direitos de Cristo e de sua Igreja – é, segundo o cardeal, um “problema bem mais importante” que qualquer uma das questões levantadas durante a campanha presidencial americana.

O mundo laicista está “do lado errado da única história que afinal de contas tem importância” – acrescentou.

O cardeal George sublinhou que os sentimentos anti-religiosos que se manifestaram com tanta agressividade durante a campanha presidencial introduzem no horizonte a perspectiva do martírio.

E acrescentou que, como em ocasiões análogas anteriores, em longo prazo a Igreja sairá vitoriosa, assumirá a tarefa de “reerguer a partir dos escombros uma sociedade arruinada, e ajudará lentamente a reconstruir a civilização, como Ela já o fez tão frequentemente na história da humanidade”.

A Revista Época publicou uma matéria na qual destaca a perseguição sofrida por cristãos em países de maioria islâmica como na África Ocidental, no Oriente Médio, no Sul da Ásia e também na Oceania.

O texto foi assinado pela pesquisadora Ayaan Hirsi Ali, nascida na Somália, e que hoje vive na Holanda. Hirsi Ali falou em seu texto sobre a situação vivida pelos cristãos em lugares onde a liberdade religiosa é combatida com armas, bombas e muita violência, e lembrou os diversos ataques sofridos por cristãos em países como a Nigéria, onde o grupo extremista Boko Haram já matou dezenas de pessoas desde o começo desse ano.

Além da Nigéria, foram destacados também problemas do Sudão onde, governados pelo regime autoritário do norte, muçulmanos sunitas atormentam as minorias cristãs e animistas do sul do país.

Segundo a revista, os extremistas usam as leis contra a blasfêmia como pretexto para empregar a violência contra minorias religiosas, valendo-se de assassinatos brutais, bombardeios, mutilações e incêndios em lugares sagrados.

A pesquisadora cita em seu texto o fato de que a mídia local desses países não divulga os casos de cristofobia, e afirma que a influência de grupos de lobby como a Organização da Cooperação Islâmica é uma das várias origens do problema que faz com que a constante matança de cristãos não seja divulgada.

Veja infográfico que retrata o mapa da violência contra os cristãos nesses países:

Luis Dufaur

Centenas de católicos estão sendo martirizados em covardes atentados perpetrados na Nigéria por uma seita islâmica denominada “Boko Haram”. A mídia não explica de onde vem esse grupo. Entretanto, seu líder, o Imam Abubakar Shekau, diz o que pensa até no Youtube:

“Todo o mundo sabe que a democracia e a Constituição são o paganismo, e que existem algumas coisas que Deus proibiu no Alcorão que não podem ser mencionadas, inclusive a educação ocidental! (…).

“Alá disse que nós devemos mostrar o caminho certo e abraçar a pessoa que não vai seguir Alá. Você [NR: dirige-se ao presidente da Nigéria] deve saber que o Jesus dos cristãos é um servo e profeta de Deus. Ele não é o Filho de Deus. A religião do cristianismo que você está praticando não é uma religião de Deus – é o Paganismo. Deus a desaprova. O que você está praticando não é religião.

“Além disso, vocês, cristãos, nos enganaram e nos mataram a ponto de comer a nossa carne como canibais. Estamos tentando forçar você a abraçar o Islã, porque é isso que Deus nos instruiu fazer. (…) É por isso que, como líder desta seita, eu digo que se arrependa, e vocês, cristãos, se arrependam!

“O caminho que estamos tomando é o caminho de Alá. Alá nos deu a vitória e temos feito o que nós queríamos fazer.

“Nós dizemos basta! Nós servimos a Alá (…), seguimos os princípios do Alcorão e, qualquer um que pensar que nós podemos lutar contra Alá, não deve achar que sua oração na mesquita pode salvá-lo. Qualquer muçulmano que pretender nos enganar e se esconder sob o manto da religião, se descobrirmos tal pessoa, não hesitaremos em eliminá-la. Sim, eu estou dizendo isso porque não leva cinco minutos para matarmos alguém do jeito que estamos sendo mortos. Nós seguimos os ensinamentos do Alcorão. Isto é o que Deus me disse para explicar”.


Pedro Calungsod (1654-1672), leigo, catequista, jovem mártir das Filipinas, beatificado por João Paulo II, faz parte dos futuros santos, cuja canonização será aprovada por Bento XVI, no sábado próximo, 18 de Fevereiro.

Tendo sido reconhecido o seu martírio, sua causa não precisava de outro milagre para a beatificação. No entanto, foi documentada uma primeira cura que aconteceu depois de invocá-lo: a cura de uma mulher que tinha câncer nos ossos. Ela participou da sua beatificação, no dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro.

Mas era preciso outro milagre, acontecido depois de sua beatificação para abrir o caminho para a canonização. O milagre que permitiu este passo aconteceu em 2003 no hospital na cidade de Cebu: uma mulher considerada morta, depois de duas horas, voltou à vida após a invocação do bem-aventurado mártir jovem.

Sua vida foi uma mudança contínua no serviço do Evangelho. Era original de Molo, bairro chinês da cidade de Iloilo. Em seguida, partiu para Cebú, também no centro do arquipélago, para proclamar o evangelho lá. Estudou com os jesuítas de Loboc, na ilha de Bohol. Em 1668, viajou para Guam, no arquipélago das Ilhas Marianas, para se juntar a uma das missões dos jesuítas espanhóis. Com o beato Diego San Vitores (1627-1672), catequizaram os Chamorros.

Mas um comerciante chinês, chamado Choco, fez circular o boato de que a água batismal foi envenenada. Então, uma criança que tinha sido batizada morreu e os missionários tornaram-se os responsáveis. Choco foi apoiada pelos “homens médicos”, o “macanjas” e pelos “jovens homens”, os “urritaos” que desprezavam os missionários.

No dia 2 de abril de 1672, os missionários foram para a aldeia de Tumon para batizar a filha do chefe Mata’pang  que recusou de repente. Mas eles foram em frente, tendo recebido autorização da mãe da criança.

Liderados por Mata’pang e pelo chefe Hurao, os assassinos caçaram Calungsod e San Vitores, ao longo da praia, e os fizeram prisioneiros. Imediatamente mataram o jovem Pedro com uma espada e Diego com um “bolo” uma tradicional faca em forma de folha, mutilando seus corpos e jogando-os no mar.

Pedro Calungsod será o segundo católico das Filipinas reconhecido santo, depois da canonização de São Lorenzo Ruiz, em 1987.


John L. Allen Jr,
National Catholic Reporter

Em seu discurso anual aos diplomatas do dia 9 de janeiro, o Papa Bento XVI destacou a liberdade religiosa com ênfase nos cristãos perseguidos em todo o mundo. “Em muitos países, os cristãos estão privados dos direitos fundamentais e marginalizados da vida pública”, disse ele. “Em outros países, eles suportam ataques violentos contra suas igrejas e seus lares”.

Os cristãos não são vulneráveis apenas quando são minoria nesses países.


Acima de tudo, mesmo que isso fosse verdade, dificilmente diminuiria a seriedade da questão. De acordo com uma recente análise do Pew Forum, 10% dos cristãos vivem em sociedades em que são uma minoria. Dado que existem 2,18 bilhões de cristãos no planeta, isso se traduz em mais de 200 milhões de pessoas, muitas delas enfrentando ameaças, como as da Faixa de Gaza.

Qualquer flagelo que põe 200 milhões de pessoas em perigo, seja qual for a causa, mereceria preocupação.


No entanto, é palpavelmente falso que a perseguição ocorre apenas onde os cristãos são uma minoria. Segundo dados de outubro de 2010 do Pew Forum, os cristãos enfrentam ataques em um impressionante total de 133 países, o que representa mais de dois terços de todas as nações da terra, incluindo muitas onde os cristãos são uma forte maioria.

Um olhar sobre uma recente lista reunida pela Agência Fides, a agência de notícias missionária do Vaticano, de agentes de pastoral católicos mortos durante o ano passado, ilustra esse ponto.

Dos 26 que perderam suas vidas em 2011, apenas um morreu em um país onde os cristãos são uma minoria: o padre salesiano Marek Rybinski, morto na Tunísia, em fevereiro. Todos os demais morreram em países onde os cristãos são maioria, incluindo várias nações majoritariamente católicas, como ColômbiaMéxicoBurundiSudão do Sul Filipinas.

Colômbia, o sexto maior país católico do planeta, também foi lugar mais perigoso do mundo para ser um agente de pastoral católico em 2011. Seis padres e um leigo morreram, somando-se a uma sangrenta contagem de 70 padres, dois bispos, oito religiosos e três seminaristas mortos na Colômbia desde 1984.

Um dos mais angustiantes e novos martirológios de 2011 veio do México, onde 92% da população é católica. Mary Elizabeth Macías Castro, líder do Movimento Leigo Scalabriniano e blogueira, foi decapitada por expor as atividades de um cartel de drogas. De acordo com a Comissão para a Proteção dos Jornalistas norte-americana, ela foi a primeira jornalista do mundo morta devido ao uso de mídias sociais.

Em qualquer lugar em que os cristãos professam a sua fé abertamente, tomam posições contra a injustiça ou se colocam em perigo por causa do Evangelho, eles estão em risco – seja qual for a demografia religiosa do lugar.

Nem Tudo tem a ver com o Islã..


Uma parcela desproporcional de perseguições anticristãs é, na verdade, alimentada pelo Islã radical.
Open Doors, um grupo evangélico, colocou nove Estados muçulmanos em sua lista “Top 10” de 2011 dos lugares mais perigosos para os cristãos, incluindo AfeganistãoArábia SauditaSomália Irã.

No entanto, simplesmente identificar a perseguição anticristã com o Islã é enganoso. Há exemplos convincentes de colaboração entre cristãos e muçulmanos em várias partes do mundo, e essa é a base da visão do Papa Bento XVIde uma “Aliança de Civilizações” (um dos principais partidos políticos das Filipinas, por exemplo, é o Democratas Muçulmanos Cristãos). Também não se deveria esquecer que as vítimas mais numerosas do extremismo muçulmano são, de fato, outros muçulmanos.

Além disso, o Islã radical dificilmente é a única fonte de animosidade anticristã. Os cristãos sofrem de uma série de outras forças, incluindo:

O ultranacionalismo (como na Turquia, onde nacionalistas extremistas tendem a ser uma ameaça maior do que os islamistas);

Estados totalitários, especialmente do âmbito comunista (ChinaCoreia do Norte);

O radicalismo hindu (a agressão anticristã se tornou rotineira em algumas regiões da Índia. Nesta semana, radicais hindus armados com paus e barras de ferro atacaram 20 cristãos pentecostais em uma casa particular perto de Bangalore, um ataque que deixou o pastor sem um dedo de sua mão esquerda. Quando os cristãos denunciaram agressões semelhantes há duas semanas, um membro da comissão oficial do Estado para as minorias, que está sob o controle de um partido nacionalista hindu, deu de ombros: “Se realmente conhecessem os ensinamentos de Jesus, os cristãos não deveriam estar reclamando”, ele teria dito);

O radicalismo budista (como no Sri Lanka, onde, ao contrário dos estereótipos de tolerância budista, manifestações lideradas por monges budistas atacaram igrejas cristãs e outros alvos em todo o país em 2009);

Interesses corporativos (como na região amazônica do Brasil, onde ativistas cristãos foram mortos por protestar contra injustiças dos conglomerados do agronegócio);

O crime organizado, narcotraficantes e bandidos menores (por exemplo, o assassinato, em 1993, do cardeal mexicano Juan Jesús Posadas Ocampo, alvejado 14 vezes no aeroporto de Guadalajara por homens armados ligados a um cartel de drogas, ou o assassinato no mesmo ano do padre italiano Giuseppe Puglisi, um crítico feroz da máfia siciliana);

Políticas de segurança impostas pelo Estado (como em Israel, onde postos de controle, requisitos de visto e outras restrições dividem as famílias cristãs entre a Jerusalém Oriental e a Cisjordânia e tornam praticamente impossível que os cristãos de um local prestem culto em outro);

E até mesmo, acredite ou não, o radicalismo cristão.

Se esse último dado parece ser contraintuitivo, considere-se o que aconteceu no vilarejo de San Rafael Tlanalapan, no estado mexicano de Puebla, em setembro passado. Setenta protestantes locais foram forçados a fugir depois que um grupo de católicos tradicionalistas emitiram um ultimato assustador: saiam imediatamente ou serão “crucificados ou linchados”.

A questão é que o extremismo e a intolerância de qualquer tipo, não (apenas) o Islã, são a ameaça.

Ninguém a viu chegar..


Quando os cristãos são alvejados, os políticos e a polícia muitas vezes desempenham o papel de capitão Louis Renault, em Casablanca, que professa seu choque com o que aconteceu, mas sugerindo que a violência foi uma calamidade imprevisível, em vez de uma falha de vigilância. No entanto, em um número perturbador de casos, os sinais de advertência foram muito claros.

Turquia é um exemplo. No dia 3 de junho de 2010, o bispo Luigi Padoveso , um capuchinho italiano e vigário apostólico de Anatólia, foi assassinado pelo seu motorista, que alegou ter tido uma revelação privada identificando Padovese como o anti-Cristo. Como o motorista estava recebendo tratamento psiquiátrico, as autoridades turcas anunciaram que não houve “motivo político” e declararam o caso encerrado.

O que não se reconheceu foi o clima geral em que um louco pôde ter tido a ideia de que um bispo católico era a encarnação do mal.

Pouco depois que Padovese chegou em 2004, começaram as negociações para a adesão da Turquia à União Europeia, inflamando ressentimentos nacionalistas. Entre esse ponto e a morte Padovese em 2010, um claro padrão de ameaça surgiu para a pequena minoria cristã (150 mil de 72 milhões):

Em 2005, polêmicos minidramas sobre as Cruzadas foram ao ar na televisão turca, o que fez com que pedras começassem a ser atiradas contra as janelas de igrejas cristãs, lixo fosse deixado na porta das igrejas e abusos verbais fossem proferidos contra o clero cristão pelas ruas;

Também em 2005, um livro sensacionalista foi publicado por um turco chamado Ilker Cinar, que alegava ser um ex-protestante que havia retornado ao Islã, intitulado Eu fui um missionário. O Código está decodificado. Ele afirmava que os cristãos estavam trabalhando com os separatistas curdos e queria, destruir a nação.

No dia 8 de janeiro de 2006, um líder da Igreja Protestante de Adana foi espancado por cinco homens jovens;

No dia 5 de fevereiro de 2006, um missionário católico italiano chamado Pe. Andrea Santoro foi assassinado a tiros na cidade de Trabzon por um jovem de 16 anos que gritava Allahu Akhbar (Padovese celebrou a missa fúnebre);

Nas semanas seguintes ao assassinato de Santoro, o padre esloveno Martin Kmetec foi jogado em um jardim e ameaçado de morte na cidade portuária de Izmir, enquanto o padre francês Pierre Brunissen foi esfaqueado no porto de Samsun, no Mar Negro;

No dia 19 de janeiro de 2007, um proeminente cristão turco de origem armênia, Hrant Dink, foi assassinado em Istambul;

No dia 18 de abril de 2007, três missionários cristãos que dirigiam uma pequena editora foram assassinados em Malatya;

Em 2009, a imprensa turca publicou notícias sobre o “Plano Cage”, um esquema preparado por ultranacionalistas em conjunto com membros das Forças Armadas para desestabilizar o Estado por meio de ataques contra cristãos, armênios, curdos, judeus e alevitas.

Nesse contexto, realmente faz sentido definir o assassinato de Padovese como um ato isolado? Ou seria mais correto dizer que, mesmo que ninguém pudesse prever o momento e o alvo precisos do próximo ataque, a Turquia havia permitido um clima perigoso se exasperasse?

Para ser justo, as autoridades turcas deram passos depois de 2007 para suavizar as polêmicas anticristãs na mídia e, segundo a Associação das Igrejas Protestantes da Turquia, a violência diminuiu. Seu relatório anual listou 19 ataques anticristãos em 2007 e 14 em 2008, mas apenas dois em 2009. O assassinato de Padovese, no entanto, sugere que a mudança do clima continua sendo um trabalho em andamento.

Só é perseguição se os motivos forem religiosos?


Analisando a lista da Fides de agentes pastorais mortos em 2011(publicados aqui no Blog), é tentador concluir que grande parte dessa violência realmente não é anticristã. Em muitos casos, parece ser mais uma questão de estar no lugar errado na hora errada.

Um padre colombiano, por exemplo, foi esfaqueado até a morte por um ladrão que tentou roubar seu celular; outro foi baleado por bandidos que estavam atrás de sua motocicleta. O mesmo pode ser dito sobre a Ir. Lukrecija Mamica, uma membro croata das Irmãs da Caridade, e do leigo voluntário italiano Francesco Bazzani, ambos assassinados no Burundi em novembro. Mamica foi morta durante um assalto à residência das irmãs. Os ladrões então sequestraram Bazzani e o mataram quando um impasse com a polícia deu errado.

Ou consideremos o que aconteceu no dia 11 de janeiro em Kirkuk, no Iraque, onde homens armados abriram fogo contra o palácio do arcebispo caldeu. A polícia sugeriu que foi um erro, e que os terroristas tinham a intenção de atacar a casa próxima de um membro turcomeno do Parlamento iraquiano. Felizmente, ninguém ficou ferido no interior da residência do arcebispo, mas, supondo-se que alguém tivesse sido, isso seria contado como violência anticristã?

Certamente, nenhum desses casos se encaixa na definição tradicional de martírio, que requer que alguém seja mortoin odium fidei – por ódio à fé. Mesmo esse padrão, no entanto, está sendo estendido nos dias de hoje. O Papa João Paulo II acrescentou mártires mortos in odium ecclesiae – por ódio à Igreja –, e muitos teólogos acreditam que o martírio deveria incluir não apenas as mortes por ódio à fé, mas também o ódio a virtudes essenciais para a fé.

Em todo caso, os riscos atuais dificilmente se limitam aos clássicos casos de martírio, mas sim a uma grande variedade de circunstâncias em que os cristãos estão em perigo. Mesmo que não sejam atacados por motivos religiosos, as suas razões para estarem naquele lugar geralmente estão enraizadas em sua fé.

No Burundi, por exemplo, Mamica Bazzani quase certamente não foram alvejados por serem cristãos. Com toda a probabilidade, seus assassinos simplesmente pensavam que uma residência de freiras tinha coisas que valiam a pena roubar e não estariam fortemente guardadas. Ainda assim, uma religiosa e um leigo voluntário da Europa obviamente sabiam que havia lugares muito mais seguros para estar do que no noroeste do Burundi, um epicentro do genocídio de 1994. Eles escolheram estar lá porque suas crenças religiosas os levaram a ir ao encontro das pessoas esquecidas e vulneráveis.

Da mesma forma, até agora, o arcebispo Louis Sako e os outros caldeus em Kirkuk, ambos clérigos e leigos, facilmente poderiam ter ingressado no êxodo dos cristãos do Iraque. Eles preferiram ficar, muito provavelmente porque acreditam na importância de um testemunho cristão, ou simplesmente porque não querem ver a sua Igreja extinta depois de 2.000 anos de história.

Na identificação de cristãos que precisam de ajuda, a única coisa que deveria importar é que eles estão na linha de fogo – e não o que está na cabeça de quem quer que seja que puxe o gatilho.

Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação

Ao recusar-se a renegar o cristianismo, o pastor Youcer Nadarkhani, 34 anos, casado, dois filhos, foi condenado à pena de morte por enforcamento. Ele está preso desde 12 de outubro de 2009, acusado de apostasia por um tribunal de Rasht, no Irã.

O código penal iraniano não prevê pena capital para quem abjura do islamismo, relatou o repórter Ignacio Cembrero, do El País. Mas os juízes podem inspirar-se nos fetuas – editos islâmicos pronunciados por teólogos – para justificar sentenças ignorando a legislação vigente.

Em outubro de 2009, o governo iraniano decretou que todos os alunos do Ensino Médio e Fundamental deveriam participar de aulas de islã, independente de credo religioso. O pastor não aceitou a decisão e tentou retirar seus dois filhos, Daniel Joel, da escola, sob a alegação de que a constituição do Irã reconhece a liberdade de culto para as religiões do Livro, entre elas o cristianismo.

Nadarkhani é pastor evangélico e trabalhava desde 2001 na região de Gilan, a 250 Km de Teerã, onde fundou uma pequena comunidade, chamada Igreja do Irã. Dos 71 milhões de iranianos, apenas 300 mil são cristãos.

Desde junho de 2010, cerca de 300 cristãos foram presos em 35 cidades do Irã. Muitos deles continuam detidos e esperam julgamento. O pastor evangélico foi convidado, em setembro, a renegar o cristianismo e a retomar sua fé no islã para escapar da condenação.

Também o advogado do pastor, Mohamed Ali Dadkhah, foi condenado a pagar uma multa, será profissionalmente descredenciado e ainda levará cinco chibatadas por fazer propaganda contra o regime islâmico.

Jean-Pierre Schumacher, um dos monges sobreviventes do massacre de 1996 jamais havia falado depois da morte dos monges de Tibhirine até agora.

Aos 88 anos em um mosteiro no Marrocos, aceitou ser entrevistado.
Confira na integra a entrevista de Jean-Marie Guénois, publicada na revista Le Figaro Magazine sobre sua opinião sobre o filme homens e Deuses.

O senhor gostou do filme “Homens e deuses”?

Ele me tocou profundamente. Comoveu-me rever as coisas que vivemos juntos. Mas senti principalmente uma espécie de plenitude, nenhuma tristeza. Achei o filme muito bonito, porque a sua mensagem é realmente verdadeira, mesmo que a filmagem nem sempre corresponda exatamente com o que aconteceu. Mas isso não importa. O essencial é a mensagem. E o filme é um ícone. Um ícone diz muito mais do que se vê… É um pouco como o canto gregoriano. Quando é bem composto, o autor coloca nele uma mensagem, e quem o canta encontra nele mais ainda, porque o Espírito trabalha nele. Nesse sentido, o filme é um ícone. É verdadeiramente um êxito, uma obra-prima.

O senhor não tem nenhuma crítica a fazer?
Ouvi algumas críticas ao papel do prior, Christian de Chergé. Alguns o acharam um pouco apagado, mas eu o achei muito bom. Outros o acharam muito austero, porque jamais se vê ele sorrindo. Mas ele tem tudo a ver com o personagem que convém à grave situação que atravessamos. Admira, nesse papel, o seu modo de se pôr à escuta dos freis, particularmente nos momentos difíceis. Ele não quer impôr. Ele está à escuta. Sente-se que ele tem pleno respeito pelos freis. Vê-se o pastor e a sua preocupação de se abrir a Deus, para se deixar trabalhar por Deus e ter a reação certa perante os freis. Em todo o filme, vê-se essa abertura a Deus, ele se interroga, ele se deixa influenciar por ele. Isso é monástico!

Há alguma lacuna com relação à história real?
Não a percebi.

Mas como o senhor, como monge, vive o sucesso do filme?
Estamos contentes e maravilhados de ver um tal sucesso, mas não temos nada a ver! O fato de ser conhecido me perturba um pouco… Um monge é feito para estar escondido.

Por que no início da gravação do filme o senhor era contrário?
Não queríamos aceitar o filme, nem que ele fosse filmado no Marrocos por causa do risco de sermos suspeitos de proselitismo. Naquele momento, alguns não recebiam mais há muito tempo a permissão de estada. Devíamos ser muito prudentes, mas estávamos abandonamos à vontade do Senhor. Por isso, não fomos consultados. A equipe sabia da nossa oposição e conhecia as razões da nossa prudência. Foram muito respeitosos.

Quando o senhor chegou em Tibhirine?
Jamais me esquecerei daquele 19 de setembro de 1964, quando chegamos perto do mosteiro em dois cavalos. Sempre verei aquele menino na garupa de um asno que veio ao nosso encontro para nos acolher. Eu estava muito feliz. Da minha pequena cela, eu via o claustro, o jardim e o vilarejo à distância. Eu então me disse: eis a paisagem que eu verei no final da minha vida. Porque no meu coração era pela vida inteira. Sem retorno. Fiquei 32 anos, de 1964 até o sequestro em 1996.

Como era a vida lá?
Os primeiros tempos foram difíceis. Na comunidade, faltava estabilidade, e foi um período muito duro de se viver. Além disso, a nova Argélia estava se ajeitando. As relações com as pessoas dos arredores não eram fáceis. Havia reflexos da rejeição dos franceses. Percebia-se essa lacuna por ocasião das festas, cristãs ou muçulmanas. Não tinham nada a ver umas com as outras. Lutamos contra isso e procuramos nos tornar mais sociáveis mutualmente. Por isso, o consultório, administrado pelo frei Luc, foi muito importante. Ele acolhia até 80 pessoas por dia! Depois, Christian de Chergé foi eleito prior em 1984. Tínhamos necessidade de alguém como ele que falasse árabe e conhecesse bem a cultura muçulmana. Desde então, tornamo-nos uma verdadeira comunidade, mais estável. Quem se engajava, o fazia a sério. Éramos quase independentes. Isso foi uma vantagem, porque nos permitiu empreender muitas iniciativas nas relações islamo-cristãs.

Que papel teve Christian de Chergé?
Com ele, houve uma evolução para a islamologia. Ele, pessoalmente, estudou muito o Alcorão. De manhã, ele fazia a lectio divina com uma Bíblia em árabe. Às vezes, fazia a meditação com o Alcorão. Ele procurava nos fazer evoluir. Tínhamos relações com o Islã, mas não em nível intelectual. Ele conhecia muito bem o ambiente muçulmano e a espiritualidade sufi. Alguns monges consideravam que a comunidade devia permanecer em equilíbrio e que nem tudo devia ser orientado pelo Islã. Isso causou alguns atritos. As tensões acabaram sendo superadas graças à criação de um grupo de troca e de partilha com muçulmanos sufis, que chamamos de ribat, um termo árabe. Entendemos que a situação sobre os dogmas dividia, já que era impossível. Então, falava-se do caminho para Deus. Rezava-se em silêncio, cada um segundo sua própria oração a Ele. Esses encontros bienais se interromperam em 1993, quando começou a ficar perigoso. Mas o conhecimento mútuo fez de nós verdadeiros irmãos, profundamente.

Em que o padre Christian de Chergé lhe marcou?
O que mais me tocava nele era a sua paixão interior pela descoberta da alma muçulmana e por viver essa comunhão com eles e com Deus, sempre permanecendo um verdadeiro monge e cristão.

A quem o senhor se sentia mais próximo?
Do frei Luc! Éramos muito próximos. Ele não era padre, era frei. Podia-se confiar nele. Era cheio de sabedoria. Em uma pequena comunidade em que não há muitos sacerdotes, não é fácil encontrar um diretor espiritual. Se eu tinha um problema ou uma dificuldade de relação com um coirmão, eu ia logo ao encontro do frei Luc, sabendo bem que haveria uma resposta. Era um modelo… No capítulo, mesmo durante o período de tensão e de medo, ele sempre conseguia arrancar uma risada. Ele era precioso para a vida em comum. Mesmo que, como médico, ele tivesse um regime especial, porque ficava todo o dia no consultório e além disso se ocupava da cozinha! Começava os seus dias à 1h da manhã para estar pronto para as sete horas no consultório. Sofria de asma e não conseguia dormir. Dormia de pé! Era muito próximo também do frei Amédée, o outro que conseguiu escapar, que morreu aqui, em Midelt.

O senhor reza pelos freis desaparecidos?
Busco ter um momento todas as manhãs. Não me esqueci deles. Continuam presentes. Todos. Busco seguir em frente. O filme, desse ponto de vista, nos estimula na nossa vocação.

Os seus coirmãos lhe falam na oração?
Não, ainda não… Tenho a certeza de que estão perto do Senhor. Tive essa certeza desde o início, por causa do seu martírio. Isso dá alegria, não tristeza. É isso que eu sinto olhando o filme: alegria, não nostalgia! (risos). Esperando que o Senhor nos mande outros monges que queiram viver isso.

O senhor nunca sente saudades da vida em Tibhirine?
Um pouco, sim… Vivemos coisas muito bonitas juntos. E depois a vida em comum para representar o Senhor e a sua Igreja. É uma vocação muito bonita. Pode levar longe. Cristo é maior do que a Igreja. Os sufis utilizam uma imagem para falar da nossa relação com os muçulmanos. É uma escada dupla. Os pés apoiam-se na terra, e a parte alta toca o céu. Nós subimos de um lado, eles do outro, segundo o seu método. Quanto mais se está perto de Deus, mais se está perto uns dos outros. E, reciprocamente, quanto mais se está perto uns dos outros, mais se está perto de Deus. Toda a teologia está nisso!

Porém, o encontro era com a morte…
O que vivemos lá, juntos e desde o início, foi uma ação de graças. Preparamo-nos para isso juntos. Por fidelidade à nossa vocação, havíamos decidido ficar, sabendo muito bem o que podia acontecer. O Senhor nos envia. Não renunciamos mesmo que, ao nosso redor, os violentos busquem nos fazer ir embora, e até mesmo as autoridades. Mas temos o nosso Mestre e estávamos comprometidos com Ele.
Em segundo lugar, veio a vontade de ser fiéis às pessoas que estavam ao nosso redor e de não abandoná-las. Estavam tão ameaçadas quanto nós. Estavam entre dois fogos, o Exército e os terroristas. A decisão de não nos separarmos foi tomada em 1993. E mesmo que fôssemos dispersados pela força, devíamos nos reencontrar em Fez, no Marrocos, para recomeçar e nos estabelecer em um outro país muçulmano.

Como o senhor vive o que aconteceu: como um fracasso ou como um cumprimento?
Depois do sequestro, eu e o padre Amédée fomos obrigado a ir à Argélia com a polícia. Rezamos pelos nossos coirmãos para que Deus lhes desse a força e a graça de ir até o fim. Esperávamos uma intervenção da França ou uma intervenção eclesiástica que lhes obtivesse a libertação. Ficamos sabendo da sua morte no dia 21 de maio de 1996. Estávamos rezando as Vésperas. De repente, jovem frei chegou na capela e se jogou por terra diante de todos, gritando o seu desespero: “Os freis foram todos mortos!”. À noite, enquanto estávamos lado a lado lavando os pratos, eu lhe disse: “É preciso viver isso como algo muito bonito, muito grande. É preciso ser digno. E a missa que celebraremos por eles não será de preto. Será de vermelho”. Nós os vimos logo como mártires, com efeito. O martírio era o cumprimento de tudo ao nos que havíamos preparado há muito tempo ao longo da nossa vida. Aqueles anos que havíamos vivido juntos no perigo. Estávamos prontos, todos. Mas isso não excluiu o medo.

Quando começou o medo?
A partir de 1993, depois da visita do GIA [Grupo Islâmico Armado], na noite de Natal. A comunidade, a partir de então, se reforçou muito em união e em profundidade. O perigo já estava em todos os lugares, em todos os instantes, noite e dia. Isso nos abalou muito. Havíamos visto verdadeiramente o abismo naquele momento.

O que aconteceu exatamente?
Na noite de Natal de 1993, eles escalaram o muro. Estávamos na sacristia com Célestin, que preparava os folhetos dos cantos para a missa de Natal. Homens armados até os dentes nos circundaram. Os croatas haviam recém sido mortos, pensamos que era a nossa vez. Eles nos tranquilizaram. Como éramos religiosos, não nos fariam nada. Mas começaram então a falar mal do governo. Depois, o chefe disse: “Quero falar com o papa daqui”. Fomos procurar Christian, que logo disse: “Não, aqui não se com armas. Se querem entrar, deixem as suas armas do lado de fora. Ninguém jamais entrou aqui armado. Esta é uma casa de paz!”.
No fim, discutiram e exigiram três coisas: que o doutor fosse cuidar dos feridos na montanha, medicamentos, dinheiro. Com tato, Christian respondeu não a todas as demandas. Exceto pelos feridos, que podiam vir, como todos, ao consultório. Depois, disse em árabe que estávamos preparando “a festa do nascimento do príncipe da paz”. Eles não sabiam disso e se desculparam, mas disseram: “Voltaremos”. Dando uma palavra de ordem: eles perguntariam pelo “senhor Christian”. Naquela noite, a missa da meia-noite tinha um sabor particular. No dia seguinte, no capítulo, começamos a discutir o futuro.

O que decidiram?
Que, se pedissem dinheiro, lhes daríamos um pouco para evitar a violência, mas pensávamos também em ir embora, porque não queríamos colaborar com eles. Depois o bispo de Argel veio nos dizer que, se decidíamos partir, não devíamos ir todos juntos, para não assustar a Igreja da Argélia. Decidimos que dois dentre nós partiriam. Célestin, que havia ficado traumatizado desde aquele Natal e que devia passar por uma cirurgia de seis pontes de safena no coração, e o frei Paul, que precisava de repouso.

Havia unanimidade entre vocês?
Depois daquele Natal, houve um outro capítulo. Alguns pensavam que devíamos ficar, outros que era melhor partir. Ainda mais que, naquele momento, por segurança, éramos obrigados a fechar o mosteiro desde o fim da tarde até a manhã. Também dissemos a quem fazia retiros espirituais entre nós que não viessem mais. Estávamos isolados. Isso mudou a economia do mosteiro. Era preciso encontrar outras formas para viver.

Houve divergências?
As coisas evoluíram. O padre Armand Veilleux, que veio pregar um dos últimos retiros, nos havia dito que havíamos chegado “ao cume” da nossa vida em comum. De fato, havíamos chegado unanimemente à decisão de ficar. As relações fraternas haviam se fortalecido ainda mais. No capítulo, não se podia tomar rapidamente decisões tão graves, com relação ao GIA, a uma eventual partida, à nossa conduta caso fôssemos sequestrados ou dispersados… Estávamos todos decididos a ficar, mas o medo daquilo que aconteceria estava presente, mais ou menos, entre todos. Mas era preciso continuar vivendo. Havia atentados à direita e à esquerda. Pessoas próximas do mosteiro haviam sido presas ou ameaçadas. Eis o clima em que vivíamos.

Não havia serenidade, nem depois de terem feito a decisão de ficar?
Não, jamais. À noite, quando cantávamos as Completas, havia como que uma capa de perigo, de chumbo, que descia sobre o mosteiro. De noite, podia acontecer alguma coisa. Dizíamos: o que vai nos acontecer nesta noite? Não esperávamos ser mortos, mas sabíamos que isso podia acontecer a qualquer momento. Tínhamos a sorte de ser uma comunidade. E a vida continuava: um era cozinheiro, outro jardineiro, outro se ocupava da administração. Isso permitia esquecer, mas de tarde, à noite, perguntávamo-nos o que poderia acontecer. Não o dizíamos, mas cada um pensava nisso.

E o que aconteceu na noite do sequestro?
Na noite do sequestro, eu estava no quarto do porteiro. Despertei-me em torno da 1h, com o barulho de vozes diante do portão. Já estavam dentro, no jardim. Seguramente, queriam ver o doutor. Eu estava esperando que batessem na porta antes de me manifestar. Fui olhar pela janela. Vi um deles indo diretamente para o quarto do frei Luc. Não era normal, porque, quando se quer ver o doutor, bate-se no portão, e o porteiro se apresenta. E ouvi uma voz que dizia: “Quem é o chefe?”. E reconheci Christian. Eu pensei: “Eles os ouviu antes que eu, abriu a porta e lhes dará o que querem”. Em 15 minutos, ouvi que a porta que dava para a rua se fechava e pensei que tivessem ido embora. Um pouco mais tarde, o padre Amédée bateu na porta e me disse: “Os freis foram raptados!”. Eles deviam ter saído pelos fundos, senão eu os teria ouvido.

O que o senhor sentiu naquele momento?
A pergunta que me fiz imediatamente era saber o que eu teria feito se os tivesse ouvido e visto sair. Ficaria ou correria atrás deles para ir com eles?
E a sua resposta?
Ainda não respondi. Se isso tivesse acontecido, não seria fácil, mas tenho a sensação de que teria corrido atrás deles. Amédée logo me disse: “Não vão lhes matar, porque se o quisessem já o teriam feito logo”. Era muito difícil circular de noite na montanha, porque havia um posto militar não muito longe, na colina. Além disso, o frei Luc tinha 82 anos, e um outro recém havia saído do hospital, com seis pontes de safena. Caminhar com pessoas assim não era fácil. Pensávamos que se serviriam deles para alguma coisa. Na expectativa, nos sentíamos completamente sozinhos, sem os nossos coirmãos. A comunidade estava destruída. Esperávamos, acima de qualquer coisa, que lhes libertariam logo, porque, se não voltassem, a vida no mosteiro estava acabada.

Por que os sequestradores não entraram como das outras vezes?
Quando eles vieram, escalaram o muro. Depois, do lado de dentro, abriram a porta que dava para a rua. Ela tinha apenas uma simples tranca. Aquela porta nunca era fechada a chave. Queríamos que as nossas relações fossem fundadas na confiança mútua.

Os sequestradores eram do GIA ou não?
O guardião do mosteiro me disse que haviam ido ao seu encontro antes, dizendo que queriam ver o doutor, com a desculpa de que tinham dois feridos graves. Ele lhes havia respondido que os padres lhes havia proibido de continuar seu serviço de guarda durante a noite no mosteiro. Era verdade. Haviam-lhe proibido para que não houvesse problemas para a sua família e para ele, no caso de uma desgraça, se houvesse uma agressão… Insistiram. Então, o guardião saiu de casa pelo pátio interior para se dirigir ao mosteiro. Lá, se deparou com um grupo que já estava no pátio. Conduzido para a frente do portão que dava para o quarto do porteiro, ele se encontro no meio de um outro grupo que já havia detido o padre Christian. Estes, então, lhe perguntaram: “Quem é o chefe?”. Um dos sequestradores respondeu indicando o líder: “Ele é o chefe, eles devem lhe obedecer”. Depois, um deles, dirigindo-se ao guardião, perguntou: “São sete, não é verdade?”. O guardião respondeu: “É o que você disse”. Mas éramos nove…
Provavelmente é por isso que eu e o padre Amédée não fomos levados. Porque, quando eles prenderam sete monges, foram embora sem revistar toda a casa.

Mas o que o senhor acha: quem lhes raptou? O GIA ou o Exército?
Só sabemos aquilo que aconteceu no mosteiro. Sobre o resto, nos interrogamos como todos. A investigação continua. Quanto ao GIA, o guardião me contou que, enquanto desciam, um dos que o acompanhavam disse a um de seus colegas: “Vá buscar uma corda. Ele vai ver quem é o GIA”, porque queriam enforcá-lo, mas ele conseguiu se esconder.

Depois de tantos anos, o senhor não consegue ver mais claramente os motivos do sequestro?
Não é possível ver claramente. Em um dos comunicados na rádio Medi 1, o GIA deu uma razão para a sua execução: “As pessoas se convertiam em contato com eles, porque eles tinham relações e saíam do mosteiro, coisa que os monges não deveriam fazer. Eles merecem a morte. Temos o direito de executá-los”. Eis, portanto, uma das razões. Ela foi dada pelos próprios extremistas islâmicos. Em seguida, foram dados outros motivos, que são mais hipóteses, esperando o veredito do juiz instrutório que conduz uma investigação sobre as circunstâncias do sequestro e da execução.

Como o senhor vive esse enigma?
Gostaríamos de saber quem os matou e onde os seus corpos estão sepultados. Gostaríamos de saber isso, mas isso é tudo, isso não me inquieta mais. Isso não muda em nada a morte dos freis. Eles estão mortos pelas razões pelas quais haviam escolhido ficar. É por isso que são mártires. Deram a vida. Estavam prontos para dar a vida por isso.

Pode-se esperar o martírio?
Alguns o fizeram, mas esse não era o nosso estado de espírito. Não o desejávamos, não estávamos ali para isso. Mas era preciso estar pronto. Estávamos nas mãos de Deus. E é por isso que, vivendo naquele estado de espírito, os meus irmãos foram mortos. Devo reconhecer e dizer que não ficamos excessivamente chocados. Certamente, isso nos marca, faz sofrer, dá pena… Mas sabíamos o “porquê”. Estávamos todos prontos para isso! A vida é só uma passagem, ela termina de um modo ou de outro. Depois voltamos para o Senhor.

O filme de Xavier Beauvois, inspirado no seu sacrifício, pode ser um fermento de reconciliação entre cristãos e muçulmanos?
Certamente! O exemplo dos freis, na sua relação com as pessoas, com os muçulmanos, mostra que podemos nos tornar verdadeiros irmãos, na comunhão, juntos, em profundidade e não só superficialmente. Em profundidade, diante de Deus. Alguns viveram isso. Não é raro. Quando os cristãos veem isso, dão-se conta de que os muçulmanos são pessoas como as outras. Alguns são muito bons: os valores de acolhida, de gentileza, de complacência podem ser vistos. Assim como os valores de união com Deus, de orações cotidianas. Eles têm relações com Deus que são às vezes muito surpreendentes e que são verdadeiros exemplos para nós, cristãos. Um amigo de Christian, que deu a vida por ele, lhe dizia: os cristãos não sabem rezar… São muito caridosos, prestam muitos serviços, mas você nunca os vê rezando! Muitos cristãos poderiam entendê-lo.

O senhor nunca sentiu ódio durante e depois do drama?
É estranho, mas não sinto esse sentimento.
E amargura?
Também não.
Como o senhor interpreta o atual endurecimento de alguns muçulmanos contra os cristãos, do qual os recentes atentados são um sinal?
Isso vem dos extremistas. Os verdadeiros muçulmanos dizem: isso não somos nós. Eles se envergonham do que aconteceu com os freis. Não é a “religião”. De outro lado, não nos conhecemos o suficiente. Percebemo-nos por meio dos violentos, e isso cria uma tendência a se reagrupar entre semelhantes e a ter medo dos contatos. A solução é cultivar a amizade, mesmo com o risco de ser enganado.

Ser enganado?
Sim. Há quem fale de reciprocidade. Mas se vê pouco ou nada disso: permitimos que os muçulmanos construam mesquitas entre nós, mas antes que se possa construir igrejas entre eles…

O senhor pensar isso de verdade?
Na realidade, os cristãos são frequentemente acusados de ingenuidade com o Islã…
A questão não é essa. Pela fé, nós nos arriscamos! Está escrito no Evangelho: “Amai-vos como eu vos amei”. Então, muitas vezes se perde, é preciso saber. Mas às vezes há uma reação. Então, a reciprocidade está lá, e um reconhecimento mútuo pode ir muito longe.

Qual é a sua esperança para 2011?
É preciso esperar que o amor seja sempre o mais forte. Que o amor de Deus terá a última palavra. Fundada em Deus, a esperança deve permanecer. E não somos nós que podemos resolver as coisas. A esperança é invencível, como dizia Christian de Chergé. Ela não deve ser vencida, deve permanecer sempre em aberto, fundada em Deus, na Sua graça. Mesmo quando se morre sob os golpes. Como dizia, a esperança deve permanecer em aberto…

Por padre John Flynn, L.C.

Um recente relatório publicado por Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) faz trilha da perseguição sofrida pelos cristãos em muitos países. O documento considera de modo especial a situação, verdadeiramente difícil, nos países do Oriente Médio.

No prólogo do informe ‘Perseguidos ou esquecidos? Um relatório sobre os cristãos oprimidos pela sua fé: edição 2011′, o patriarca latino de Jerusalém, arcebispo Foaud Twal, comenta que “calvário não é um nome que pertence só à arqueologia e à antiguidade”.

“É uma realidade contemporânea que descreve, em diferentes graus, o sofrimento de muitas igrejas no Oriente Médio, nas quais ser cristão significa aceitar que você deve fazer um grande sacrifício”, afirma.

Na introdução, o autor do informe, John Pontifex, apresenta a questão do que ele chama de brutalidade a sangue frio sofrida pelos cristãos com a indiferença do Ocidente.

“Esta falta de reconhecimento dos crimes contra o cristianismo não poderia ser mais trágica, ao ter lugar em um momento em que em países chave a violência e a intimidação dos fiéis piorou de forma evidente”, destaca.

Pontifex indica que há uma onda de violência em crescimento em muitos países muçulmanos. Ele atribui isso ao fato de que os cristãos são uma espécie de vítimas dos muçulmanos radicais na expressão da hostilidade destes pelo Ocidente.

Também é um desejo manifesto de alguns extremistas fazer desaparecer completamente o cristianismo de suas nações.

Ataques

O relatório examina cerca de 30 países. O Egito é o país com a maior população cristã do Oriente Médio, cerca de 10 milhões. Esta cifra tão elevada não tem evitado a onda de atos violentos contra eles nos últimos anos.

Têm-se registrado incidentes graves, como o ataque de janeiro de 2010 à Missa de Natal copta ortodoxa de meia-noite, e a explosão de um carro bomba no exterior da Igreja dos Santos, uma igreja copta ortodoxa em Alexandria, em janeiro deste ano.

O relatório observa também que a conversão ao cristianismo ainda está proibida por lei, apesar da Constituição garantir a liberdade de crença e religião.

Apesar das dificuldades legais – um convertido não consegue alterar o status de seu documento de identidade – AIS assinala que o número de conversões está aumentando.

Outro problema dos cristãos no Egito é a negação dos pedidos para construir novas igrejas ou renovar as existentes. A obtenção de permissão oficial para uma nova igreja pode levar 30 anos e é necessária a aprovação pessoal do presidente.

Passando à Argélia, o relatório assinala que nos últimos tempos tem-se registrado um aumento dos processos e intimidações contra os cristãos convertidos que se baseiam em acusações de proselitismo, o que violaria as leis.

Ainda que o Islã seja a religião oficial do Estado, AIS indica que a Constituição também defende o direito à liberdade de pensamento e de prática religiosa, dentro de determinadas limitações.

Um dos problemas na Argélia é que 95% dos cristãos do país são estrangeiros. Como resultado, são vistos como estranhos e costumam levantar suspeita.

No Irã, ainda que o Estado reconheça o cristianismo, seu status legal é precário, indica o relatório. Os membros das minorias religiosas são, de fato, cidadãos de segunda classe. Além disso, não lhes é permitido difundir suas crenças ou manifestá-las fora dos lugares de culto.

Em uma carta dirigida em novembro passado ao presidente Mahmoud Ahmadinejad, o Papa pediu um diálogo sobre o status da Igreja no Irã.

Conversões

A apostasia – ou renúncia – ao Islã é proibida por lei e passível de detenção. Segundo informes recentes, o número de cristãos assírios nativos diminuiu de 100 mil nos anos 70 para 15 mil hoje.

O Iraque é outro país onde o número de cristãos diminuiu notavelmente. Segundo AIS, os bispos do país estimam que o número caiu de 900 mil para menos de 200 mil.

O êxodo aumentou ainda mais após o ataque de 31 de outubro passado à catedral católica síria de Nossa Senhora da Salvação, em Bagdá, e o massacre de ao menos 52 pessoas.

Segundo o relatório, crê-se que entre 2003 e 2010 mais de 2 mil cristãos foram assassinados pela violência, sendo a maioria por causa da fé.

A população cristã dos territórios da Terra Santa também diminuiu drasticamente. O relatório explica que quando o Papa visitou a região em 2009, o arcebispo Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém, publicou estatísticas que mostravam que os cristãos palestinos de Jerusalém tinham diminuído de 52% em 1922 para menos de 2% hoje.

Se a tendência continuar, a cifra atual de 10 mil cristãos reduzirá à metade em uma década. Em Belém, o número de cristãos caiu de 85% da população em 1948 para 12% em 2009.

O relatório destaca ainda que o governo israelense dificultou o acesso a vistos para sacerdotes, religiosos e seminaristas estrangeiros. Os vistos agora têm validade de um ano, em vez de dois, como era antes.

Os cristãos enfrentam dificuldades também nas áreas sob a Autoridade Palestina, tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza. Desde que o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza em junho de 2007, os cristãos têm sido pressionados a se submeterem a práticas muçulmanas, como o uso do véu por mulheres em locais públicos.

Morte

O relatório não se limita de modo algum ao Oriente Médio. Mais longe, no Afeganistão, descreve como, no verão de 2010, um grupo de ex-muçulmanos teve de fugir para a Índia depois de ser condenado à morte após sua conversão ao cristianismo.

Em geral, no ano passado, houve uma piora dramática na atitude para com os não-muçulmanos, o que fez com que os cristãos tentassem passar despercebidos para evitar ser acusados de proselitismo. Infelizmente, segundo o relatório, a situação é susceptível de deteriorar ainda mais.

O vizinho Paquistão é outro berço da hostilidade contra os cristãos. Muitos dos problemas decorrem da lei da blasfêmia. As ofensas contra o Alcorão recebem a sentença de prisão perpétua e os insultos contra o profeta Maomé são punidos com a pena de morte.

O relatório cita dados da Comissão Nacional Justiça e Paz da Igreja Católica, afirmando que entre 1986 e 2010 houve 210 acusações contra cristãos. As pessoas usam a acusação de blasfêmia como uma desculpa para vinganças pessoais. Segundo o relatório, desde 2001 pelo menos 50 cristãos foram mortos por aqueles que usaram a blasfêmia como pretexto.

A Indonésia é um país que registou o crescimento do fundamentalismo islâmico desde 2009, diz o relatório. Nos últimos tempos têm-se registrado atos de violência, desde a queima e destruição de igrejas até o cancelamento por parte das autoridades dos serviços de Páscoa, sob pressão de extremistas. Das 32 províncias, Aceh é a única totalmente regida pela lei islâmica – a sharia. No entanto, o relatório indica que as autoridades de 16 províncias adotaram uma legislação baseada na sharia.

O relatório também trata de outros países, desde Coreia do Norte, Cuba até a Venezuela. O texto fornece evidências claras de que os cristãos enfrentam uma ameaça muito real de extremistas muçulmanos, algo que recebe pouca atenção, e nenhuma solução.