Blog do Carmadélio

* Como NÃO fazer discernimento vocacional? Padre Amedeo Cencini responde.

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Quem acompanha o blog ( Blog “Acreditamos no amor”) sabe que um dos meus temas preferidos é o discernimento vocacional. Desde que foi lançado o documento preparatório para o Sínodo dos Bispos de 2018, cujo tema é “Jovens, fé e discernimento vocacional”, já fiz aqui dois posts sobre o assunto. Por isso, quando eu soube que o padre Amedeo Cencini, uma referência mundial no tema, estaria em Curitiba, não pude deixar de conversar com ele para fazer algumas perguntas e aprender mais, na esperança de que as suas respostas pudessem ajudar quem está passando por esse período importante na vida de um jovem católico.

Cencini é italiano, tem 69 anos e é religioso canossiano. Mestre em Ciências da Educação e doutor em Psicologia, ele é professor de pastoral vocacional e formação para o discernimento na Universidade Salesiana de Roma e consultor da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica desde 1995. Nessa semana, ele esteve em Curitiba para ministrar um curso promovido pela Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) – Regional Paraná – para mais de 400 religiosos que trabalham na área de formação para a vida consagrada. Você fica agora com a entrevista e, no fim do post, falo um pouco sobre alguns livros do padre Cencini que valem a pena serem lidos.

O que dizer de escolhas vocacionais que acontecem antes de que o jovem tenha um verdadeiro encontro com Cristo?

Uma decisão vocacional, se é cristã, deve supor o encontro com Cristo. O que pode acontecer é que a centelha vocacional se acenda quando o jovem vê os pobres, vê certas situações dramáticas e se sente interpelado, com o dever de dar uma resposta a esse sofrimento – e então, em Cristo, encontra a possibilidade de fazer isso. Mas, antes ou depois, uma decisão vocacional que se pretenda cristã implica o encontro com Cristo.

Pode-se errar a vocação?

Com certeza! Uma vocação é uma escolha. Sempre que fazemos uma escolha, temos a possibilidade de errar. Por isso é importante que a Igreja conduza essa pessoa por todo um caminho formativo, que, antes de tudo, é formativo da própria escolha, ou seja, verifica a escolha. Quando uma congregação, por exemplo, acolhe uma pessoa, não dá por descontado que a sua decisão vocacional foi certa. Vamos ver! Vamos discernir, mas, melhor ainda, procuremos pôr a pessoa em condições de ela mesma fazer o seu discernimento.

Podem-se escrever muitos livros sobre como fazer discernimento vocacional. Para sermos breves, pergunto ao senhor: como nãofazer discernimento vocacional? Qual é o caminho errado?

O caminho errado é não levar em conta o seu próprio mundo interior. Quando um jovem faz o seu discernimento vocacional, deve entender o que se passa dentro dele. Um jovem poderia pensar: “O celibato me atrai. Pronto, aí está. Que bela minha vocação!” Não: coloque em discussão os seus sentimentos, inclusive aqueles que parecem positivos. Além disso, também seria errado fazer discernimento sem reconhecer a necessidade de ser acompanhado por um irmão mais velho. O discernimento se faz na Igreja, com a ajuda de alguém mais experiente na fé e no discipulado.

Há muitos jovens que, assim que descobrem a beleza da fé católica, já tendem a pensar que são vocacionados à vida consagrada, religiosa ou presbiteral. Esse processo é normal ou deve-se ter cuidado com isso?

Isso pode ser um problema. Hoje o celibato pode constituir uma espécie de “canto de sereia”. Quero dizer o seguinte: os jovens de hoje, sobretudo na adolescência, se encontram em meio a uma cultura que não oferece segurança, não é estruturante e em que tudo é incerto. Há muita desorientação, também no que diz respeito à sexualidade – e com isso não expresso um juízo moral, mas apenas ressalto que, em nível psicológico, isso pode ser perigoso, porque o adolescente tem necessidade de indicações precisas, de saber como direcionar a sua vida. Assim, se um adolescente tem algum problema de incerteza sobre a sua sexualidade – e não me refiro à homossexualidade, mas às relações em geral com o outro sexo –, ele poderia sonhar e ver o celibato como uma maneira de não enfrentar esse problema. “O celibato, que lindo! Agora não preciso me preocupar com esse problema”. Além disso, se hoje já consigo obter certa gratificação sexual através da internet e posso até tecer relações virtuais, evito as pessoas de carne e osso, que poderiam me complicar a vida, e me contento com esse tipo de gratificação, sem enfrentar o problema principal. É preciso estar atento. Um adolescente assim está atraído pelo celibato, mas por motivações ambíguas. Há um tempo atrás, havia dificuldade para que os jovens quisessem assumir o celibato. Hoje temos jovens que pensam: “Ah!, o celibato, nada mais fácil!” Eu costumo dizer aos jovens religiosos: se você me disser que o celibato não lhe cria problemas, é porque você é o problema.

Todo caminho vocacional tem as suas dificuldades. Como distinguir entre aquelas que são verdadeiras cruzes que me assemelham a Cristo e sofrimentos que não correspondem à vontade de Deus para mim?

É difícil dizer isso na teoria. Também isso é um discernimento. Às vezes, sofremos porque a situação em que estamos vivendo provoca, de fato, sofrimento. Por exemplo, se anuncio o Evangelho em um ambiente que não o acolhe: ver que a minha palavra não consegue tocar os corações e é rejeitada é uma cruz para um apóstolo. Mas há também sofrimentos que dependem do meu modo de me comportar. Usando o mesmo exemplo, pode ser que uma parte do meu sofrimento seja objetiva, realista, sincera, ligada à rejeição do outro e ao fato de que ali a palavra não foi acolhida. Mas pode ser que um percentual desse sofrimento venha da minha ambição, do meu narcisismo: sofro porque eu não tive sucesso. Aí está claro que esse sofrimento não é autêntico e nem redentor. Não é bom que eu sofra por isso.

Se um jovem percebe que é chamado à vida leiga, ele deve levar o seu discernimento sobre o estudo, a profissão e outras realidades de sua vida tão a sério quanto o discernimento do estado de vida?

No fundo, não há diferença entre um discernimento e outro. Discernir o estado de vida é discernir também, em seguida ou ao mesmo tempo, a modalidade na qual esse estado se concretiza. Uma vez que discerni e decidi ser leigo na Igreja de Deus, devo discernir como realizo a minha vocação leiga. Isso requer discernir a minha profissão, os meus interesses de diversos gêneros e tudo o mais. Por exemplo, como pretendo viver a minha profissão no interior da Igreja, para que seja um serviço? Como realizo um discernimento dos sentimentos e não apenas me caso, mas dou ao meu matrimônio um significado particular, como cristão? Tratam-se de diversos discernimentos que partem do discernimento, mais global, do estado de vida.

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Cencini tem mais de uma dezena de livros publicados no Brasil pelas editoras Paulinas e Paulus. Embora voltados especialmente para religiosos, a sua leitura é recomendadíssima para todos. Falo dos que eu já li: A história pessoal, morada do mistério é um ótimo instrumento para auxiliar no discernimento da vocação e na autocompreensão da própria vida. Os sentimentos do Filho é uma excelente exposição sobre a integração da dimensão afetiva na vida cristã como parte essencial do caminho rumo à liberdade interior. Já Virgindade e celibato hoje é indispensável para quem cogita viver o celibato. Por fim, A arte de ser discípulo esclarece por que a ascese e a disciplina são importantes na vida cristã.

Autor: FELIPE KOLLER

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Leia mais: Como funciona o discernimento vocacional


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