Desde que assumiu o cargo, o presidente da República francesa desenvolve uma visão singular do lugar das religiões na sociedade. Embora exposto às críticas de uma opinião pública que defende uma laicidade sem concessões, ele parece determinado a evitar que se instaure uma “religião laica”.
O discurso ainda não está agendado. Nem nas próximas semanas. Talvez durante o próximo semestre, mas não se sabe. Quando o presidente da República pronunciará o seu (esperado) discurso sobre a laicidade?
“Estava previsto para dezembro”, lembra o historiador e sociólogo Philippe Portier. Mas a morte de Johnny Hallidey e a de Jean d’Ormesson, os sobressaltos de uma violenta polêmica (Charlie Hebdo contra Mediapart) jogaram a agenda pelos ares.
Por enquanto, o caso está à espera e alimenta uma disputa cada vez mais evidente com uma ala muito combativa no campo da laicidade. De fato, Emmanuel Macron já explicitou sua concepção em abordagens sucessivas, fingindo não tocar no assunto.
Desde que assumiu o cargo, ele aproveitou, discurso após discurso, todas as oportunidades para desenvolver uma visão em ruptura com os cinco anos de François Hollande e de Nicolas Sarkozy.
Seu antecessor não se ocupava do fato religioso. “Com o conceito de normalidade, sob François Hollande, era o território do vazio”, enfatiza Philppe Portier. Uma visão materialista, enquanto Macron defende, em vez disso, uma “laicidade do diálogo”, inspirada claramente na filosofia de Paul Ricoeur, e devolve às religiões um lugar de verdade.
Em várias ocasiões, ele prometeu que elas seriam consultadas sobre um tema altamente candente em 2018, a revisão das leis de bioética.
“Ele confia nos religiosos para oferecer argumentos ao debate público”, observa Philippe Portier.
Porém, Emmanuel Macron não tende a uma visão “comunitarista” no estilo anglo-saxão. Mesmo que, em seu projeto, ele inseriu a dimensão plural da França religiosa de 2018, de fato, ele se situa em uma concepção liberal da lei de 1905.
“Emmanuel Macron estabelece uma distinção extremamente precisa entre aquilo que pertence ao político e aquilo que pertence ao religioso. Mas ele não fecha a porta a uma mútua colaboração ativa”, é a análise da historiadora da laicidade Valentine Zuber.
Surpreendentemente para um presidente francês, Emmanuel Macron manifesta um grande respeito pela fé religiosa. Ele desenvolveu fortemente esse tema no seu discurso à Prefeitura de Paris em setembro passado, por ocasião dos 500 anos da Reforma.
“A identidade de vocês como protestantes não se constrói na aridez de uma sociologia, mas em um diálogo intenso com Deus, e é isso que a República respeita e que a laicidade de 1905 protege. […] A República não pede que vocês neguem a sua fé ou a esqueçam”, declarava.
Ao se declarar agnóstico hoje, ele mesmo tem um percurso singular. Aos 12 anos, o jovem Emmanuel pediu o batismo. “Sem o consentimento dos seus pais”, explica Philippe Portier.
“A sociologia nos ensina que uma conversão continua sendo algo de relevante para um indivíduo”, continua o pesquisador. De acordo com o presidente da República, a “fé laica” não seria capaz de preencher o “vazio metafísico” enfrentado por cada indivíduo, e esse é também um dos critérios fundamentais desenvolvidos por ocasião dos votos às autoridades religiosas no início de janeiro.
Esse posicionamento espiritual e liberal descontenta a linha-dura sobre a laicidade. Entre os defensores dessa linha, encontramos o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, o filósofo Henri Peña-Ruiz, a ensaísta Caroline Fourest, o semanário Marianne ou ainda uma organização como a União das Famílias Laicas (UFAL)…
“Esse discurso não pode ser bom para eles. Essas pessoas laicas – de tipo identitário – baseiam a sua luta ‘emancipatória’ em uma concepção de laicidade que tende a desqualificar e a excluir do debate comum as diversas propostas religiosas”, ressalta Valentine Zuber.
O projeto de Emmanuel Macron é o de uma sociedade que seja, ao mesmo tempo, tolerante e pacificada. Porque, depois da onda sangrenta de atentados, a França é um país traumatizado e que custa para se recuperar. Política e filosoficamente, Macron se deu conta de que as polêmicas recorrentes contribuíam para criar divisão.
“Emmanuel Macron denuncia a tentação, sempre presente, de fundar uma espécie de ‘religião laica’. Mas esta, criando uma relação de concorrência frontal entre um pensamento filosófico republicano e os discursos religiosos, só agravaria, segundo o presidente, os mal-entendidos e as fraturas da sociedade francesa”, explica a historiadora da laicidade.
Ao mesmo tempo, podemos dizer que o presidente corre um risco, o de dar a impressão de privilegiar o diálogo com as religiões. Mesmo que se mostre exigente com elas…
Témoignage Chrétien, nº 3759