Embora a Mãe de Deus “ame a todos” e “não seja chefe dos correios, que todos os dias manda uma mensagem”, disse Francisco a respeito de Medjugorje, “Deus faz milagres em Medjugorje. Em meio às loucuras humanas, Deus continua fazendo milagres”.

Essas são algumas das suas reflexões agora publicadas em italiano, de uma conversa com o Pe. Alexandre Awi Mello, secretário do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Seu diálogo foi publicado em um livro intitulado “Ela é minha mãe! – Encontros do Papa Francisco com Maria”, lançado este ano em italiano. 

“A obediência de uma pessoa à Igreja”, pontuou o pontífice, é um critério para discernimento quando há supostas aparições e quando há “mensagens” e “locuções interiores” que procedem de possíveis “pessoas especialmente dotadas”.

O dia em que Bergoglio proibiu uma reunião sobre aparições em Medjugorje

Sobre o caso de Medjugorje, que ainda está sendo estudado, o Papa Francisco relata que “quando eu estava em Buenos Aires, proibi uma reunião, que ocorreu de qualquer maneira. Eles sabiam, no entanto, que eu não estava de acordo”. 

Francisco está se referindo ao que aconteceu quando um dos “videntes” de Medjugorje visitou a arquidiocese que ele estava dirigindo na época, para um encontro marcado em uma igreja. O então arcebispo Bergoglio se opôs ao encontro (sem expressar sua opinião sobre a autenticidade das aparições) porque “um dos videntes ia falar e dar algumas explicações e, então às quatro e meia Nossa Senhora ia aparecer. Ou seja, ele tem a agenda de Nossa Senhora. Então, eu lhes disse: não; olha, esse tipo de coisa eu não quero aqui. Disse que não. Não na Igreja”. 

O Papa observou que “devemos distinguir que em Medjugorje, Deus faz milagres, entende? Assim, em meio às loucuras humanas, Deus continua fazendo milagres”.

Na mesma linha, ele diz que talvez existam “fenômenos mais pessoais”.

“Chegam-me algumas cartas, mas se vê que são questões mais psicológicas do que qualquer outra coisa. Nós temos que distinguir as coisas claramente. Eu acho que há graça em Medjugorje. Não há como negar isso. Existem pessoas que estão se convertendo. Mas também há falta de discernimento, e não quero dizer que há pecado, porque as pessoas não sabem onde o pecado começa, mas, pelo menos, há falta de discernimento”.

Falando hoje, com o pano de fundo do Sínodo dos Jovens, o autor do livro comentou sobre o surgimento do livro e sobre a visão eclesial do papa de uma Igreja que é mãe, como Maria: acolhendo e amando as novas gerações.  

“Eu tive a oportunidade, há algum tempo, de entrevistar o Papa Francisco sobre sua relação com a Virgem Maria, e parece-me que não é apenas um relacionamento piedoso ou devocional; é algo que afeta sua visão da Igreja. Por que o Papa ama tanto Maria? Porque nela, ele viu uma imagem da Igreja, do que deveria ser: uma mãe, acolhedora, professora, amiga, misericordiosa”. 

“Portanto, penso que é importante considerar essa dimensão materna da Igreja que ama e acolhe os jovens, que tanto necessitam”, disse Pe. Mello, durante a conferência de imprensa sobre o trabalho do Sínodo, realizada na Sala de Imprensa da Santa Sé.

Mello é o ex-diretor do ministério nacional de jovens no Brasil. 

Em relação a Medjugorje, apenas alguns meses após o pontificado do Papa, quando presidiu a missa na capela da Casa Santa Marta em 14 de novembro de 2013, explicou que o espírito de curiosidade mundana, que busca conhecimento por si só e procura coisas cada vez mais estranhas e incomuns, leva as pessoas para longe da verdadeira sabedoria e da beleza de Deus.

Neste contexto, ele expressou suas dúvidas sobre os videntes, que dizem ter mensagens da Virgem Maria em intervalos fixos.

Os videntes afirmam que estão vendo a Virgem Maria desde 1981.

Fala-se que talvez a Igreja pudesse eventualmente reconhecer apenas as primeiras sete aparições, à luz de um relatório preparado por um grupo de oficiais da Igreja sobre Medjugorje.

As aparições marianas aos seis videntes, hoje adultos, continuariam até hoje.

Dificuldades expressas pela Congregação para a Doutrina da Fé – que resultou do estudo da congregação sobre o assunto em 2016 – aumentam a complexidade do problema.

Por agora, está sendo discernido se a igreja construída em Medjugorje (Bósnia-Herzegovina) em honra à Virgem Maria poderia se tornar um santuário pontifício, uma possível solução para acabar com os conflitos entre os franciscanos, que estão no comando do santuário, e o bispo de Mostar, a diocese local.

Diálogo com jornalistas

Durante seu diálogo com jornalistas no caminho de volta do santuário de Fátima, que acaba de celebrar o 100º aniversário da aparição da Virgem Maria, o Papa revelou os resultados da comissão que identificou uma diferença muito clara entre o início do fenômeno que é “considerado sobrenatural” (24 de junho a 3 de julho de 1981) e o que aconteceu após as primeiras visões.

O relatório da comissão explica que as seis crianças videntes eram psicologicamente normais, que ficaram surpresas com a aparição e que não havia influência externa sobre o que disseram ter visto.

Tal como aconteceu com os três pastorinhos de Fátima, os videntes de Medjugorje recusaram-se a dizer o que tinham visto, apesar de terem sido detidos pela polícia e ameaçados de morte. Além disso, a hipótese de que o fenômeno poderia ser demoníaco foi rejeitada.

No final, Francisco deu uma opinião positiva sobre o trabalho da comissão – presidida pelo cardeal Camillo Ruini e instituída pelo papa Bento XVI em 2010 – cujo trabalho terminou em 2014.

Por razões pastorais, a comissão tomou uma posição a favor da remoção da proibição de peregrinações a Medjugorje. Assim, o relatório Ruini conclui que o santuário deve estar sob a autoridade da Santa Sé e sugere que a paróquia seja convertida em um santuário pontifício.

No ano passado, o pontífice enviou o arcebispo polonês Henry Hoser ao santuário mariano para avaliar a situação e, em particular, para estudar a assistência pastoral prestada aos fiéis locais e aos peregrinos. O objetivo da visita foi obter mais informações para planejar futuras iniciativas de cuidado pastoral.

Aleteia

Papa Francisco teve uma conversa franca e aberta com um grupo de jovens franceses da diocese de Grenoble-Vienne, quando falou de diversos temas, em respostas às perguntas a ele dirigidas: Igreja, vocações, pobreza, sexualidade.

Os males que afligem a Igreja, proximidade com os pobres, vocações, sexualidade, compromisso dos cristãos na sociedade. A audiência de ontem do Papa Francisco aos jovens da Diocese de Grenoble-Vienne -cujo conteúdo foi divulgado nesta terça-feira pela Sala de Imprensa – transforma-se em um diálogo franco e aberto, mas acima de tudo paterno. O Papa respondeu perguntas a adolescente de 14 anos até jovens de 27.

Selecionamos algumas perguntas:

Sexualidade e mensagem da Igreja hoje

Matthieu: Santo Padre, meu nome é Mathieu, tenho 16 anos e meus amigos, no ensino médio, me fazem perguntas sobre eventos atuais em que a Igreja é duramente criticada, como a homossexualidade ou a pedofilia. Eu respondo a eles o que os animadores me ensinaram, mas no fundo eu não acredito realmente nisso …

Rémy: Santo Padre, meu nome é Rémy, tenho 14 anos e esta é minha pergunta: como atualizar, hoje, a mensagem da Igreja para que eu possa compreendê-la e retransmiti-la para jovens que não necessariamente acreditam?

Papa Francisco responde:

Não é fácil para mim responder em francês a esta sua pergunta: Eu direi uma palavra, uma palavra que é o segredo para transmitir a mensagem da Igreja: proximidade, proximidade. O que isso significa? Significa, antes de mais nada, fazer o que Deus fez com o seu povo. No livro de Deuteronômio, Deus diz assim ao povo: “Qual povo tem os seus deuses tão próximo deles, como vocês?” Deus se fez próximo de seu povo. Mas isso não terminou aí. Ele queria estar tão próximo que ele se fez um de nós, homem. Essa proximidade cristã é o primeiro passo: na verdade, é “o ambiente”, o clima no qual a mensagem cristã deve ser transmitida. A mensagem cristã é uma mensagem de proximidade.

Então, sobre effatà: antes de falar, ouvir. O apostolado da “orelha”: ouvir, ouvir. “E depois, padre, fala?” Não, pare. Antes de falar, fazer. Certa vez, um jovem universitário me fez essa pergunta: “Eu tenho muitos amigos na universidade que são agnósticos, o que devo dizer a eles para que se tornem cristãos?”. Eu disse: a última coisa que você tem que fazer é dizer coisas. A última. Primeiro você tem que fazer, e eles verão como você lida com a vida. Eles irão perguntar a você: “Por que você está fazendo isso?” E então ali você pode falar. O testemunho antes da palavra. Este é o contesto da mensagem cristã. Ecouter, faire, e depois dizer, falar.

Além disso, a mensagem cristã não pode ser transmitida “em poltrona”: ela está sempre em caminho. Sempre. Se você não se colocar em caminho, não será capaz de transmiti-la. Jesus esteve três anos em caminho. Parecia que ele vivia na estrada. No caminho, sempre, fazendo alguma coisa. No caminho. Ouvir, testemunhar, responder às perguntas, mas em caminho. Um jovem que não se coloca em caminho é um jovem aposentado aos vinte anos de idade. É ruim se aposentar aos vinte anos! Eu não sei… Respondi à sua pergunta ou não? Sim? Vamos em frente…

Solidariedade e caridade na Igreja

Gabriel: Bom dia Santo Padre. Eu sou Gabriel, tenho 21 anos. Com os jovens do departamento de Isère, somos animados pelo desejo de nos colocar a serviço dos pobres que nos cercam. Pessoalmente, acho difícil viver a solidariedade na Igreja: preciso estar acompanhado e orientado a viver a caridade de maneira concreta.

Clara-Marie: Santo Padre, meu nome é Clara-Marie e tenho 16 anos. Minha pergunta: o que se pode esperar de nós, jovens cristãos, para viver concretamente essa caridade?

Papa Francisco responde:

Os dois têm o mesmo tema. Os pobres estão no centro do Evangelho. Quando eu era seminarista e jovem padre na América Latina, era o tempo de 68; vocês também conheceram. O que mais importava era a guerrilha, o trabalho político … E se um padre fazia um trabalho com os pobres, esse padre era “comunista”. Porque a situação política era assim … Parecia que o único grupo que se aproximava dos pobres e lutava por justiça eram os comunistas. É ao contrário: o Evangelho, o Evangelho coloca os pobres no centro. Antes ainda, coloca a pobreza no centro. Se você não tem uma pobreza de espírito, você não será um bem-aventurado, um bom cristão. É a primeira das bem-aventuranças: os pobres, os pobres de espírito. Depois, aproximar-se dos pobres, mas não de cima para baixo. É lícito olhar para uma pessoa de cima para baixo apenas quando você se inclina para levantá-la. Em outras situações, não é permitido olhar para uma pessoa de cima para baixo. Ir aos pobres no mesmo nível, servir os pobres porque eles são a imagem de Cristo. E quando digo pobre, digo pobres de tudo: também os pobres de saúde, os doentes; os pobres de dinheiro; os pobres de cultura; os pobres que caíram nos vícios, na dependência. Quantos de seus companheiros estão nas drogas, por exemplo: são pobres, pobres do Evangelho. “Mas não, o que está na droga tem muito dinheiro e uma família rica, aquele não é um homem pobre”. Não, ele é um homem pobre, é um pobre. Aproxime-se do pobre para servi-lo. Aproxime-se do pobre para levantá-lo. Mas levantá-lo junto, ajoelhando-se e pegando-o. Quando você toca a doença de um homem pobre, você está tocando as feridas de Cristo. Isso é um pouco “o sentido dos pobres na Igreja”. Ça va bien?

Incompreensões com a sexualidade e o corpo

Thérèse: Bom dia, Santo Padre, meu nome é Thérèse, tenho 24 anos. Várias vezes, na minha vida pessoal, confidenciei com pessoas maiores sobre problemas de amor e sexualidade. Cada vez, me encontrava diante de uma falta de atenção e compreensão; tive a sensação de não ser ouvida. Acho que isso acontece porque somos a primeira geração que fala e que, especificamente, fala sobre esses temas.

Manon: Meu nome é Manon e tenho 16 anos. Repentinamente, esses tópicos se tornam complicados; se ouve tudo de alguém, se vê tantas coisas, há tantas opiniões diferentes … Em geral, se sente perdido. Como se posicionar em uma sociedade em que o corpo está dessacralizado?

Papa Francisco responde:

A sexualidade, o sexo, é um dom de Deus. Nada de tabus. É um dom de Deus, um dom que o Senhor nos dá. Tem dois propósitos: amar e gerar vida. É uma paixão, é o amor apaixonado. O verdadeiro amor é apaixonado. O amor entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, leva você a dar vida para sempre. Sempre. E a dá-la com o corpo e a alma. Quando Deus criou o homem e a mulher, a Bíblia diz que os dois são a imagem e semelhança de Deus. Ambos, não somente Adão ou somente Eva, mas ambos. E Jesus vai mais longe e diz: por isto o homem, e também a mulher, deixará seu pai e sua mãe e se unirão e serão … uma só pessoa? … uma identidade? … uma só fé do matrimônio? … Uma só carne: esta é a grandeza da sexualidade. E se deve falar sobre a sexualidade assim. E se deve viver a sexualidade assim, nesta dimensão: do amor entre homem e mulher por toda a vida. É verdade que as nossas fraquezas, nossas quedas espirituais nos levam a usar a sexualidade fora desse caminho tão bonito, do amor entre o homem e a mulher. Mas caíram, como todos os pecados. A mentira, a ira, a gula … São pecados: pecados capitais. Mas esta não é a sexualidade do amor: é a sexualidade “coisificada”, separada do amor e usada para se divertir. É interessante como a sexualidade é o ponto mais bonito da criação, no sentido de que homem e mulher são criados à imagem e semelhança de Deus, e a sexualidade é a mais atacada pela mundanidade, pelo espírito do mal. Diga-me: você viu, por exemplo – eu não sei se há em Grenoble – mas você viu uma indústria da mentira, por exemplo? Não. Mas uma indústria da sexualidade separada do amor, você viu isso? Sim! Tanto dinheiro é ganho com a indústria da pornografia, por exemplo. É uma degeneração comparada ao nível em que Deus a colocou. E com este comércio se ganha muito dinheiro. Mas a sexualidade é grande: protejam sua dimensão sexual, sua identidade sexual. Protejam-na bem. E preparem-na para o amor, para inseri-la nesse amor que irá acompanhá-los por toda a vida. Eu vou contar uma coisa para vocês, e depois vou contar uma outra. Na Praça [São Pedro] uma vez – saúdo as pessoas na Praça – havia duas pessoas grandes, idosas, que celebravam o sexagésimo aniversário de casamento. Estavam radiantes! E eu perguntei: “Brigaram muito?” – “Bem, às vezes …” – “E vale a pena isto, o matrimônio?” – E estes dois, que me olhavam, olharam um para o outro e, em seguida, voltaram o olhar novamente para mim, e eles tinham os olhos molhados, e me disseram: “Estamos apaixonados”. Depois de 60 anos! E depois eu queria dizer isso a vocês: uma vez um idoso – muito idoso, com a esposa velho – disse-me: “Nós nos amamos tanto, tanto, e às vezes nos abraçamos. Nós não podemos fazer amor na nossa idade, mas nós nos abraçamos, nos beijamos … Esta é a verdadeira sexualidade. Nunca separá-la do lugar tão lindo do amor. É preciso falar assim da sexualidade. Ça va?

Cristãos em diminuição num mundo secularizado

Emilie: Eu tenho outra pergunta, Santo Padre: em seus inícios, a Igreja era onipresente na sociedade, era um modelo a seguir. Hoje, a sociedade evoluiu e a França é um país secular em que o número de cristãos diminuiu fortemente. A Igreja ainda tem seu lugar? E para que serve? É por isso que lhe pergunto, Santo Padre: por que se envolver em uma instituição que às vezes me parece sem sentido e sem colocação?

Papa Francisco responde:

Sua pergunta é muito realista, muito realista. Isso me faz pensar em um fã de futebol que é contratado por uma equipe e a equipe começa a cair, cair, cair e se pergunta: como eu fico nesse time? Talvez ele diga: não, não, mudo de equipe. Se ele não tem uma grande paixão por esse time, mas tem uma paixão pelo futebol, ele escolhe outro time que joga melhor. Muda de time, muda de instituição. Mas pertencer à Igreja, antes de tudo, não é pertença a uma instituição, é pertença à pessoa, a Jesus. No Domingo de Ramos, Jesus estava em triunfo; quando ele fez a multiplicação dos pães queriam fazê-lo rei – uma bela instituição aquela! – mas na Sexta-feira Santa estava crucificado. Trata-se de seguir Jesus, não seguir as consequências de Jesus. Nem as consequências sociais: se a Igreja é grande ou pequena … não, mas Jesus. Segui-lo nos momentos tranquilos, quando a Igreja floresce; e segui-lo no momento em que a Igreja está em crise. Tome a história da Igreja: com a Igreja foi assim. A Igreja não foi levada adiante pelas grandes organizações, grandes partidos políticos, grandes instituições … Não. A Igreja foi levada em frente pelos santos. E no dia de hoje serão os santos a levá-la em frente, não nós, nem mesmo o Papa. Não, os santos. Eles abrem caminho diante de nós. E por que os santos? Porque eles seguem Jesus, a fé não é uma ideia: é um encontro com Jesus. Eu faço votos que este encontro acompanhe você por toda a vida.

A vocação de cada um

Pauline: Bom dia, Santo Padre, meu nome é Pauline e tenho 27 anos. Ouvindo os testemunhos, como acompanhar a vocação de cada um neste contexto?

Papa Francisco responde:

A vocação é um dom de Deus e devemos custodiá-la. Você se referiu às vocações sacerdotais, à vida religiosa ou a todas as vocações?

A jovem responde que se referia às vocações religiosas e sacerdotais. O Papa então prossegue:

O Senhor chama. E a pessoa chamada diz: “Eu quero ser freira, quero ser padre, quero ser religiosa …”. E começa um caminho, para ser acompanhado com normalidade. Normalidade. Eu tenho medo dos seminaristas que fazem isso [que assumem uma “pose”], eu tenho medo, porque eles não são normais. Você quer ser padre? Você deve ser um homem verdadeiro que segue em frente. Você quer ser freira? Você deve ser uma mulher madura que segue em frente. Nunca renegar a humanidade. Que sejam normais, porque o mal que faz um padre neurótico é terrível! E o mal que pode fazer uma freira neurótica é terrível! Acompanhá-los na normalidade: primeiro. Segundo: acompanhá-los na fé. Que cresçam na fé, em compreender a beleza de Deus, em compreender o caminho de Jesus, e que sua vida mude na relação com a oração. Terceiro: acompanhá-los na pertença comunitária. Um padre isolado da comunidade não está certo: ele é um “solteirão”. Solteirão é quem não se casa e fica velho. O que não se casa e toda a vida permanece sozinho. Célibataire, mas eu disse uma palavra mais forte. Não, o sacerdote não deve ser um “solteirão” isolado, ele deve ser um padre. A paternidade: educá-los na paternidade. E também na fraternidade. O mesmo acontece com a freira: a freira deve aprender a ser mãe de tantas pessoas e a comunidade também. Mas a freira tem uma vantagem em relação ao sacerdote, uma grande vantagem – é por isso que acredito que as freiras são mais importantes que os sacerdotes – neste sentido: elas são o ícone de Maria e da Igreja. É belo! O ícone de Maria. Uma freira é o ícone de Nossa Senhora e da Igreja. Educá-la assim e em comunidade. Ajudá-los a crescer e acompanhá-los”.

 Vatican News

Ao pedido que chegou de várias partes logo após o caso do relatório do Grande Júri da Pensilvânia de um Sínodo extraordinário para abordar as questões relacionadas com a luta e a prevenção da pedofilia clerical, o Santo Padre, com o apoio do Conselho dos nove cardeais, ofereceu uma resposta diferente, talvez mais pertinente e eficaz, a saber, um encontro no Vaticano dos 112 presidentes das Conferências Episcopais dos cinco continentes.

A esses 112, deverão se somar outros presidentes de coordenações eclesiais regionais e sub-regionais (Celam, Amecea, Secam, CCEE etc.).

Obviamente, é muito cedo para falar sobre a modalidade e sobre o desenvolvimento do encontro, que será realizado entre a quinta-feira, 14, ao domingo, 21 de fevereiro de 2019. Ele certamente deverá durar três dias completos e deverá se encerrar com uma solene concelebração eucarística presidida pelo papa.

O número relativamente reduzido de participantes, se não forem acrescentados muitos especialistas de todos os tipos, deverá facilitar grandemente um resultado do mais alto nível, especialmente de natureza pastoral.

De fato, o desafio da pedofilia na Igreja é acima de tudo um desafio pastoral, do qual devem derivar, naturalmente, outras dimensões que, para serem eficazes e irreversíveis, devem ter as suas raízes bem plantadas, precisamente, na dimensão pastoral. Muitas questões ainda pendentes, tais como alguns aspectos disciplinares, processuais e normativos, deverão ser abordados a partir dessa perspectiva, a fim de garantir solidez, consistência e aplicabilidade, comprometendo em tudo as Conferências Episcopais, o bispo individual e a coordenação entre eles.

Isso significa que o encontro de fevereiro não deve ser transformado em um megacongresso espetacular e de grande atratividade midiática, em uma passarela para escutar palestras repetitivas e às vezes óbvias e banais. A pedofilia no clero já é uma realidade mais do que conhecida.

O desafio é outro: o que fazer e como fazer para que esse mal costume, “crime e pecado”, seja erradicado de uma vez por todas da vida da Igreja e, como sempre se disse com razão, o que fazer e como fazer para colocar as vítimas no centro.

O encontro também deverá servir para dar carne e corpo a uma ideia que já circula há algum tempo, que parece justa, mas nem sempre é compreensível: a participação dos leigos nesses compromissos, especialmente das mulheres.

Pode-se e deve-se chegar ao encontro caminhando por um caminho seguro, ou seja, a Carta do Papa Francisco ao Povo de Deus (20 de agosto de 2018), onde se lê:

“É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os integrantes do povo de Deus. E mais, cada vez que tentamos suplantar, calar, ignorar, reduzir a pequenas elites o Povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rosto, sem corpo, em última análise, sem vida. Isso se manifesta com clareza em uma maneira anômala de entender a autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades em que ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo, essa atitude que ‘não só anula a personalidade dos cristãos, mas também tem uma tendência de depreciar e desvalorizar a graça batismal que o Espírito Santo colocou nos corações da nossa gente. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma divisão no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que hoje denunciamos. Dizer não ao abuso significa dizer não energicamente a qualquer forma de clericalismo”.

Número de Conferências Episcopais por continente:

Oceania – 4
Ásia – 17
América – 24
África – 36
Europa – 31

Fonte:  Il Sismografo

 

 

Na tradicional coletiva de imprensa que concede a bordo do avião nos retornos de suas viagens, o Papa Francisco respondeu durante 45 minutos a perguntas de jornalistas que o acompanhavam na volta do IX Encontro Mundial das Famílias, realizado em Dublin no último fim de semana.

As perguntas abordaram desde a conversa do Papa com a ministra irlandesa para a infância até o trabalho da Igreja com os migrantes, passando pela luta contra os abusos sexuais cometidos por membros do clero.

Quando um jornalista perguntou o que ele diria ao pai de uma pessoa homossexual, o Papa respondeu:

“Sempre houve homossexuais e pessoas com tendências homossexuais, sempre. Os sociólogos dizem, não sei se é verdade, que nos tempos de mudança de época crescem alguns fenômenos sociais e éticos. Um deles seria este, mas essa é a opinião de alguns sociólogos.

A sua pergunta é clara: o que eu diria a um pai que vê que o filho ou filha tem essa tendência. Primeiro eu diria para rezar: reza. Não condenar. Dialogar. Entender, dar espaço ao filho ou à filha para se expressarem. Depois, com quantos anos se manifesta essa inquietação do filho? Isto é importante. Uma coisa é quando se manifesta na infância, porque há muitas coisas que podem ser feitas através da psiquiatria, para ver como estão as coisas. Outra coisa é quando se manifesta depois dos 20 anos ou algo assim…

Eu nunca diria que o silêncio é um remédio. Ignorar o filho ou a filha com tendência homossexual é uma falta de paternidade e maternidade. Você é meu filho, você é minha filha, do jeito que você é. Eu sou seu pai, sua mãe, vamos conversar. Se você, pai ou mãe, não se sentir capaz, peça ajuda, mas sempre através do diálogo, porque esse filho ou essa filha tem direito a uma família. E essa família, quem é? Não tire da família. Este é um desafio sério para a paternidade e a maternidade”.

Por que “psiquiatria”?

A palavra “psiquiatria” gerou polêmica e a frase “através da psiquiatria” chegou a ser retirada da transcrição oficial publicada pelo Vaticano nesta segunda-feira, 27 de agosto.

Como sempre, a polêmica foi intensificada por interpretações forçadas de matriz ideológica além do desejo da mídia de fazer barulho para atrair atenções. Sites chegaram a dizer, tendenciosamente, que o “Papa foi desautorizado pelo Vaticano“.

A vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé, Paloma García Ovejero, explicou à agência AFP que a palavra foi retirada da transcrição “para não alterar o pensamento do Papa“:

“Quando o Papa se refere à ‘psiquiatria’, fica claro que ele queria dar um exemplo sobre as diferentes coisas que podem ser feitas”.

Além disso, não é inusual que se use inadvertidamente um termo pelo outro quando se fala de psiquiatria, psicologia e psicanálise. A psiquiatria é um ramo da medicina que aborda transtornos mentais. A psicologia estuda a pessoa como um todo para ajudá-la a entender e superar problemas ou sintomas. E a psicanálise é um método de pesquisa psicológica baseado nas teorias de Sigmund Freud.

É importante considerar as palavras de Francisco levando em conta as suas origens: na Argentina, o desenvolvimento da psicanálise está intimamente ligado à psiquiatria, tanto que Buenos Aires é frequentemente apontada como a “capital” das ideias freudianas.

Durante as entrevistas com Dominique Wolton publicadas em 2017, o pontífice revelou que ele próprio havia passado pela psicanálise aos 42 anos de idade.

Em 2013, pouco depois de eleito, o Papa Francisco tinha feito confusão involuntária com os termos “psiquiatria” e “psicologia”: ele explicou que tinha escolhido morar na Casa Santa Marta em vez do Palácio Apostólico por razões de “personalidade, […] por razões psiquiátricas“. Ele queria dizer “razões psicológicas“.

A Igreja e os questionamentos pessoais sobre sexualidade

A Igreja considera que os fatores psicológicos envolvidos em questionamentos pessoais sobre a própria sexualidade e identidade devem ser cuidadosamente levados em conta, sem imposições ideológicas.

Isto não é novidade para ninguém que seja intelectualmente honesto, nem é algo contestado pela própria psicologia – pelo contrário.

Quem contesta a necessidade de se levarem em conta os fatores psicológicos que permeiam inquietações particulares sobre esses aspectos da personalidade costumam ser os impositores da ideologia de gênero, que, em vários casos, se mostram fechados ao diálogo a ponto de tacharem como “tentativa de cura gay” qualquer abordagem que procure ajudar pessoas a dissiparem dúvidas sobre a sua sexualidade.

Aleteia

A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade”, escreve o Papa Francisco, em carta ao Povo de Deus, referindo-se ao relatório que foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos”.

A carta do Papa Francisco, cujo original é em espanhol, publicada pela Sala de Imprensa do Vaticano.

A carta.

«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.

1. Um membro sofre?

Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte; as feridas “nunca prescrevem”. A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade.

Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar. O cântico de Maria não se equivoca e continua a se sussurrar ao longo da história, porque o Senhor se lembra da promessa que fez a nossos pais: «dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 51-53), e sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz.

Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos. Faço minhas as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força: «Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência!… A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação).

2. Todos os outros membros sofrem com ele.

Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro – Papa Francisco

A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual «porque trata-se duma cegueira cômoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2 Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).

Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam à integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.

Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os olhos na mesma direção do olhar do Senhor. São João Paulo II assim o dizia: «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 49). Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor [1], que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o “nunca mais” a qualquer tipo e forma de abuso.

É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas [2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo, aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração do nosso povo» [3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.

É sempre bom lembrar que o Senhor, «na história da salvação, salvou um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 6). Portanto, a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação ativa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista. A dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á, como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos, como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e, assim, podermos elaborar ações que criem dinâmicas em sintonia com o Evangelho. Porque «sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 11).

É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada.

Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças, jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência.

Desta forma, poderemos tornar transparente a vocação para a qual fomos chamados a ser «um sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano» (Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1).

Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (S. Inácio de Loiola, Exercícios Espirituais), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja – Papa Francisco

«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele», disse-nos São Paulo. Através da atitude de oração e penitência, poderemos entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação. Maria soube estar ao pé da cruz de seu Filho. Não o fez de uma maneira qualquer, mas permaneceu firme de pé e ao seu lado. Com essa postura, Ela manifesta o seu modo de estar na vida. Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (cf. S. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 319), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja. Ela, a primeira discípula, nos ensina a todos os discípulos como somos convidados a enfrentar o sofrimento do inocente, sem evasões ou pusilanimidade. Olhar para Maria é aprender a descobrir onde e como o discípulo de Cristo deve estar.

Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem.

Cidade do Vaticano, 20 de Agosto de 2018.

FRANCISCO

Com constantes demonstrações de cumplicidade, proximidade e inclusive carinho, o Papa Francisco recebeu o presidente francês, Emmanuel Macron, em sua primeira visita oficial ao Vaticano. Na conversa entre os dois mandatários, dois temas-chave: a situação dos migrantes e refugiados, que batem às portas da Europa, e a refundação do laicismo na França.

O Papa Francisco e o presidente francês Emmanuel Macron se reuniram durante 57 minutos, no Vaticano, na que foi sua primeira entrevista.

Francisco recebeu Macron na sala do Tronetto, a antessala da Biblioteca, onde acontecem as reuniões privadas, com um grande sorriso e lhe dizendo “bem-vindo”, ao que o presidente, em francês, respondeu: “muito obrigado”.

Em seguida, sentados diante da escrivaninha, frente a frente, o Papa aguardou a saída dos jornalistas para começar a reunião e só se escutou que apresentava ao monsenhor que seria o intérprete, explicando que havia estado muitos anos na África.

Macron havia chegado ao Vaticano percorrendo a Avenida da Conciliazione com um comboio de 30 carros, entre veículos oficiais e das forças de segurança e, inclusive, uma ambulância.

Quando chegou ao pátio de San Damaso, foi recebido pelo prefeito da Casa Pontifícia, dom George Gaenswein, que o acompanhou junto com a delegação aos apartamentos pontifícios, percorrendo algumas salas do Palácio Apostólico.

Macron chegou acompanhado de sua esposa, Brigitte, que estava com um vestido preto, cabelo preso e sem véu, fazendo parte da delegação de umas 15 pessoas, com o ministro do Interior, Gérard Collomb, e o titular para Europa e de Assuntos Exteriores, Jean-Yves Le Drian, entre outros.

Depois, tiveram uma longa reunião de quase uma hora, com a ajuda do intérprete. Na sequência, foi realizada a cerimônia de apresentação da delegação e a troca de presentes.

Macron entregou a Francisco uma antiga edição do livro Diário de um pároco de aldeia, de Georges Bernanos, ao passo que o Pontífice lhe presenteou com o medalhão que representa São Martinho de Tours, padroeiro de Buenos Aires.

O Papa se mostrou sempre sorridente e muito cordial com o presidente francês, de quem se despediu segurando suas duas mãos com carinho.

Na sequência, Macron terá uma reunião com o secretário de Estado vaticano, Pietro Parolin, e com o secretário para as Relações com os Estados, Paul Richard Gallagher. Antes do encontro, Macron tomou café da manhã com a comunidade de leigos católicos Santo Egídio, muito envolvida na acolhida a migrantes e organizadora de “corredores humanitários” que traz refugiados sírios para a Europa.

Macron protagoniza uma cruzada diplomática com as novas autoridades italianas, em particular com o ministro do Interior, Matteo Salvini, líder da Liga (extrema-direita), que defende uma linha dura com os migrantes que tentam chegar às costas italianas, cruzando o Mediterrâneo, e critica a arrogância e o egoísmo da França no tema migratório.

O Papa interpela regularmente aos dirigentes da União Europeia sobre os migrantes, que possuem a obrigação de “acolher, acompanhar, abrigar e integrar”, segundo ele. Na semana passada, avaliou que era necessário “investir de maneira inteligente para lhes dar trabalho e uma educação” em seus países de origem.

Sem dúvida, o laicismo na França esteve entre os temas de conversa durante o encontro de Francisco com Macron.

Em um discurso na Conferência Episcopal da França, em inícios de abril, Macron disse querer “reparar” o “vínculo” entre a Igreja católica e a República francesa, “prejudicado” nos últimos anos, em particular a partir da adoção dos casamentos homossexuais em 2013.

Este discurso despertou numerosas críticas na França, ao passo que o episcopado o qualificou como um discurso que refunda as relações entre os católicos e a República. O presidente francês não escapará da tradição. Deixará o Vaticano com o título de “primeiro e único cônego de honra” da Basílica de São João de Latrão, uma tradição que remonta ao século XVII e ao rei Henrique IV.

O último presidente francês a abraçar esta tradição foi Nicolas Sarkozy, em dezembro de 2007. Naquela oportunidade, provocou polêmica com seu discurso elogiando a fé e as raízes cristãs da França.

 Religión Digital

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“Considerando tudo isso, Macron se encaixa no perfil para fazer uma combinação perfeita com Francisco, dada sua compreensão da ‘laïcité’ (laicidade ou secularismo, em português), sua educação jesuíta e seu foco no diálogo”, escrevem os jornalistas Claire Giangravè e Christopher White, em artigo publicado por La Croix International, 26-06-2018.

 

Durante séculos a Igreja Católica guardou um lugar especial para a França. Mesmo rolando cabeças de líderes religiosos na guilhotina, em Paris, os pontífices nunca abandonaram o sonho de que a filha pródiga da Igreja retornasse.

Enquanto o presidente francês Emmanuel Macron se prepara para visitar o Vaticano a fim de se reunir com o Papa Francisco nesta terça-feira, a primeira vez para o presidente recém-eleito, a pergunta no ar é: a filha mais velha da Igreja retornou?

Em sua terra natal, Macron é um homem creditado de inclinação religiosa “agnóstica”, se não “transcendente”, aberto não só ao diálogo com os não-católicos de seu país, mas também capaz de falar sua linguagem.

Com 12 anos de idade, o futuro chefe do Estado francês pediu para ser batizado, provocando o que ele chamou de “um profundo despertar espiritual”. Depois ele decidiu se afastar do catolicismo. Macron conheceu sua esposa católica, Brigitte Macron, no colégio jesuíta La Provence.

Considerando tudo isso, Macron se encaixa no perfil para fazer uma combinação perfeita com Francisco, dada sua compreensão da laïcité (laicidade ou secularismo, em português), sua educação jesuíta e seu foco no diálogo. Mesmo assim, por atrás de sua exterioridade acessível – não muito diferente do Papa argentino -, se encontra um pensador político astuto, consciente do equilíbrio delicado que envolve não só a França, mas toda a Europa.

Pesquisas mostram que Macron não era um dos favoritos para o eleitorado católico durante as eleições de abril do ano passado. Este lugar pertencia ao François Fillon, um político inflexivelmente devoto, a quem se creditou reunir o voto da adormecida França católica, a mesma que saiu em massa para protestar contra o aborto.

Depois de Fillon ser desmoralizado devido a um escândalo financeiro na sua família, Macron saiu vitorioso das eleições. No entanto, para ocupar o vazio político deixado por Fillon, o sistema europeu parece estar sedento de um líder no contexto de uma crescente onda populista e nacionalista.

Após sua eleição, Macron fez uma visita simbólica à basílica medieval de Saint-Denisem Paris, casa dos reis da França. Ele já chamou Joana d’Arc de um “símbolo de esperança”, reconheceu o padre francês Jacques Hamel, morto por simpatizantes do ISIS em 2016, como um “mártir”, e prestou tributo ao tenente convertido ao catolicismo Arnaud Jean-Georges Beltrame, que trocou de lugar com um refém durante um ataque terrorista em Trèbes, França.

Macron provou que é aberto ao diálogo com a Igreja, especialmente quando diz respeito à inclusão e ao ambiente, mas enquanto se prepara para enfrentar a questão da imigração, uma parada no Vaticano põe um marco fundamental ao homem que pode ser, ou pelo menos espera ser, o novo rosto da Europa.

Francisco e Macron: mestres do diálogo

Alguns críticos argumentam que o conceito francês de laïcité – uma expressão que descreve a separação entre religião e assuntos do estado – tem às vezes colocado a Igreja para fora da vida pública. 

Em abril, Macron apareceu nas manchetes quando se tornou o primeiro presidente francês a aceitar um convite para falar aos bispos da França no Collège des Bernardins em Paris.

Na exposição, Macron incentivou uma participação robusta de líderes católicos na vida pública, dizendo que sempre devem estar dispostos a fazer perguntas e levantar preocupações – mas sem a expectativa de que sempre terão o resultado desejado.

Suas palavras vieram num momento em que líderes da Igreja monitoram de perto os esforços do governo de Macron em aprovar uma nova legislação bioética que concederia mulheres solteiras e lésbicas o direito de utilizar a fertilização in vitro, coisa que a Igreja espera que não passe.

Apesar dessas diferenças, com frequência Macron se dedicou em conjunto com líderes da Igreja sobre questões bioéticas, incluindo um jantar dado no Élysée Palace, a residência oficial do presidente da França, para discutir questões sobre o fim da vida, particularmente a eutanásia.

“Um presidente da República francesa que não leva em consideração nenhum interesse da Igreja e de seus fiéis, estaria falhando em seu dever”, disse aos bispos em abril – acrescentando, “não há nada mais urgente hoje do que aumentar o conhecimento mútuo dos povos, culturas, religiões; Não há nenhuma outra maneira para que isso aconteça, a não ser conversando cara a cara. Mas também através de livros, compartilhando o trabalho.”

Esse pedido de diálogo tem paralelo com outra conferência ocorrida na França. Em abril de 2016, em Estrasburgo, Francisco se dirigiu ao Parlamento Europeu e apelou a um “novo humanismo” que, segundo ele, só poderia ser feito através do diálogo.

“A alma da Europa é, na verdade, maior do que os conflitos da UE, e é chamada a se tornar um modelo de novas sínteses e de diálogo”, disse Francisco. “A verdadeira face da Europa é vista não em confronto, mas na riqueza das suas diversas culturas e na beleza de seu compromisso com a abertura.”

Macron não provou apenas que pode dialogar com a Igreja na França, mas também que quando se trata do campo político global ele é uma força a ser levada em consideração.

Imigrantes, entre atrito e encontro

A visita de Macron se dará num contexto de tensa situação política. O presidente francês tem batido cabeça com o novo governo italiano e especialmente seu líder, Matteo Salvini, chefe do partido populista e anti-imigração, Liga do Norte.

O atrito recai sobre o Aquarius, um navio impedido de atracar que transportava mais de 600 imigrantes entre as águas da Itália e de Malta no início deste mês. O caso se tornou o pretexto para um debate sobre as responsabilidades de imigrantes na Europa e anulou a posição da Itália na negociação do acordo de Dublin, que regula a divisão de responsabilidades em matéria de imigração entre os estados membros da União Europeia.

Macron não vai visitar qualquer representante do governo italiano (Nota – devido à crise com o navio Life Stile, navegando à deriva lotado de refugiados resgatados no Mediterrâneo, encontrou-se, privadamente, na noite anterior do encontro com Francisco, com o primeiro ministro italiano, Conte, para encontrar uma saída conjunta para a situação), especialmente depois de seus comentários condenando a “lepra” do populismo na UE. Na verdade o presidente francês vai visitar a comunidade de Sant’Egidio, um movimento católico fortemente envolvido, entre outras causas, com a promoção de percursos seguros para os requerentes de asilo, que procuram refúgio na Europa. (Foi a comunidade de Sant’Egidio, por exemplo, que ajudou a acomodar os refugiados sírios que Francisco trouxe consigo de volta a Roma depois de uma viagem em abril de 2016 para a ilha grega de Lesbos).

Ainda assim, apesar da sua retórica, Macron – como sua colega chanceler alemã Angela Merkel – sabe muito bem que uma postura pró-imigrantes na Europa de hoje é um suicídio político.

Uma nova lei de imigração aprovada pela Assembleia Nacional francesa emitiu algumas medidas restritivas contra os requerentes de asilo e duplicaram penas de prisão para imigrantes que entram na França ilegalmente.

Antes da importante reunião com líderes europeus sobre a política de migração nos dias 28-29 de junho, Macron irá passar na Basílica de São João Latrão em Roma, historicamente ligada aos monarcas franceses, onde vai receber seu título como cônego-honorário.

Enquanto o antecessor de Macron, François Hollande, optou por não fazer visita à Basílica, a decisão de Macron para fazê-lo está sendo concebida como o possível começo de uma nova era na relação de seu país com a Igreja e um sinal de que, junto de um título em grande parte simbólico, aguarda um diálogo mais substantivo.

Fonte: IHU

“Eu passei dois anos com o Papa Francisco. E isso me mudou para sempre.”

Wim Wenders aos 40 anos contava sobre os anjos de Berlim e aos 72 apresenta para Cannes e para o mundo seu filme sobre as palavras e o pensamento de Bergoglio, “Papa Francisco – Um homem de palavra”.

Wenders, de que forma esse encontro mudou você?

Suas palavras tiveram um impacto direto sobre a minha vida. Ele pergunta: podemos viver com menos? A resposta é sim. Eu senti que eu não teria o direito de fazer este filme se eu não tivesse seguido o seu exemplo. Eu e minha esposa Donata mudamos nossa vida e foi um grande alívio. Ele diz: para a saúde mental, é preciso descansar um dia por semana. Eu percebi que eu não parava há anos. O que eu não estava passado tempo suficiente com a minha família, brincando com meus quatro netos. Ele fala coisas simples que todos nós sabemos, mas temos a tendência de esquecer.

Como foi o vosso encontro?

Nós nos conhecemos em seu escritório no Vaticano. Eu tinha estudado, eu achava que sabia muito sobre ele, mas mesmo assim ainda estava nervoso. Ele chegou sozinho, olhou para nós de forma franca, apertou as mãos de todos. Isso aliviou bastante a pressão.

O que mais lhe impressionou nele?

A coragem, a energia positiva que você percebe fisicamente quando entra na sala. E o senso de humor. Ele ria do meu espanhol estropiado e muitas vezes se percebe um sorriso no fundo de seus olhos. Tem a propensão para se divertir. Quando você olha em seus olhos, vê o velho garotinho que ele foi.

As palavras do Papa, no filme, são mais sobre os homens do que sobre Deus.

Não é um teólogo, em primeiro lugar está interessado nas pessoas, em se comunicar com os outros, nas suas necessidades. Com ele, a Igreja não é um instrumento de poder, mas da comunidade, como era na origem.

Não é um filme só para os católicos.

Eu não queria fazer um filme para aqueles que já o conhecem. O Papa Francisco quer falar com todas as pessoas de boa vontade. Não para convertê-las, mas para torná-las conscientes que precisamos remover a superfície e chegar à essência da igualdade.

Há uma cena em que ele desembarca nos EUA a bordo de um carro popular.

Desde o início de suas viagens, ele chocou a todos ao rejeitar a limusine. Quando se encontrou conosco para filmar nos jardins do Vaticano, saiu de um Fiat Panda.

Nestes anos com Francisco, você testemunhou momentos de fraqueza ou desconforto?

Eu vi nele uma esperança sem fim. Mas também a raiva, quando retornou do campo de refugiados em Lesbos. E quando fala de pedofilia, quando diz “Tolerância zero”, você entende que ele gostaria de fazer tudo e imediatamente, mas não pode. Você percebe a sua frustração.

Porque o Vaticano escolheu você para o documentário?

Por minha habilidade de desaparecer, deixando que seja o assunto do filme a brilhar. Vale para os músicos do Buena Vista Social Club, para a arte de Pina Bausch e Sebastião Salgado. Alguns fazem documentários de denúncia, eu os faço para compartilhar o que eu amo. A única regra que eu coloquei foi que o filme não poderia ser uma produção do Vaticano, eu tinha que fazer isso sozinho.

Por que optou por inserções ficcionais em preto e branco sobre São Francisco?

Quando ele foi eleito eu fiquei imediatamente impressionado com a escolha de se chamar Francisco. Esse nome traz uma grande obrigação, ninguém teve a coragem de escolhê-lo antes. A ideia de vincular o meu filme ao santo já estava lá desde o início. São Francisco é um grande herói da humanidade, visionário e revolucionário. Mas nem todos o conhecem. E nenhum filme sobre ele me impressionou, exceto aquele de Rossellini. Com pouco dinheiro rodei as cenas, usando uma filmadora da década de 1920 que eu sabia teria proporcionado um retorno ao passado. Muitos, depois da projeção, me perguntaram: “Onde você conseguiu aquelas imagens de arquivo?.

Qual é a sua relação com a religião?

Eu tive uma criação católica. Meu pai era médico, a sua missão era, como cristão, estar ao serviço de seus pacientes. Antes de cursar medicina ele tinha pensado em teologia. Aconteceu isso também comigo, até os dezesseis anos, depois vieram o rock and roll, o cinema… Em 1967 eu era um estudante, obviamente socialista. Nos anos 1970 eu voltei para minha crença, mas dessa vez como protestante. Hoje, não importa, sou um cristão e acredito no movimento ecumênico, tenho amigos católicos, frequento igrejas católicas e protestantes.

O Papa Francisco viu o filme?

Quando o conheci, ele nunca tinha visto um dos meus filmes, nem vai ver esse. Ele me chamou: “Eles me disseram que você fez um bom trabalho. Eu tenho muito respeito, mas o cinema não é uma coisa para mim.

Fonte: La Repubblica

Veja o Trailler

Trata-se de um Lamborghini Huracán. O dinheiro arrecadado será destinado a projetos de ajuda humanitária.

O Papa Francisco recebeu um presente muito especial: um Lamborghini Huracán. Mas ele mal o benzeu e o enviou imediatamente ao leilão.

O leilão do esportivo de luxo, um cupê branco com linhas douradas que tinha sido dado de presente ao Papa Francisco, conseguiu angariar 3,2 milhões de reais (800 mil dólares) destinados a projetos de ajuda humanitária, principalmente para cristãos que foram expulsos do Iraque, mulheres vítimas do tráfico de pessoas e populações pobres na África, informou hoje a Pontifícia Fundação.

Em sua página, a empresa Lamborghini descreve que o Huracán pode atingir 325 quilômetros por hora e que precisa de apenas 3,2 segundos para acelerar de 0 a 100 quilômetros por hora. Para isso, conta com um motor V10, alavanca de sete marchas, e está equipado com “assentos esportivos perfeitamente moldados” e “cabine com acabamentos de alta qualidade”.

A casa Sotheby’s, no Principado de Mônaco, foi a empresa encarregada de fazer o leilão do carro de luxo vendido – finalmente – a cerca de 715 mil euros, bem mais do que os 230 mil euros em que tinha sido avaliada esta edição especial para o Papa.

Conforme relatado oficialmente, 70% do dinheiro arrecadado irá para a Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), que trabalha no retorno dos cristãos que foram expulsos do Iraque pelo Estado Islâmico. A maioria deles vivia em Nínive e perdeu casas, pertences e locais de culto.

Francisco recebeu o Lamborghini em 15 de novembro passado em um ato do qual participaram os diretores da empresa automotiva.

Além da Ajuda à Igreja que Sofre, a Comunidade Papa João XXIII, que trabalha com mulheres vítimas do tráfico de pessoas e da prostituição, e duas associações italianas que realizam tarefas humanitárias na África, receberão parte das receitas. Trata-se do Gicam de Marco Lanzetta (que faz cirurgias de mãos) e da Amigos da África Central, cujo trabalho centra-se em ajudar crianças e mulheres, de acordo com a agência ANSA.

Fonte: Infobae

Quando o padre estendeu a mão e tocou com ternura o rosto do menino, não consegui me controlar. E isso só se intensificou. Quando o Papa Francisco chamou o relutante Emanuele para perguntar baixinho onde estava seu amado pai depois da morte, eu chorava tanto que as outras pessoas na fila do Starbucks tiraram os olhos do celular. Eu pedi desculpas pela exposição, murmurando, e continuei vendo o resto das incríveis filmagens do Papa Francisco sendo pastoral: um bom pastor, com o menor cordeiro no colo, perto do coração. Emanuele queria saber: será que seu pai estava mesmo no céu, mesmo sendo descrente?

Por que eu chorava? Por que este videozinho de um senhor sendo simpático com um garotinho me tocou e tocou muitas outras pessoas tão profundamente? Acho que foi porque Francisco nos mostrou como arriscar ao simplesmente abraçar o mundo que sofre. Sem explicação, apenas amor. Assim é o amor em ação, ele fala conosco de uma forma que as palavras não conseguem. Francisco corta a distância entre o Papa e a criança, entre o crente e o incrédulo, e chega ao núcleo: somos humanos.

Francisco se recusa a não estar presente para um coração ferido.

Quando o Papa Francisco diz que “Deus é o único que diz quem vai para o céu”, ele evita se colocar acima de Deus ou idolatrar as nossas regras humanas e nossa compreensão limitada de Deus. Ele escolhe agir com base no que ele sabe de Deus, em vez de limitá-lo conjecturando sobre a vida após a morte. Sim, continua sendo verdade — de acordo com nosso melhor palpite e nossa tradição cuidadosamente pensada, com base no Evangelho e no consagrado Catecismo da Igreja Católica — que “os que morrerem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo” (Nº 1023). E isso colocaria o pai de Emanuele, um ateu, fora da possibilidade de ir para o céu.

Mas “Deus é o único que pode dizer quem vai para o céu”. Não é o Papa, nem eu, nem você, mas Deus.

Assegurar a Emanuele que um Deus amoroso aceitaria seu pai no céu diz mais sobre Deus do que sobre o céu. A realidade é que não sabemos muita coisa sobre o céu. Mas sabemos muito sobre Deus. E espero que possamos concordar que Deus é amor. Não apenas porque encontramos essa afirmação de forma clara nas Escrituras, mas porque é assim que vivenciamos Deus em nossas vidas. E quase todas as especulações sobre a vida após a morte é estruturada pelo que pensamos sobre Deus. 

Estamos dispostos a deixar Deus ser Deus? E se acreditamos que Deus é amor, podemos seguir em frente e acreditar que Ele vai fazer a coisa certa. É muito difícil que o amor não seja amável. Sabemos se nossos entes queridos estão no céu? Lembre-se de que dizemos que são nossos entes queridos não só porque nós os amamos, mas porque Deus os amou primeiro e continua a amá-los. Então podemos continuar confiando no amor de Deus.

Às vezes é possível contrastar a verdade técnica da doutrina da Igreja com sua aplicação pastoral. Mesmo que o povo de Deus não possa lidar com a verdade, sendo melhor alimentado com banalidades fracas em termos do amor de Deus. E eu não acho que o Papa Francisco tenha feito isso com o jovem Emanuele. Ele não estava apenas sendo simpático, evitando dizer a um menino a verdade nua e crua de que seu pai não estava no céu. Não é assim que funciona.

Uma resposta pastoral é articular a doutrina da Igreja diante da vulnerabilidade humana. É destacar da doutrina os ingredientes básicos do amor e do acolhimento — na forma do convite permanente para seguir a Cristo em uma relação radical com o mundo. E isso nos move. Vemos nosso líder amando de uma forma que queremos amar, sendo vulnerável e confiando assim como queremos confiar. E se o Papa consegue resistir a incorporar o Deus Todo-Poderoso, será que nós não podemos tentar?

Jack Bentz, S.J., em artigo publicado pela revista América.

O arcebispo emérito de Milão, Angelo Scola, participou da apresentação do livro de Massimo Borghesi intitulado Jorge Mario Bergoglio. Una biografia intellettuale (Ed. Jaca Book), (imagem acima) organizada pelo Centro Cultural de Milão.

Ao lado dele, além do autor do livro, estava o encarregado da vice-presidência da Pontifícia Comissão para a América Latina, Guzmán Carriquiry Lecour. Foi uma das primeiras saídas públicas do cardeal, depois de deixar a liderança da diocese. E foi também a oportunidade, graças ao livro de Borghesi, para desfazer aquelas que Scola chama de “lendas urbanas” sobre o Papa Bergoglio, seu pensamento, sua formação teológica.

Carriquiry – que teve um papel de interface entre Borghesi e o papa para com que o autor obtivesse as quatro preciosas gravações de áudio nas quais Bergoglio responde às perguntas do professor – começou lembrando “a abundância de publicações” que dizem respeito ao atual pontífice, uma abundância que muitas vezes dificulta distinguir e “hierarquizar” as várias contribuições.

Ele não poupou críticas à “superexposição midiática” do papa e à “autorreferencialidade” de muitas contribuições, que tendem “a separar a sua figura do povo de Deus”, tornando-o quase um super-herói. Tentativas de sinal diferente e às vezes oposto, que têm o efeito de olhar para o dedo que indica a lua, em vez da lua, isto é, para a pessoa e a personalidade do pontífice, em vez da sua mensagem.

“O livro de Borghesi – continuou – se separa claramente de toda essa superabundância de títulos e contribuições, e ajuda a conhecer melhor a sua personalidade, não apenas intelectual.” Carriquiry recordou que “o Papa Francisco não tem a pretensão de se definir como ‘teólogo’” e que a sua mensagem consegue passar graças à “gramática da simplicidade, que nunca é simplismo”, porque “se concentra no essencial”.

As raízes dessa abordagem, evidente no documento programático do pontificado, a exortação Evangelii gaudium, devem ser buscadas no documento final de Aparecida, redigido ao término do encontro do episcopado latino-americano no santuário mariano mais importante do Brasil, em 2007.

Por fim, o encarregado da vice-presidência da Pontifícia Comissão para a América Latina, de origem uruguaia, mas que passou a maior parte de sua vida trabalhando na Cúria Romana, lembrou a “tolice daqueles ambientes que olham de cima para baixo para o ‘papa latino-americano’”, com a mesma atitude daqueles que, no início do pontificado de João Paulo II, olhavam com arrogância para o “papa polonês”.

Tomando a palavra, o cardeal Scola sublinhou acima de tudo a importância do encorpado volume de Borghesi – embora lamentando com um sorriso o corpo tipográfico escolhido, “um pouco pequeno demais para quem tem a minha idade” – e o definiu como “um empreendimento difícil e complexo”, com “um resultado precioso para a Igreja universal”.

O papado de Francisco, explicou o arcebispo emérito de Milão, assumindo a imagem usada muitas vezes pelo pontífice, “é um papado poliédrico, e é um magistério poliédrico”. Scola disse que o livro de Borghesi ajuda “a superar certas lendas urbanas” e ressaltou que o pensamento de Francisco é “muito sólido”. “É preciso desfazer um preconceito – continuou –, aquele de acordo com o qual um pensador católico, especialmente um teólogo, deve necessariamente ser um acadêmico. Não é assim”.

Os papas teólogos são uma exceção na série dos sucessores do apóstolo Pedro e, em todo caso, explicou Scola, “não é necessário que um pensamento forte venha de um acadêmico”. Depois, o cardeal se deteve na novidade representada pelo primeiro papa latino-americano que, com seu modo de testemunhar a fé, envolve também os mais distantes com uma abertura de 360 graus, “que passa muito através dos gestos e das imagens, e não apenas através das palavras, como, ao contrário, nós, europeus, estamos acostumados”, herdeiros de visões intelectualistas.

E aqui Scola fez uma pergunta sobre a recepção do pontificado a cinco anos da eleição de Francisco, que representou “um soco no estômago ou, melhor, um despertador para nós”. “Eu não sei o quanto assumimos esse despertador, ou o quanto ainda estamos nos defendendo do desafio que ele representa.” Com atitudes que, em vez de levar a sério o testemunho do papa, a conversão pastoral que ele pediu a toda a Igreja, são de defesa e, às vezes, tentam reduzir o pontificado ou de enquadrá-lo nas cômodas categorias do latino-americano que não entende a Europa, em vez de se deixar pôr em discussão.

O cardeal recordou depois que, nos anos 1960 e 1970, os futuros membros da Companhia de Jesus eram educados durante ao estudo aprofundado de pensadores importantes, bem identificados no livro de Borghesi, como Erich Przywara, Henri de Lubac, Gaston Fessard e Romano Guardini. “A formação do Papa Francisco– explicou Scola – é uma formação não acadêmica, mas nem por isso menos sólida.”

O arcebispo emérito de Milão concluiu dando alguns exemplos da influência desses autores, alguns dos mais citados no livro, lembrando também o tema da polaridade e do “pensamento tensionador” caro a Bergoglio, que o busca em Fessard e em Guardini, propondo a imagem de uma Igreja inclusiva, englobante e capaz de unir os polos opostos sem anulá-los. E lembrou também que, a partir dos anos 1990, o então arcebispo Bergoglio conhecera os textos do Pe. Luigi Giussani.

No seu agradecimento final, Borghesi contou brevemente alguns dos resultados da sua viagem através do pensamento dos mestres sobre os quais Bergoglio foi formado. A formação intelectual do futuro papa permite “compreender o olhar complexo e poliédrico que guia o atual pontificado. Tendo-se formado na escola dos jesuítas, dos franceses em particular, Bergoglio assimilou a mensagem de Santo Inácio através da leitura, ‘dialética e mística’ ao mesmo tempo, de um dos mais importantes filósofos do século XX: Gaston Fessard. Daí surge a ideia do catolicismo como ‘coincidentia oppositorum’que o leva ao encontro com a antropologia polar de Romano Guardini e com o pensamento do mais relevante intelectual católico latino-americano da segunda metade do século XX: Alberto Methol Ferré”.

Entre os exemplos citados no livro, está o que diz respeito à “relação entre graça e liberdade, entre ação divina e humana”, que “demonstra estar vivo apenas como pergunta e não como uma fórmula ‘perfeita’: trata-se de uma persuasão que estará no centro do pensamento de Bergoglio. Sua crítica ao ‘doutrinarismo’, ao dogmatismo abstrato, à petrificação da Revelação se originam a partir daqui: da ideia de que a fé, antes de ser uma resposta, é uma pergunta, uma abertura do coração a uma Presença de graça. Essa pergunta deve ser vivida, deve se tornar experiência, verificação de uma relação real, entre o ser humano e Deus, no cenário da história”.

Do encontro milanês, além do evidente convite à leitura do livro, surgiu principalmente uma modalidade autenticamente eclesial de se relacionar com o papa (com o atual, assim como com todos os outros), a partir não do preconceito ou do juízo pessoal sobre este ou aquele aspecto do pontificado, mas sim a partir do olhar de fé e, portanto, da pergunta sobre o passo que o Espírito Santo pede que cada um dê, levando a sério o testemunho e o magistério do sucessor de Pedro.

Fonte: Vatican Insider

Gaudete et Exsultate, sobre o chamado à santidade no mundo atual” é a terceira Exortação Apostólica do Papa Francisco – depois da Evangelii Gaudium e da Amoris laetitia – durante o seu Pontificado, que acaba de completar 5 anos.

Na introdução, o Papa explica: “O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados”. “Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, a chamada à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê perfeito’”.

Francisco explica que “não se deve esperar aqui um tratado sobre a santidade, com muitas definições e distinções que poderiam enriquecer este tema importante ou com análises que se poderiam fazer acerca dos meios de santificação”.

“O meu objetivo é humilde: fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades, porque o Senhor escolheu cada um de nós ‘para ser santo e irrepreensível na sua presença, no amor’”, acrescentou.

A Exortação se dividida em 5 capítulos: O chamado à santidade; Dois inimigos sutis da santidade; À luz do Mestre; Algumas características da santidade no mundo atual; Luta, vigilância e discernimento, distribuídos em 177 parágrafos.

Além disso, trata-se do primeiro documento deste tipo que está dirigido em primeira pessoa ao leitor. O Papa inclusive pergunta: “És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais”.

Os santos “ao pé da porta”

“Na Igreja, santa e formada por pecadores, encontrarás tudo o que precisas para crescer rumo à santidade”, acrescenta depois destas perguntas.

Francisco pede para pensar nos “santos ao pé da porta”, ou seja, não só nos que “já foram beatificados ou canonizados”. “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. A santidade ‘ao pé da porta’, ‘a classe média da santidade’”.

O Pontífice destaca que “cada santo é uma missão; é um projeto do Pai que visa refletir e encarnar, num momento determinado da história, um aspeto do Evangelho”.

Neste exercício da santidade, “não é saudável amar o silêncio e esquivar o encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço”, pois a relação com os outros é fundamental.

ACI

O jornalista italiano Eugenio Scalfari, do jornal ‘La Repubblica’, assegurou que, em um recente encontro, o Papa Francisco disse que “não existe um inferno” e que “é uma honra ser chamado de revolucionário”. Mas, o que realmente é verdade nesta publicação? O Vaticano se pronunciou.

Scalfari admitiu há algum tempo que as suas entrevistas são feitas sem um aparelho de gravação, mas “tento entender a pessoa que estou entrevistando”, e depois disso escrevo “suas respostas com minhas próprias palavras”.

Na entrevista publicada em 28 de março, Quarta-feira Santa, Scalfari assegurou que o Papa disse que as pessoas que se arrependem “obtêm o perdão de Deus, mas as pessoas que não se arrependem, e portanto, não podem ser perdoadas, desaparecem”. “Não existe um inferno, existe o desaparecimento das almas pecaminosas”, disse o Santo Padre, segundo o jornalista italiano.

Scalfari intitulou o seu artigo atribuindo ao Papa Francisco a frase: “É uma honra ser chamado de revolucionário”.

Entretanto, a Sala de Imprensa da Santa Sé explicou que a publicação de Scalfari “é o resultado de sua reconstrução” de uma reunião privada com o Papa, que não era uma entrevista, e que não se trata de “palavras textuais”.

Em seu comunicado divulgado 29 de março, a Sala de Imprensa do Vaticano indicou que “o Santo Padre recebeu recentemente, o fundador do jornal italiano ‘La Repubblica’, numa reunião privada por ocasião da Páscoa, mas sem lhe dar nenhuma entrevista”.

“O que é relatado pelo autor no artigo de hoje é o resultado de sua reconstrução, em que as palavras textuais pronunciadas pelo Papa não são citadas”, acrescenta.

“Portanto, nenhuma citação do artigo mencionado deve ser considerada como uma transcrição fiel das palavras do Santo Padre”, disse o Vaticano.

De fato, as supostas declarações citadas por Scalfari se contradizem com repetidas exortações do Papa Francisco a não cair nas mentiras do diabo, e até mesmo explicações do que é o inferno.

Em março de 2015, o Papa Francisco se reuniu com um grupo de fiéis italianos e indicou: “O inferno é querer afastar-se de Deus porque não quero o amor dele”.

Assim “vai ao inferno somente aquele que diz a Deus: ‘Não preciso de você, eu me arranjo sozinho’, assim como fez o diabo que é o único que temos certeza que está no inferno”, disse o Santo Padre na ocasião.

ACI Digital

Se um tal acordo muito comentado entre o Vaticano e a China para a nomeação episcopal for finalizado este ano, ele irá destacar a assertividade internacional que tem sido uma característica do pontificado do Papa Francisco. No entanto, irá também ser altamente polêmico, levantando uma dúvida sobre a distância em que Roma se encontra quanto a entender as dinâmicas contemporâneas de poder e até que ponto se pode confiar nelas.

Jonathan Luxmoore cobre notícias religiosas a partir de Oxford, na Inglaterra, e Varsóvia, na Polônia. “The God of the Gulag” (Gracewing, 2016) é um estudo seu publicado em dois volumes sobre os mártires da era comunista.

Nos cinco anos desde a eleição em março de 2013, como o primeiro papa do sul global Francisco deixou o mundo com uma pequena dúvida sobre onde a sua Igreja se posiciona em relação a temas contemporâneos fundamentais. Grande parte da cobertura da imprensa vem focando as divisões internas da Igreja, com os tradicionalistas católicos resistindo às reformas pastorais, mas a presença internacional do Vaticano viu um crescimento constante sob seu comando, naquilo que uns analistas chamam de a nova “diplomacia da misericórdia”.

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz no começo de 2018, o papa recordou um dos grandes temas de seu pontificado ao pedir por compaixão para com os mais de 250 milhões de migrantes e refugiados no mundo. Mas o seu pedido por uma ação coordenada e por uma “gestão responsável de novas situações complexas” pareceu mudar o foco da defesa puramente moral para algo mais concreto. 

Observações semelhantes foram feitas quando o pontífice visitou o Chile e o Peru em meados de janeiro deste ano, quando defendeu os povos indígenas contra “interesses econômicos poderosos” e, em 2017, quando foi a Myanmar e Bangladesh. Em cada caso, embora tenha ganho elogios por defender os direitos humanos por princípio, aspectos práticos sobre o posicionamento de Francisco foram também questionados – como aconteceu ao não defender os Rohingya perseguidos em Myanmar citando-os pelo nome enquanto esteve no país.

A influência política da Igreja

Espera-se que um acordo com a China comunista deva ser igualmente contestado, com uns acolhendo-o como uma oportunidade de restauração da unidade com a Igreja chinesa e outros rejeitando-o como uma traição às comunidades católicas há tempos sofredoras.

Roma enfrentou dilemas parecidos na Europa Oriental comunista, quando esteve sob pressão constante para conceder aos regimes locais o prestígio e os benefícios dos laços diplomáticos em troca da promessa de eles pararem com as perseguições e normalizarem o status da Igreja em seus territórios.

Nestes casos, será que o Vaticano realmente compreendia a mentalidade comunista, os pontos fortes e fracos do regime? Ainda que o polonês São João Paulo II o entendia, sem dúvida alguma fica aberta a questão sobre se isso pode ser dito de Francisco.
Independentemente do que uns podem achar aqui, Roma tem certos ativos poderosos para acionar na busca de suas iniciativas.

A Santa Sé tem hoje uma presença permanente em aproximadamente 40 organizações internacionais, desde as Nações Unidas e suas agências até o Conselho da Europa, a Liga Árabe e a Organização dos Estados Americanos, no momento em que a Rádio Vaticano faz as suas transmissões em 47 idiomas – mais do que o Voice of America ou a BBC.

O próprio papa tem 40 milhões de seguidores no Twitter, e eles aumentam cerca de 25% ao ano; só a Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma tem alunos de, no mínimo, 150 países.

Enquanto isso, a população católica mundial dobrou nas últimas três décadas para perto do 1.3 bilhão de fiéis. No final de 2015, havia 5.304 bispos, 415.656 padres e 670.320 religiosas, segundo informou o Vaticano.

Mesmo em países com minorias católicas a Igreja exerce uma influência considerável. Em nível mundial, ela continua sendo um dos maiores provedores de educação e assistência à saúde não governamental. É também um dos maiores doadores de ajuda humanitária, com a Caritas Internationalis coordenando, de Roma, organizações católicas em uns 200 países.

Como um centro nervoso desta rede altamente organizada, o Vaticano está igualmente expandindo a sua presença diplomática. Quando Myanmar estabeleceu relações em maio passado, ele foi o 193º país a assim fazer e o 111º a hospedar uma nunciatura apostólica permanente.

Acadêmicos e jornalistas rotineiramente ignoram o papel do Vaticano, visto que ele não pode ser quantificado por critérios políticos, econômicos ou militares; não pode ser mensurado segundo a interação usual dos interesses de Estado. Afinal, é o menor Estado do mundo: apenas 110 acres com uma população oficial de 1.000.

Mesmo assim, há inúmeras evidências para sugerir que a sua influência e o seu trabalho social não devem ser subestimados.

O Tratado de Latrão, de 1929, que definiu o status moderno do Vaticano, veio após seis décadas de marginalização desde a perda dos Estados Papais, em 1870 – evento que acabou com 1.000 anos de poder temporal sobre a península italiana.

Os papas demoraram muito para responder aos problemas do mundo contemporâneo e testemunharam o desmantelamento do poder da Igreja na Alemanha de Bismarck e na Terceira República anticlerical da França, seguido por ataques brutais contra o clero e fiéis em novos Estados revolucionários como a Espanha e a Rússia.

O papel do Vaticano, porém, reafirmou-se quando se tornou parte do sistema internacional nos anos posteriores à Guerra Mundial. E na época do Concílio Vaticano II (1962-1965), Roma esteve inundada de agentes e espiões dos governos desejosos por antecipar onde a Igreja poria em prática a sua influência sob a política do aggiornamento, ou abertura, do Papa João XXIII.

Eles estavam certos em se manterem interessados.

Tendo se tornado o primeiro papa a deixar a Itália desde 1809, o Papa Paulo VI visitou 20 países, enquanto o seu sucessor, João Paulo II, visitou 129 – alguns, como os EUA, a França e a Polônia, seu país natal, foram visitados em múltiplas ocasiões.

Independentemente do que venham a pensar os críticos da ‘postura conservadora’ de João Paulo II no tocante à doutrina e no comando da Igreja, dificilmente se pode pôr em dúvida a importância dele no cenário mundial.

O pontífice polonês foi fundamental para a queda de ditaduras como as das Filipinas e do Paraguai. Ele interveio em numerosas disputas, opondo-se à doutrina da preempção na “guerra contra o terror” pós-11 de setembro, e se tornando uma força motriz nos contatos inter-religiosos, em particular com o Islã.

A maior façanha política de João Paulo II, ajudando a derrubar o regime comunista na Europa Oriental e na União Soviética, é amplamente ignorada pelos indispostos ou incapazes de reconhecer o lugar da religião nos eventos mundiais.

Mas ele foi reconhecido com fundamental pelos próprios chefes comunistas, entre eles o poderoso Gen. Wojciech Jaruzelski, que, tendo acionado o poder do Estado contra a Igreja, mais tarde confessou que os ensinamentos espirituosos do papa haviam “redespertado as esperanças e expectativas de mudança”.

Em 1997, o último governante do Partido Comunista da União Soviética, Mikhail Gorbachev, saudou João Paulo II como “o maior líder de esquerda do mundo”, citando a oposição deste à pobreza e à injustiça e reconhecendo que o fim do regime comunista teria sido “impossível” sem o papa.

Embora todo desafio político deva ser abordado em seus méritos, o papel do papa polonês na derrocada do comunismo europeu serviu como um modelo para ações de paz coordenadas pela Igreja em outros lugares.

Os precedentes de João Paulo II

João Paulo II viu mais claramente do que seus antecessores que a fidelidade espiritual poderia ter consequências políticas. Mas também ele concluiu que a violência não era a resposta certa, visto que regimes autoritários e totalitários emergiam mais fortes quando desafiados pela força.

Usando noções simples da tradição cristã, lembrou pessoas confusas e desmoralizadas sobre as verdades e os valores que sabiam mas que tinham esquecido. O que as fez decisivas foi a forma como foram faladas – não nos ambientes sedados das igrejas e conventos, mas sim no pleno funcionamento das praças das cidades, nos parques industriais e urbanos.

Isso tudo era uma reviravolta total às humilhações do século XIX, quando Marx e Engels denunciaram o papado no “Manifesto Comunista”, de 1848, como uma das “potências da velha Europa”, e o Papa Pio IX, no “Syllabus dos Erros”, de 1864, furiosamente se recusou a reconciliar-se “com o progresso, com o liberalismo e com a sociedade civil”.

Enquanto os pontífices anteriores, fascinados pelas imagens de destruição da Revolução Francesa ou da Comuna de Paris, temeram os movimentos sociais espontâneos, João Paulo II viu-os como aliados – uma energia criativa que a Igreja poderia aproveitar para finalidades divinas.

A Igreja precisava achar a sua própria solução para os problemas que o comunismo tinha salientado: as relações entre mão de obra e capital, trabalho e propriedade, exploração e alienação. E tinha de encontrar um estímulo positivo, libertador para contrapor os ressentimentos negativos e cativantes que os governantes comunistas usavam como ferramentas de poder.

“Os movimentos de solidariedade”, frase usada na encíclica de 1981, Laborem Exercens, poderiam ser amigos, não inimigos, do cristianismo – ao alcançar uma vitória moral contra o medo e o ódio que, em última instância, tornou-se uma vitória política.

O papa conhecia o poder das palavras, dos símbolos e das imagens. Numa era de globalização econômica e comunicação em massa, percebeu que o poder dos governos estava diminuindo.

Os caças, tanques e mísseis das superpotências poderiam destruir o mundo muitas vezes. Mas sem pessoas para voá-los, dirigi-los ou lançá-los, eram pedaços de metal sem serventia. Era com as pessoas e com a opinião pública onde o poder real da Igreja se encontrava.

O reconhecimento deste estender a mão sem precedentes à opinião pública, e a prontidão a mobilizá-la, refletiu-se nos líderes políticos que agora faziam do Vaticano um porto seguro.

Enquanto nenhum presidente americano se importou em encontrar-se com o papa durante 40 anos depois da visita a Roma do presidente Woodrow Wilson em 1919, João Paulo II teve duas reuniões com Jimmy Carter no espaço de meio ano, seguido de quatro com Ronald Reagan e quatro com Bill Clinton; o presidente George W. Bush visitou o Vaticano cinco vezes.

Uma tradição de diplomacia silenciosa

Quando o papa polonês morreu em abril de 2005, estiveram em seu funeral 7 mil jornalistas creditados e, pelo menos, quatro milhões de pessoas, a maior reunião de chefes de Estado e de governo da história fora da ONU. Era um sinal da importância atribuída ao Vaticano pelos tomadores de decisão e demais pessoas poderosas do mundo.

A influência vaticana está, agora, de pé e a todo vapor, quando Francisco se pronuncia contra a pena de morte, as guerras, as armas nucleares, a pobreza, a discriminação, a corrupção e o crime organizado. Ele exige uma ação mais firme, junto com a ONU, em nome dos oprimidos e excluídos do mundo.

Depois de expandir a composição global do Colégio Cardinalício, Francisco levou a sua mensagem a 30 países, inclusive a Israel e à Palestina, Turquia, Cuba, Egito e a República Centro-Africana; tem convites para visitar outros, incluindo o Sudão do Sul.

Enquanto isso, diplomatas vaticanos têm se envolvido pesadamente em negociações de paz em países como a Venezuela e a Colômbia e vêm tendo presença marcante em iniciativas internacionais como o Fórum Pacto Global 2018, da ONU.

Em Myanmar, no mês de novembro do ano passado, Francisco sabia que decepcionaria alguns ao não chamar pelo nome o povo Rohingya, duramente oprimido no país, dizendo aos jornalistas, no voo de volta para Roma, que “a porta teria se fechado” se tivesse agido de maneira diferente da que fez. A sua mensagem, porém, foi transmitida – e foi ouvida claramente.

Embora tenha negado o “prazer” de uma denúncia pública, explicou, o papa falou “tudo” nos encontros com autoridades do governo. E instruiu os bispos de Myanmar a se pronunciarem pela “dignidade e pelos direitos de todos, especialmente dos mais pobres e mais vulneráveis”.

Quando as feridas são “tanto visíveis quanto invisíveis”, uma busca austera por um denominador comum às vezes ajuda mais que condenações que saem bem nas manchetes. Eis uma área onde as tradições diplomáticas do Vaticano podem ainda se mostrar altamente efetivas.

O mesmo irá valer com a China?

Analistas experientes concordam que é essencial diferenciar claramente entre as circunstâncias locais, precisando-se estudar minuciosamente todas e entendê-las intimamente. No mundo onde é complexo a administração da Igreja, não pode haver uma abordagem do tipo “o que vale para um vale para todos”.

Parte do trabalho de Francisco já sofreu uma oposição amarga.

O encontro em fevereiro de 2016 em Cuba que teve com o Patriarca Ortodoxo Kirill, da Rússia, provocou dúvidas entre os católicos ucranianos e da Europa Oriental, que temeram ele que servisse de propaganda política em benefício do Kremlin – acusação também feita ao secretário de Estado do Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin, quando visitou Moscou em agosto passado.

Se for para a “diplomacia da misericórdia” trabalhar, ela deve ir além da ajuda humanitária digna e também ter um fundamento firme na realidade.

Apesar de todos os ricos e perigos, no entanto, os esforços para a construção da paz feitos pelo Papa Francisco devem ser apreciados e seguidos atentamente. Eles demonstram como a religião pode fornecer uma base e uma orientação à ação efetiva e inovadora.

Também mostram que líderes católicos influentes e autoconfiantes podem desempenhar um papel importante na promoção da participação, cidadania, diálogo e reconciliação – também na oposição aos “Herodes de [hoje]”, como Francisco os descreveu na homilia de Natal de 24 de dezembro de 2017, que são os líderes que meramente buscam “impor o seu poder e aumentar as suas riquezas”.

Se o regime chinês se pôr a explorar isso, poderá esperar um retorno no futuro.

O artigo é de Jonathan Luxmoore- National Catholic Reporter.