O Papa Emérito Bento XVI escreveu recentemente um texto intitulado “A Igreja e os abusos sexuais”, no qual oferece suas reflexões sobre a atual situação eclesial e apresenta suas propostas para enfrentar esta grave crise.

O texto (escrito em alemão) é dividido em três partes. No primeiro apresenta o contexto histórico a partir dos anos 1960, no segundo se refere aos efeitos na vida dos sacerdotes e no terceiro se propõe uma resposta adequada da Igreja.

Originalmente, o mesmo seria publicado na Semana Santa pelo Klerusblatt, um jornal mensal para o clero de algumas dioceses bávaras da Alemanha; no entanto, terminou sendo divulgado na quarta-feira, 10 de abril, pelo jornal New York Post.

ACI Digital oferece uma tradução ao português do documento na íntegra, que é, nas palavras do próprio Bento XVI, sua contribuição para “ajudar a Igreja nesta hora tão difícil “.

A Igreja e o Escândalo do abuso sexual

De 21 a 24 de fevereiro, a convite do Papa Francisco, os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo se reuniram no Vaticano para discutir a crise da Fé e da Igreja, uma crise palpável em todo o mundo após as estarrecedoras revelações dos abusos perpetrado por clérigos contra menores. A extensão e a gravidade dos incidentes relatados têm afligido profundamente tanto sacerdotes quanto leigos, e levou a não poucas pessoas a questionarem a própria fé da Igreja. Era necessário enviar uma mensagem forte e procurar um novo começo, com tal de tornar a Igreja novamente verdadeiramente credível como uma luz entre os povos e como uma força ativa contra os poderes da destruição.

Já que eu mesmo me encontrava servindo em uma posição de responsabilidade como pastor da Igreja no momento da eclosão pública da crise e durante seu desenvolvimento, eu tive que me perguntar – ainda que como emérito já não seja mais diretamente responsável por essa situação – o que eu podia fazer para contribuir com um novo começo em retrospecto. Assim, durante o período que vai do anúncio até a realização da reunião dos Presidentes das Conferências Episcopais, compilei algumas anotações com as quais creio poder oferecer uma ou duas observações e ajudar a Igreja nessa hora tão difícil. Tendo entrado em contato com o Secretário de Estado, Cardeal [Pietro] Parolin e o Santo Padre [Papa Francisco], pareceu-me apropriado publicar o texto resultante deste esforço no “Klerusblatt” (NdT: um jornal mensal para o clero de algumas dioceses da Baviera).

Meu trabalho está dividido em três partes. Na primeira, pretendo apresentar brevemente o contexto societário mais amplo da questão, sem o qual o problema não pode ser entendido. Eu tento mostrar que na década de 60 ocorreu um evento excepcional, em uma escala sem precedentes na história. Pode-se dizer que, nos 20 anos decorridos entre 1960 e 1980, os padrões vinculantes relativos à sexualidade até então entraram em colapso por completo, gerando uma ausência de normativa que já foi objeto de tentativas laboriosas de compreensão.

Na segunda parte, pretendo destacar os efeitos dessa situação na formação dos sacerdotes e na vida dos sacerdotes.

Finalmente, na terceira parte, gostaria de desenvolver algumas perspectivas para uma resposta adequada por parte da Igreja.

I.

(1) O assunto começa com a introdução, prescrita e apoiada pelo Estado, de crianças e jovens no tema da natureza da sexualidade. Na Alemanha, a então ministra da Saúde, [Käte] Strobel, mandou fazer um filme mostrando tudo o que antes não podia ser exibido publicamente, incluindo relações sexuais, e que passou a ser exibido com o propósito de educar os jovens. O que inicialmente se destinava apenas à educação sexual destes, por conseguinte, foi amplamente aceito como uma opção viável para o resto da sociedade.

Efeitos semelhantes foram alcançados pelo “Sexkoffer” publicado pelo governo austríaco [NdT: Uma espécie de ´kit´ repleto de material destinado à educação sexual usado nas escolas austríacas no final da década de 1980]. Filmes sexuais e pornográficos tornaram-se uma ocorrência comum, a ponto de serem exibidos nos cinemas [Bahnhofskinos]. Ainda me lembro de ter visto, andando pela cidade de Regensburg um dia, verdadeiras multidões de pessoas se alinhando em frente a uma grande sala de cinema, algo que anteriormente só havíamos visto nos tempos da guerra, quando alguma alocação especial era esperada. Lembro-me também de ter chegado à cidade na Sexta-feira Santa, no ano de 1970, e de ver todos os outdoors preenchidos por um grande cartaz de duas pessoas completamente nuas num abraço apertado.

Entre as liberdades pelas quais a Revolução de 1968 lutou estava a total liberdade sexual, uma que não mais possuía normas. A vontade de usar a violência, que caracterizou esses anos, está fortemente relacionada a esse colapso mental. Na verdade, os filmes sexuais não eram mais permitidos nos aviões porque poderiam gerar violência na pequena comunidade de passageiros. E dado que os excessos no vestuário também provocavam agressão, os diretores das escolas fizeram várias tentativas de introduzir uma vestimenta escolar que facilitasse um clima de aprendizado.

Parte da fisionomia da Revolução de 1968 foi que a pedofilia também foi diagnosticada como um comportamento aceitável e apropriado.

Para os jovens da Igreja, mas não apenas para eles, este foi um momento muito difícil em muitos aspectos. Sempre me perguntei como os jovens nessa situação poderiam se aproximar do sacerdócio e aceitá-lo com todas as suas ramificações. O extenso colapso das gerações seguintes de sacerdotes naqueles anos e o grande número de secularizações foram uma consequência de todos esses desenvolvimentos.

(2) Ao mesmo tempo, independentemente destes desenvolvimentos, a teologia moral católica sofreu um colapso que deixou a Igreja desamparada diante dessas mudanças na sociedade. Vou tentar delinear brevemente a trajetória que esse desenvolvimento percorreu.

Até o Concílio Vaticano II, a teologia moral católica era em grande parte baseada na lei natural, enquanto as Sagradas Escrituras eram citadas apenas para obter contexto ou justificação. Na luta do Concílio por uma nova compreensão do Apocalipse, a opção pela lei natural foi amplamente abandonada, e uma teologia moral baseada inteiramente na Bíblia foi exigida.

Ainda me lembro como a faculdade jesuíta em Frankfurt treinou o jovem e inteligente Padre (Schüller) com o propósito de desenvolver uma moralidade baseada inteiramente nas Escrituras. A bela dissertação do Padre (Bruno) Schüller mostra um primeiro passo para a construção de uma moralidade baseada nas Escrituras. O sacerdote foi então enviado para os Estados Unidos e voltou, percebendo que somente com a Bíblia a moralidade não poderia ser expressa sistematicamente. Então ele tentou uma teologia moral mais pragmática, sem poder dar uma resposta à crise da moralidade. Consequentemente, nada poderia ser considerado um bem absoluto, assim como, por outro lado, coisa alguma poderia ser considerada fundamentalmente ruim; (Poderia haver) apenas juízos de valor relativos. Não havia mais o bom em seu sentido mais absoluto, apenas o aquilo que era relativamente melhor ou contingente para o momento e as circunstâncias específicas.

A crise da justificação e da forma de expor a moral católica alcançou proporções dramáticas no final dos anos 80 e 90. Em 5 de janeiro de 1989, foi publicada a “Declaração de Colônia”, assinada por 15 catedráticos católicos de teologia. O documento se concentrou em vários pontos da crise da relação entre o magistério dos bispos e a tarefa da teologia. (As reações a) este texto, que em princípio não passaram do usual nível de protestos, cresceu rapidamente e se tornou um grito contra o magistério da Igreja e reuniu, clara e visivelmente, o potencial de um protesto global contra os esperados textos doutrinais de João Paulo II. (cf. (cf. D. Mieth, Kölner Erklärung, LThK, VI3, p. 196) (N.dT: O LTHK é o Lexikon für Theologie und Kirche, o Lexicon de Teologia e a Igreja, cujos editores incluíam o teólogo Karl Rahner y o hoje Cardeal alemão Walter Kasper).

O Papa João Paulo II, que conhecia muito bem e acompanhava de perto a situação em que a teologia moral se encontrava, encomendou o trabalho de uma encíclica para tornar as coisas claras novamente. E foi publicada sob o título de Veritatis Splendor no dia 6 de agosto de 1993 e logo gerou reações veementes de vários teólogos morais. Antes disso, o Catecismo da Igreja Católica (publicado em 1992) já havia apresentado, de maneira persuasiva e sistemática, a moralidade proclamada pela Igreja

Nunca vou esquecer a forma como o então líder teólogo moral alemão, Franz Böckle, tendo retornado para sua Suíça natal após a aposentadoria, anunciou em relação à Veritatis Splendor que se a encíclica determinasse que existem ações que sempre e em todas as circunstâncias deveriam ser classificados como más, ele iria rebatê-la com todos os recursos à sua disposição.

Foi Deus, o Misericordioso, que evitou que este propósito fosse executado, pois Böckle morreu em 8 de julho de 1991. A encíclica foi publicada em 06 de agosto de 1993 e efetivamente incluía a determinação de que certas ações jamais podem ser consideradas boas.

O Papa estava plenamente consciente da importância dessa decisão e, nessa parte do texto, consultou novamente os melhores especialistas que não participaram da edição da encíclica. Ele sabia que não deveria deixar dúvidas sobre o fato de que a moralidade que busca o equilíbrio de bens deve ter sempre um limite final. Alguns bens simplesmente não estão sujeitos a concessões.

Há valores que jamais devem ser abandonados por um valor mais alto e até mesmo superar a preservação da vida física. Há martírio. Deus é mais. Ele vale mais que a própria sobrevivência física. Uma vida comprada pela negação de Deus, uma vida baseada em uma mentira, ao final, não é vida.

O martírio é a categoria básica da existência cristã. O fato de que o mesmo já não seja moralmente necessário, como afirma a teoria defendida por Böckle e muitos outros, demonstra que a própria essência do cristianismo está em jogo aqui.

Na teologia moral, no entanto, outra questão tornou-se urgente: a hipótese de que o Magistério da Igreja deveria ter competência final (“infalibilidade”) apenas nas questões relativas à fé e já não nas que se referem à moralidade, havia ganhado ampla aceitação. Dizia-se que estas questões não deveriam cair no âmbito de decisões infalíveis do magistério da Igreja. Provavelmente há algo de verdade nesta hipótese e que merece mais discussão, mas há um conjunto mínimo de questões morais que estão intimamente relacionadas com o princípio fundamental da fé, o qual deve ser defendido, para que a fé não venha a ser reduzida a uma teoria e que já não seja reconhecida em seu clamor pela vida concreta.

Tudo isso nos permite ver o quão fundamentalmente a autoridade da Igreja é questionada quando se trata de questões de moralidade. Aqueles que negam à Igreja uma competência no ensinamento definitivo nesta área, forçam-na a permanecer em silêncio exatamente ali, onde se encontra em jogo a fronteira entre a verdade e a mentira.

Independentemente deste assunto, em muitos círculos da teologia moral foi apresentada a tese de que a Igreja não tem e não pode ter sua própria moralidade. O argumento era que todas as hipóteses morais teriam seu paralelo em outras religiões e, portanto, não haveria uma natureza cristã. Mas a questão da natureza da moralidade bíblica não é respondida pelo fato de que para cada frase singular em algum lugar da Escritura, podemos encontrar um paralelo em outras religiões. Na verdade, trata-se do conjunto da moralidade bíblica, que, como tal, é novo e distinto de suas partes individuais.

A doutrina moral das Sagradas Escrituras tem a sua forma única de ser predicada em última instância na sua concreção à imagem de Deus, na fé em um Deus que se manifestou a Si mesmo em Jesus Cristo e viveu como ser humano. O Decálogo é uma aplicação para a vida humana da fé bíblica em Deus. A imagem de Deus e da moralidade se pertence uma a outra e é por isso que resulta na mudança particular da atitude cristã em relação ao mundo e à vida humana. Além disso, o cristianismo tem sido descrito desde o início com o termo Hodoš (caminho, em grego, usado no Novo Testamento para discutir um caminho de progresso).

A fé é uma travessia e uma forma de vida. Na Igreja antiga, o catecumenato foi criado como um habitat no qual os aspectos distintos e frescos daquele modo de viver a vida cristã eram ao mesmo tempo praticados e protegidos, contra uma cultura cada vez mais desmoralizada. Acredito que mesmo hoje, algo como estas comunidades de catecumenato sejam necessárias para que a vida cristã possa se afirmar da maneira que lhe é própria.

II.

As reações eclesiais iniciais

(1) O processo há muito preparado e em andamento para a dissolução do conceito cristão de moralidade foi marcado, como tentei demonstrar, pelo radicalismo sem precedentes dos anos 1960. Essa dissolução da autoridade moral do ensino da Igreja devia ter um efeito sobre os diferentes membros da Igreja. No contexto da reunião dos presidentes das conferências episcopais em todo o mundo com o Papa Francisco, a questão da vida sacerdotal, assim como a dos seminários, é de particular interesse. Uma vez que está relacionado ao problema o tema da preparação para o ministério sacerdotal nos seminários, e, existe de fato uma ampla decomposição no que diz respeito à anterior forma de preparação dos candidatos.

Em vários seminários foram estabelecidos grupos homossexuais que agiram mais ou menos abertamente, o que mudou significativamente o clima que se vivia ali. Em um seminário no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e ao ministério leigo de agentes de pastoral (Pastoralreferent) viviam juntos. Nas refeições diárias, os seminaristas e os especialistas em pastoral estavam juntos. Os casados ​​às vezes estavam com suas esposas e filhos; e às vezes com suas namoradas. O clima neste seminário não oferecia o apoio necessário para a preparação adequada para a vocação sacerdotal. A Santa Sé sabia desses problemas sem ser informada com precisão. Como primeiro passo, foi acordada uma visita apostólica para os seminários nos Estados Unidos.

Como os critérios para a seleção e nomeação dos bispos também mudaram depois do Concílio Vaticano II, a relação dos bispos com seus seminários também tornou-se muito diferente. Acima de tudo, a “conciliaridade” foi estabelecida como um critério para a nomeação de novos bispos, o que poderia ser entendido de várias maneiras.

De fato, em muitos lugares entendeu-se que as atitudes conciliares se relacionavam a uma postura crítica ou negativa à tradição que existia até então, e que precisava ser substituída por uma relação nova e radicalmente aberta com o mundo. Um bispo, que já havia sido reitor de um seminário, fez os seminaristas assistirem a filmes pornográficos com a intenção de torná-los resistentes a condutas contrárias à fé.

Havia – e não apenas nos Estados Unidos da América – bispos que individualmente rejeitavam totalmente a tradição católica e buscavam uma nova e moderna “catolicidade” em suas dioceses. Pode valer a pena mencionar que em muitos seminários, os estudantes que os viram lendo meus livros eram considerados inadequados para o sacerdócio. Meus livros estavam escondidos, como se fossem literatura ruim, e eram lidos apenas debaixo da escrivaninha.

A visita apostólica afinal não trouxe novas pistas, aparentemente porque vários poderes juntaram forças para maquiar a verdadeira situação. Uma segunda visita foi ordenada e permitiu novos dados, mas no final tampouco obteve resultado algum. No entanto, desde a década de 1970, a situação nos seminários geralmente melhorou. E, no entanto, apenas casos isolados de um novo fortalecimento das vocações sacerdotais surgiram, posto que a situação em geral havia tomado outro rumo.

(2) A questão da pedofilia, se não me falha a memória, não era crítica até a segunda metade da década de 1980. Entretanto, ele se tornou um assunto público nos Estados Unidos, tanto assim que os bispos foram a Roma para procurar ajuda e que o direito canônico, conforme escrito no novo Código (1983), não parecia suficiente para tomar as medidas necessárias. Na primeira visita, Roma e os canonistas romanos tinham dificuldades com estas preocupações porque, em sua opinião, a suspensão temporária do ministério sacerdotal deveria ser suficiente para gerar purificação e esclarecimento. Isto não podia ser aceito pelos bispos americanos, porque assim os sacerdotes permaneciam a serviço do bispo e, portanto, seguiam diretamente associados a ele. Lentamente, foi tomando forma uma renovação e um aprofundamento na lei criminal do novo Código, construída deliberadamente e com ligeireza.

Além disso e no entanto, havia um problema fundamental na percepção do direito penal. Apenas o chamado “garantismo” (uma espécie de protecionismo processual ao réu) era considerado uma postura “conciliar”. Isso significa que os direitos do acusado devem ser garantidos, acima de tudo, até o ponto em que qualquer tipo de condenação fosse impossibilitada. Como um contrapeso para as opções de defesa disponíveis para os teólogos acusados ​​e muitas vezes inadequadas, o direito de defesa dos mesmos usando o “garantismo” estendeu-se a tal ponto que era quase impossível uma condenação.

Permitam-me um breve excurso neste momento. À luz da escalada da conduta pedófila, uma palavra de Jesus novamente nos interpela: ” Se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que creem em mim, seria melhor que fosse lançado no mar com uma grande pedra amarrada no pescoço” (Mc 9,42).

A palavra pequenino, na língua de Jesus, significava aqueles crentes comuns que podem ver sua fé confundida pela arrogância intelectual daqueles que acreditam ser inteligentes. Então, aqui Jesus protege o depósito da fé com uma ameaça ou punição enfática para aqueles que prejudicam estas pessoas.

O uso moderno da frase não está em si mesmo errado, mas não deve obscurecer o significado original. Fica claro, contra qualquer garantismo, que não apenas o direito do acusado é importante e requer uma garantia. Grandes bens como a fé são igualmente importantes.

Assim, uma lei canônica equilibrada, que corresponda à totalidade da mensagem de Jesus, não apenas deve fornecer uma garantia para o acusado, para quem o respeito é um bem lícito, mas também deve proteger a fé que também é um importante e lícito bem. Uma lei canônica adequadamente formada deve então conter uma dupla garantia: a proteção legal do acusado e a proteção legal da propriedade que está em jogo. Se hoje esta concepção intrinsecamente clara é apresentada, ela geralmente cai em ouvidos surdos quando se trata da questão da proteção da fé como um bem legal. Na consciência geral da lei, a fé não parece mais ter o grau de um bem que requer proteção. Esta é uma situação alarmante que os pastores da Igreja devem considerar e levar a sério.   

Agora eu gostaria de acrescentar, às breves notas sobre a situação da formação sacerdotal na época da crise, algumas observações sobre o desenvolvimento do direito canônico nesta matéria.

Em princípio, a Congregação para o Clero é responsável por lidar com crimes cometidos por padres, mas dado que o “garantismo” dominava amplamente a situação daquela época, eu concordei com o Papa João Paulo II que era apropriado designar essas ofensas à Congregação para a Doutrina da Fé, sob o título de “Delicta maiora contra fidem” (NdT: Delitos graves contra a fé).

Isso possibilitou a imposição da pena máxima, ou seja, a expulsão do estado clerical, que não poderia ter sido imposta sob outras disposições legais. Este não foi um truque para impor a pena máxima, mas uma consequência da importância do bem que é a fé para a Igreja. De fato, é importante notar que uma tamanha má conduta deste tipo por parte de um clérigo, acaba, em última instância, prejudicando a fé.

Onde a fé não determina mais as ações do homem tais ofensas se tornam possíveis.

A severidade da pena, no entanto, também pressupõe uma prova clara da ofensa: este aspecto da garantia continua em vigor.

Em outras palavras, para impor a pena máxima legalmente, é necessário um processo criminal genuíno, mas ambas as dioceses e a Santa Sé estão sobrecarregadas por esta exigência. Portanto, formulamos um nível mínimo de procedimentos criminais e deixamos aberta a possibilidade de que a própria Santa Sé assuma o julgamento quando a diocese ou a administração metropolitana não possam fazê-lo. Em cada caso, o julgamento deve ser revisado pela Congregação para a Doutrina da Fé para garantir os direitos do acusado. Finalmente, na quarta feria (N.dT. a assembleia ou reunião geral dos membros desta Congregação da Cúria em que são discutidos os diversos casos em andamento), estabelecemos uma instância de recurso para oferecer a possibilidade de o acusado apelar.

Já que tudo isso ultrapassou as capacidades concretas da Congregação para a Doutrina da Fé e não havia outra alternativa mais que enfrentar os longos atrasos, devido à natureza peculiar do assunto, o Papa Francisco decidiu então realizar mais reformas.

III.

(1) O que deve ser feito? Talvez devêssemos criar outra Igreja para que as coisas funcionem? Bem, essa experiência já foi feita e já falhou. Somente a obediência e o amor a nosso Senhor Jesus Cristo pode nos mostrar o caminho, então primeiramente devemos tentar entender de novo e de dentro (de nós mesmos) o que o Senhor quer e quis de nós.

Em primeiro lugar, gostaria de sugerir o seguinte: se realmente queremos resumir muito brevemente o conteúdo da fé, tal como está na Bíblia, teríamos que fazê-lo dizendo que o Senhor começou uma narrativa de amor com as pessoas e quer abraçar toda a criação nesta narrativa. A maneira de lutar contra o mal que nos ameaça e ameaça o mundo todo, só pode residir no nosso ingresso neste amor em última instância. Esta é a verdadeira força contra o mal, já que o poder do mal surge da nossa recusa em amar a Deus. Quem se entrega ao amor de Deus é redimido. Nossa realidade de não-redimidos é consequência de nossa incapacidade de amar a Deus. Aprender a amar a Deus é, portanto, o caminho da redenção humana.

Vamos tentar desenvolver um pouco mais este conteúdo essencial da revelação de Deus. Podemos assim dizer que o primeiro dom fundamental que a fé nos oferece é a certeza de que Deus existe. Um mundo sem Deus só pode ser um mundo sem significado. Caso contrário, de onde tudo viria? Em todo caso, não haveria um propósito espiritual. De alguma forma, simplesmente está lá e não tem propósito ou significado algum. Então não há padrões de bem ou mal, e somente o que é mais forte do que qualquer outra coisa que se possa afirmar e então o poder se torna o único princípio. A verdade não conta, simplesmente não existe. Somente se as coisas tiverem uma razão espiritual, elas têm uma intenção e são concebidas. Somente se existe um Deus Criador que é bom e que quer o bem, a vida do homem pode então fazer sentido.

Existir um Deus que seja o criador e a medida de todas as coisas é primeiro e acima de tudo uma necessidade, mas um Deus que não se expressa em nada aquilo que é, que não se dá a conhecer, permaneceria como uma presunção e, em consequência, não poderia determinar a forma [ Gestalt] do nosso viver. Para que Deus seja realmente Deus nesta criação deliberada, temos que olhar para Ele para que ele se expresse de alguma forma. Ele fez de muitas maneiras, mas decisivamente na vocação de Abraão e deu às pessoas que procuravam a Deus a orientação que nos leva além de toda expectativa: o próprio Deus se torna criatura, falando como um homem conosco, seres humanos.

Nesse sentido, a frase “Deus é”, torna-se ao final uma mensagem verdadeiramente alegre, precisamente porque Ele é mais do que intelecto porque cria – e é – o amor para que mais uma vez as pessoas tenham consciência de que esta é a primeira e mais fundamental tarefa confiada a nós pelo Senhor.

Uma sociedade sem Deus – uma sociedade que não o conhece e o trata como inexistente – é uma sociedade que perde sua medida. Em nossos dias, a frase da morte de Deus foi acunhada. Quando Deus morre em uma sociedade, nos é dito, torna-se livre. Na realidade, a morte de Deus em uma sociedade também significa o fim da liberdade porque o que morre é o propósito que provê orientação, já que desaparece a bússola que nos indica a direção certa e que nos ensina a distinguir o bem do mal. A sociedade ocidental é uma sociedade na qual Deus está ausente na esfera pública e não tem nada para oferecer a ela. E essa é a razão pela qual a sociedade perde cada vez mais sua noção de humanidade. Em pontos individuais, de repente parece que o que é ruim e destrói o homem se tornou uma questão de rotina.

Esse é o caso da pedofilia. Admitiu-se há pouco tempo como algo legítimo, mas se espalhou mais e mais. E agora percebemos com surpresa que as coisas que estão acontecendo com nossas crianças e jovens ameaçam destruí-las. O fato de que isso também pode ser estendido na Igreja e entre os sacerdotes é algo que deve nos interpelar de maneira particular.

Por que a pedofilia atingiu tais proporções? No final, a razão é a ausência de Deus. Nós cristãos e sacerdotes também preferimos não falar de Deus porque esse discurso não parece ser prático. Após a convulsão da Segunda Guerra Mundial, nós na Alemanha ainda tínhamos expressamente em nossa Constituição que estávamos sob a responsabilidade de Deus como um princípio orientador. Meio século depois, já não era possível incluir a responsabilidade para com Deus como um princípio orientador na Constituição Europeia. Deus é visto como a preocupação partidária de um pequeno grupo e não pode mais ser um princípio orientador para a comunidade como um todo. Esta decisão é refletida na situação no Ocidente, onde Deus se tornou um assunto particular, destinado a uma pequena minoria.

Uma tarefa primordial, que deve resultar das convulsões morais de nosso tempo, é que novamente comecemos a viver para Deus e sob Ele. Acima de tudo, temos que aprender mais uma vez a reconhecer Deus como a base de nossa vida. Em vez de deixá-lo de lado como se fosse uma frase ineficaz. Jamais esquecerei o aviso do grande teólogo Hans Urs von Balthasar que uma vez me escreveu em um de seus cartões postais. “Não pressuponha o Deus trino: Pai, Filho e Espírito Santo, apresente-o!”

De fato, na teologia, Deus é sempre tomado como uma questão de rotina, mas na vida concreta não a pessoa não se relaciona com Ele. O tema de Deus parece tão irreal, tão alheio às coisas que nos preocupam e entretanto, tudo se torna diferente quando nós não pressupomos mas apresentamos Deus aos demais. Não deixando para trás como uma moldura, mas reconhecendo-o como o centro de nossos pensamentos, palavras e ações.

(2) Deus se tornou homem para nós. O homem como sua criatura está tão perto de seu coração que se uniu a si mesmo e, assim, entrou na história humana de maneira muito prática. Ele fala conosco, vive conosco, sofre conosco e assumiu a morte por nós. Falamos sobre isso em detalhes em teologia, com palavras e pensamentos aprendidos, mas é precisamente assim que corremos o risco de nos tornarmos professores da fé, em vez de sermos renovados e transformados em mestres pela fé.

Considere isso com relação à questão central, a celebração da Santa Eucaristia. Nossa forma de lidar com a Eucaristia só pode gerar preocupação. O Concílio Vaticano II concentrou-se justamente em devolver este sacramento da presença do corpo e do sangue de Cristo, da presença da sua pessoa, da sua paixão, morte e ressurreição, ao centro da vida cristã e à própria existência da Igreja. Em parte, isso realmente aconteceu e devemos ser gratos ao Senhor por isso.

E ainda assim uma atitude muito diferente prevalece. O que predomina não é uma nova reverência pela presença da morte e ressurreição de Cristo, mas uma maneira de lidar com Ele que destrói a grandeza do Mistério. A queda na participação das celebrações eucarísticas dominicais mostra quão pouco os cristãos de hoje sabem apreciar a grandeza do dom que consiste em sua verdadeira Presença. A Eucaristia tornou-se um mero gesto cerimonial quando se toma por parâmetro que as boas maneiras exigem que que esta seja oferecida em celebrações familiares ou às vezes em casamentos e funerais a todos os convidados, simplesmente por motivos familiares.

A maneira pela qual as pessoas simplesmente recebem o Santíssimo Sacramento na comunhão como algo rotineiro mostra que muitos o veem como um gesto puramente cerimonial. Portanto, quando você pensa sobre a ação que é necessária em primeiro lugar, é bastante óbvio que não precisamos de outra Igreja com um design próprio. Em vez disso, precisa-se, em primeiro lugar, alcançar a renovação da fé na realidade de que Jesus Cristo realmente nos é dado no Santíssimo Sacramento.

Em conversas com vítimas de pedofilia, fiquei muito consciente desse primeiro e fundamental requisito.

Uma jovem que tinha sido acólita me disse que o capelão, seu superior no culto do altar, sempre a introduzia ao abuso sexual com estas palavras: “Este é o meu corpo que será entregue por ti”.

É óbvio que esta mulher não pode mais ouvir as palavras da consagração sem experimentar novamente a terrível angústia do abuso. Sim, temos que implorar ao Senhor urgentemente pelo seu perdão, mas antes de tudo temos que jurar por Ele e pedir a Ele que nos ensine novamente a entender a grandeza de Seu sofrimento e Seu sacrifício. E nós temos que fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para proteger o dom da Santa Eucaristia do abuso.

(3) E finalmente, está o Mistério da Igreja. A frase com que Romano Guardini, há quase 100 anos, expressou a esperança alegre dele, e de tantos outros, permanece inesquecível: “Um evento de importância incalculável começou, a Igreja está despertando nas almas (do povo) “

Ele quis dizer que a igreja não foi experimentada ou vista simplesmente como um sistema externo que entrou em nossas vidas, como uma espécie de autoridade, mas tinha começado a ser percebido como presente nos corações das pessoas, não como algo meramente externo, mas que nos moveu internamente. Quase 50 anos depois, a repensar esse processo e ver o que vem acontecendo, estou tentado a reverter a frase: “A Igreja está morrendo nas almas (das pessoas).”

De fato, hoje a Igreja é amplamente vista apenas como um tipo de aparato político. Fala-se dela quase que exclusivamente em categorias políticas e isso se aplica até mesmo a bispos que formulam a sua concepção da Igreja do amanhã quase exclusivamente em termos políticos. A crise, causada por muitos casos de abuso de clérigos, nos faz olhar para a Igreja como algo quase inaceitável que nós temos que tomar em nossas mãos e redesenhar. Mas uma Igreja que se autoconstrói não pode constituir esperança alguma.

O próprio Jesus comparou a Igreja a uma rede de pesca na qual o próprio Deus separa os bons peixes dos maus. Há também uma parábola da Igreja como um campo onde o trigo cresce que o próprio Deus semeou com a erva daninha que “um inimigo” secretamente lançou. Na verdade, a erva daninha no campo de Deus, a Igreja, é agora demasiado visível e os maus peixes na rede também mostram sua força. No entanto, o campo ainda é o campo de Deus e a rede é a rede de Deus. E em todos os tempos não houve apenas má erva daninha ou peixes ruins, mas também as colheitas de Deus e a boa pesca. Proclamar ambos com ênfase e da mesma forma não só é uma falsa apologética, mas um serviço necessário à Verdade.

Neste contexto, é necessário se referir a um texto importante no Apocalipse de João. O diabo é identificado como o acusador que acusa nossos irmãos diante de Deus dia e noite. (Apocalipse 12:10). O Apocalipse, em seguida, leva um pensamento que está no centro da narrativa no livro de Jó (Jó 1 e 2, 10; 42: 7-16). Ali se diz que o diabo procurou mostrar que a retidão de vida de Jó perante Deus era meramente externa. E é exatamente isso que o Apocalipse tem a dizer: o diabo quer provar que não há pessoas corretas, que sua correção só se mostra externamente. Se alguém pudesse se aproximar, a aparência da justiça cairia rapidamente.

A narrativa começa com uma disputa entre Deus e o diabo, na qual Deus se referiu a Jó como um homem verdadeiramente justo. Agora ele será usado como um exemplo para provar quem está certo. O diabo pede que todas as suas posses sejam removidas para ver que nada resta de sua piedade. Deus permite que ele faça isso, depois do qual Jó age positivamente. Então o demônio pressiona e diz: “Pele por pele! Sim, tudo que o homem tem dará por sua vida. Agora, porém, estende a tua mão e toca o seu osso e a sua carne, e verás se não te amaldiçoa na tua face “(Jó 2,4f).

Então Deus dá ao demônio um segundo round. Ele também toca a pele de Jó e só lhe é negado matá-lo. Para os cristãos, é claro que este trabalho, que se coloca diante de Deus como um exemplo para toda a humanidade, é Jesus Cristo. No Apocalipse, o drama da humanidade nos é apresentado em toda a sua amplitude.

O Deus Criador é confrontado com o diabo que fala a toda a humanidade e a toda a criação. Ele fala não só a Deus, mas acima de tudo ao povo: Veja o que este Deus fez. Supostamente uma boa criação. Na realidade, Ele é cheio de miséria e desprazer. O desânimo da criação é, na realidade, o desprezo de Deus. Ele quer provar que o próprio Deus não é bom e afastar-nos dEle.

A oportunidade da que o Apocalipse nos está falando aqui é óbvia. Hoje, a acusação contra Deus é, acima de tudo, desprezo de Sua Igreja como algo maligno em sua totalidade e, portanto, nos desencoraja dela. A idéia de uma Igreja melhor, feita por nós mesmos, é na verdade uma proposta do diabo, com a qual ele quer nos afastar do Deus vivo usando uma lógica enganosa em que podemos facilmente cair. Não, ainda hoje a Igreja não é feita apenas de peixes ruins e ervas daninhas. A Igreja de Deus também existe hoje e hoje é o mesmo instrumento pelo qual Deus nos salva.

É muito importante opor com toda a verdade as mentiras e meias-verdades do diabo: sim, há pecado e mal na Igreja, mas ainda hoje há a Santa Igreja, que é indestrutível. Também hoje há muitas pessoas que humildemente acreditam, sofrem e amam, em quem o verdadeiro Deus, o Deus amoroso, se mostra a nós. Deus também tem Suas testemunhas (“mártires”) no mundo hoje. Nós apenas precisamos estar atentos para conseguir vê-los e ouvi-los.

A palavra mártir é tirada da lei processual. No julgamento contra o diabo, Jesus Cristo é o primeiro e verdadeiro testemunho de Deus, o primeiro mártir, que desde então tem sido seguido por inúmeros outros.

Hoje, a Igreja é mais do que nunca uma Igreja dos mártires e, portanto, um testemunho do Deus vivo. Se olharmos em volta e escutarmos com um coração atento, hoje poderemos encontrar testemunhas por toda parte, especialmente entre as pessoas comuns, mas também nas altas fileiras da Igreja, que defendem a Deus com suas vidas e seus sofrimentos. É uma inércia do coração que nos leva a não querer reconhecê-los. Uma das grandes e essenciais tarefas de nossa evangelização é, na medida do possível, estabelecer habitats de fé e, acima de tudo, encontrá-los e reconhecê-los.

Eu moro em uma casa, em uma pequena comunidade de pessoas que descobrem repetidamente esses testemunhos do Deus vivo na vida cotidiana, e que alegremente me dizem isso. Ver e encontrar a Igreja viva é uma tarefa maravilhosa que nos fortalece e que, uma e outra vez, nos faz felizes na nossa fé.

Ao final de minhas reflexões, gostaria de agradecer ao Papa Francisco por tudo que ele faz para nos mostrar-nos sempre a luz de Deus que, mesmo nos dias de hoje, não desapareceu.

Obrigado Santo Padre!

Bento XVI

Embora seja o alvo preferido da mídia, a Igreja é uma das instituições mais avançadas do mundo na luta contra os abusos sexuais. Essa Luta continua!

No recente encontro mundial com os bispos católicos no Vaticano para concretizar medidas de proteção aos menores na Igreja contra os predadores sexuais que agem dentro das suas próprias estruturas, o Papa Francisco mencionou uma lista de propostas a serem implementadas, as quais chamou de “pontos para reflexão”.

Trata-se dos 21 itens a seguir:

1. Desenvolver um guia passo-a-passo com as medidas efetivas a serem tomadas em cada momento-chave do surgimento de um caso.

2. Criar estruturas de escuta, com pessoas bem preparadas, para o primeiro discernimento de cada denúncia.

3. Definir os critérios para o envolvimento direto do bispo ou superior religioso.

4. Implementar procedimentos claros para examinar as denúncias, protegendo as vítimas e garantindo o direito de defesa dos acusados para evitar injustiças contra ambos os lados.

5. Avisar as autoridades civis e eclesiásticas conforme as normas civis e canônicas.

6. Revisar periodicamente os protocolos sobre a segurança dos ambientes para menores em todas as estruturas pastorais.

7. Estabelecer protocolos específicos para lidar com acusações contra bispos.

8. Prestar todo o acompanhamento às vítimas para a sua plena recuperação.

9. Garantir formação permanente de bispos, superiores religiosos, clérigos e agentes pastorais visando a plena conscientização sobre as causas e consequências do abuso sexual.

10. Implantar percursos de cura pastoral das comunidades que foram feridas pelos abusos, bem como de recuperação e penitência dos culpados.

11. Fortalecer a cooperação com as pessoas de boa vontade e os meios de comunicação para distinguir os verdadeiros dos falsos casos, combatendo as calúnias.

12. Elevar a idade mínima do casamento católico para 16 anos, tanto para rapazes quanto moças (até então eram 16 para eles, mas 14 para elas).

13. Facilitar e regular a participação de especialistas leigos nas investigações de abusos sexuais e de poder.

14. Salvaguardar o princípio da presunção de inocência até prova da culpa do acusado, preservando nomes durante a investigação preliminar.

15. Observar a proporcionalidade da punição com relação ao crime e deliberar que padres e bispos culpados de abuso sexual deixem de exercer o ministério publicamente.

16. Implantar programas de formação inicial e permanente para seminaristas e candidatos à vida religiosa, visando consolidar a sua maturidade humana, espiritual e psicossexual, bem como as suas relações interpessoais e o seu comportamento.

17. Realizar avaliação psicológica dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada por peritos qualificados e de credibilidade.

18. Traçar regras claras sobre transferências de seminaristas e aspirantes religiosos de um seminário para outro, bem como de padres e religiosos de uma diocese ou congregação para outra.

19. Delinear códigos de conduta obrigatórios para todo o clero, religiosos, colaboradores e voluntários, com normas claras sobre relacionamentos pessoais e determinação de requisitos de admissão, incluindo verificação de registo criminal.

20. Preparar documentação detalhada sobre os perigos do abuso e os seus efeitos, o reconhecimento de indícios e o procedimento de denúncia, em colaboração com pais, professores, profissionais e autoridades civis.

21. Instituir organizações de fácil acesso para vítimas que desejem denunciar quaisquer crimes, com autonomia inclusive perante a autoridade eclesiástica local, compostas por leigos e clérigos experientes, capazes de garantir a adequada atenção da Igreja a qualquer denunciante ou vítima.

Fonte: Aleteia

Em 1969, o então teólogo Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, escreveu em seu livro “Introdução ao Cristianismo” um pequeno capítulo sobre a Igreja, começando de uma forma que (sempre) parece bem atual:

“(…) Externemos o que hoje nos preocupa neste ponto. Se formos sinceros, seremos tentados a dizer que a Igreja não é nem santa, nem católica: o próprio Concílio Vaticano II venceu a relutância, falando não apenas da Igreja santa, mas também da Igreja pecadora; e se algo existe a lhe censurar, será, no máximo, o fato de ter-se conservado hesitante demais em suas declarações, tão forte é a impressão da pecaminosidade da Igreja na consciência de todos. Naturalmente pode haver aí alguma influência teológica luterana sobre o pecado e, com ela, a agir, uma hipótese gerada de influxo de decisões dogmáticas. Mas o que torna essa ‘dogmática’ tão penetrante é sua concordância com a nossa experiência. Os séculos da história da Igreja estão tão repletos de humano fracasso, que podemos compreender a horrível visão de Dante, ao descrever a prostituta babilônica sentada na carruagem da Igreja, parecendo-nos também plausíveis as terríveis palavras do bispo de Paris, Guillaume d’Auvergne (século XIII) o qual acreditava que qualquer pessoa que visse o embrutecimento da Igreja, deveria ficar tomado de horror: ‘Não é mais esposa, mas um monstro de medonho aspecto e selvageria’…”

Esta percepção está fundamentada não só em razões, mas também em corações que tinham altas expectativas e sofreram terrível decepção. E é deste ponto de partida, deste contraste entre aquilo em que se acredita pela fé e aquilo que se percebe na realidade, que surge a pergunta: “Por que, apesar de tudo, amamos a Igreja?”.

Igreja santa?

Dizer que a Igreja é santa não é afirmar que todos e cada um dos seus membros sejam santos, imaculados. Ratzinger afirma que o sonho de uma Igreja imaculada renasceu em todos os tempos, mas não tem lugar no Credo e que as críticas mais duras à Igreja provêm deste sonho irreal de uma Igreja imaculada.

“(…) A santidade da Igreja consiste naquela força de santificação que Deus exerce nela, apesar da pecaminosidade humana. Deparamos aqui com a precípua característica da ‘nova aliança’: em Cristo o próprio Deus amarrou-se aos homens, deixou-se atar por eles. A nova aliança não se baseia mais – no cumprimento de mútuas estipulações, mas é presente de Deus, como graça que subsiste também contra a infidelidade do homem. É expressão do amor de Deus que não se deixa vencer pela incapacidade do homem, mas, apesar de tudo, sempre volta a mostrar-se-lhe bondoso, a recebê-lo exatamente como pecador, a voltar-se para o homem, a santificá-lo, a amá-lo”.

Como o dom não depende do mérito dos crentes, a santidade que permanece na Igreja é a de Cristo, não a nossa.
Para Ratzinger, a paradoxal justaposição entre a santidade de Cristo e a infidelidade humana é a figura dramática da graça neste mundo, por cujo meio se torna visível o amor livre e incondicional de Deus, que, tanto ontem quanto hoje, se senta à mesma mesa com os pecadores.

O sonho de um mundo incontaminado

A ideia de que a Igreja não se mistura com o pecado é simplista e dualista: ela busca uma imagem ideal, não real. Ratzinger recorda que os contemporâneos de Cristo se escandalizavam porque Ele não era como um fogo que destruísse os pecadores. Ele se mostravam acessível aos pecadores que a Ele recorriam, ressaltando não a separação, mas a purificação; não a condenação, mas o amor redentor.

As questões que surgem desta maneira de ver as coisas são surpreendentes e cheias de esperança: a Igreja não é acaso a continuação dessa entrada de Deus no mundo da miséria humana? Não é a continuação da proximidade de Jesus que se senta à mesa com os pecadores? Não é a continuação do seu contato com os pecadores para chamá-los a outra vida? Não é uma mistura com a imundície do mundo para ajudar a purificá-lo? Acaso a Igreja pode ser outra coisa senão o amparar-se mutuamente, apoiados todos em Cristo?

Amparar-nos uns aos outros em Cristo, que carregou a nós todos

A santidade “quase imperceptível” da Igreja é consoladora: por acaso nos encorajaria mais uma santidade arrebatadora que não abraçasse a fragilidade humana para oferecer o perdão a quem se arrepende de coração? Se a Igreja fosse a comunidade só daqueles que merecem os prêmios pela perfeição, quem poderia permanecer nela?

Quem vive na consciência de que precisa do apoio dos outros não se recusará a prestar-lhes igualmente apoio.Este é o consolo que a comunidade cristã pode oferecer: amparar-nos uns aos outros como nós mesmos somos amparados.

O que realmente importa para os crentes

As visões reducionistas sobre a Igreja não levam em conta o que ela diz de si mesma nem o seu centro, que é Jesus Cristo.

“Os crentes autênticos não dão excessiva importância à luta pela reorganização de formas eclesiásticas. Vivem do que a Igreja sempre é. E querendo saber o que é a Igreja, basta dirigir-se a eles. Porquanto a Igreja geralmente está não onde se organiza, reforma, rege, mas nos que creem singelamente, recebendo dela a dádiva da fé, que se lhes torna fonte de vida. Só quem experimentou de que modo, por cima das vicissitudes dos seus ministros e das suas formas, a Igreja sustenta os homens, lhes dá pátria e esperança, uma pátria que é esperança: caminho para a vida eterna”.

Para Joseph Ratzinger, a Igreja vive na luta entre o pecado de seus membros e a santidade de Cristo que nela habita. Essa luta é frutífera quando por amor real e eficaz. Uma Igreja de portas fechadas destrói quem está dentro.

É ilusão acreditar que, deixando o mundo de fora, a Igreja pode torná-lo melhor. É ilusão acreditar numa “Igreja dos santos” quando o que existe é uma “Igreja santa”: santa porque é de Cristo, não porque nós sejamos santos.

Autor: Miguel Pastorinho

O previsto encontro de fevereiro sobre a proteção dos menores não parte do “ponto zero”, mas “certamente é um evento inédito que se propõe a dar um forte impulso para novos e urgentes passos adiante”.

São palavras do padre Federico Lombardi na última edição da revista Civiltà Cattolica em um longo artigo intitulado “Rumo ao encontro dos bispos sobre a proteção dos menores”. Às vezes, adverte o jesuíta, “continua-se a iludir que se trate de um problema principalmente ocidental, ou mesmo americano ou anglófono”, na realidade, “não se deve ignorar desta presença algumas vezes ainda latente a ponto de possibilitar uma futura e dramática erupção”. Por isso, adverte Padre Lombardi, “é preciso olhar a realidade de frente”.

Minimizar a questão dos abusos é caminho errado

Algumas vezes, escreve o jesuíta, “mesmo em ambientes da Igreja ouve-se que é hora de mudar de assunto, que não está certo dar muito peso a este tema, porque pode se tornar opressivo e a questão será engrandecida. Mas este é um caminho errado”. Se a questão “não for enfrentada com profundidade nos seus vários aspectos – prossegue – a Igreja continuará a se encontrar em crise continuamente”, a credibilidade dos sacerdotes ficará “ferida” e, principalmente, “serão prejudicadas a substância da sua missão de anúncio evangélico e o trabalho educativo para a infância e a juventude”.

O caso de Boston fez emergir a questão

Padre Lombardi repercorre a história da questão dos abusos na Igreja, recordando que a primeira grande crise ocorreu depois do ano 2000 nos Estados Unidos e foi enfrentada por São João Paulo II nos seus últimos anos de Pontificado. As “grandes lições” do que ocorreu na arquidiocese de Boston, escreve o jesuíta, são “bem claras, mesmo se foram entendidas e aceitas com dificuldade”. Primeiramente, “a seleção e a formação dos candidatos ao sacerdócio”, devem ser revistas “com cuidado e com rigor”. Assim como é “indefensável” o modo com o qual as autoridades eclesiásticas ocultaram a verdade para evitar escândalos, “negligenciando a gravidade do sofrimento das vítimas”. Também o papel da mídia requer uma resposta de transparência, enfim é necessária uma colaboração com as autoridades civis.

Com Bento XVI a renovação das normas canônicas

Já na parte final do pontificado de João Paulo II, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, comprometeu-se com particular força em enfrentar a questão. Um esforço que se amplificou quando o cardeal alemão foi eleito Papa. Bento XVI decreta uma série de novas “Normas para os delitos mais graves”, seguido em 2011 pela importante “Carta às Conferência Episcopais de todo o Mundo” para ajudar-lhe a preparar as “Diretrizes para o tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do clero”. Diretrizes que, escreve padre Lombardi, “tornam se assim o documento de referência necessário para a conversão e a renovação da comunidade eclesial a partir da dramática experiência dos abusos”. O compromisso pessoal que Bento XVI assumiu nesta dramática questão, “é evidenciado também pelos seus vários encontros com as vítimas durante suas viagens apostólicas pelo mundo”.

Francisco contra os abusos sexuais, de poder e de consciência

Francisco, destaca padre Lombardi, continua com decisão “o caminho traçado pelo seu Predecessor”. Ele também “se envolveu pessoalmente, encontrando vítimas de abusos sexuais”. Um ato importante, escreve o jesuíta, foi a constituição – poucos meses depois da sua eleição – da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores (dezembro de 2013), presidida pelo cardeal Sean O’Malley. Um organismo que obteve particularmente três resultados, segundo a revista dos jesuítas: o modelo oferecido pelas “Diretrizes”; os cursos de formação para os bispos recém nomeados; e a proposta de um Dia de Oração pelas vítimas de abusos.

Padre Lombardi destacou também a importância de dois documentos aprovados pelo Papa Francisco: o Rescrito de 2014 e o motu proprio de 2016 “Como uma mãe amorosa”. São dois documentos que reforçam a responsabilidade das autoridades eclesiásticas. Foi particularmente significativa a Carta ao Povo de Deus, de 20 de agosto deste ano. Francisco já “não fala somente de abusos sexuais”, mas também “de poder e de consciência”. E pede com força que, para enfrentar este escândalo, todos os fiéis sintam-se co-responsáveis pelo “caminho sinodal da Igreja” e que “toda forma de clericalismo seja decididamente combatida”.

Fonte: Vatican News

Ao pedido que chegou de várias partes logo após o caso do relatório do Grande Júri da Pensilvânia de um Sínodo extraordinário para abordar as questões relacionadas com a luta e a prevenção da pedofilia clerical, o Santo Padre, com o apoio do Conselho dos nove cardeais, ofereceu uma resposta diferente, talvez mais pertinente e eficaz, a saber, um encontro no Vaticano dos 112 presidentes das Conferências Episcopais dos cinco continentes.

A esses 112, deverão se somar outros presidentes de coordenações eclesiais regionais e sub-regionais (Celam, Amecea, Secam, CCEE etc.).

Obviamente, é muito cedo para falar sobre a modalidade e sobre o desenvolvimento do encontro, que será realizado entre a quinta-feira, 14, ao domingo, 21 de fevereiro de 2019. Ele certamente deverá durar três dias completos e deverá se encerrar com uma solene concelebração eucarística presidida pelo papa.

O número relativamente reduzido de participantes, se não forem acrescentados muitos especialistas de todos os tipos, deverá facilitar grandemente um resultado do mais alto nível, especialmente de natureza pastoral.

De fato, o desafio da pedofilia na Igreja é acima de tudo um desafio pastoral, do qual devem derivar, naturalmente, outras dimensões que, para serem eficazes e irreversíveis, devem ter as suas raízes bem plantadas, precisamente, na dimensão pastoral. Muitas questões ainda pendentes, tais como alguns aspectos disciplinares, processuais e normativos, deverão ser abordados a partir dessa perspectiva, a fim de garantir solidez, consistência e aplicabilidade, comprometendo em tudo as Conferências Episcopais, o bispo individual e a coordenação entre eles.

Isso significa que o encontro de fevereiro não deve ser transformado em um megacongresso espetacular e de grande atratividade midiática, em uma passarela para escutar palestras repetitivas e às vezes óbvias e banais. A pedofilia no clero já é uma realidade mais do que conhecida.

O desafio é outro: o que fazer e como fazer para que esse mal costume, “crime e pecado”, seja erradicado de uma vez por todas da vida da Igreja e, como sempre se disse com razão, o que fazer e como fazer para colocar as vítimas no centro.

O encontro também deverá servir para dar carne e corpo a uma ideia que já circula há algum tempo, que parece justa, mas nem sempre é compreensível: a participação dos leigos nesses compromissos, especialmente das mulheres.

Pode-se e deve-se chegar ao encontro caminhando por um caminho seguro, ou seja, a Carta do Papa Francisco ao Povo de Deus (20 de agosto de 2018), onde se lê:

“É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os integrantes do povo de Deus. E mais, cada vez que tentamos suplantar, calar, ignorar, reduzir a pequenas elites o Povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rosto, sem corpo, em última análise, sem vida. Isso se manifesta com clareza em uma maneira anômala de entender a autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades em que ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo, essa atitude que ‘não só anula a personalidade dos cristãos, mas também tem uma tendência de depreciar e desvalorizar a graça batismal que o Espírito Santo colocou nos corações da nossa gente. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma divisão no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que hoje denunciamos. Dizer não ao abuso significa dizer não energicamente a qualquer forma de clericalismo”.

Número de Conferências Episcopais por continente:

Oceania – 4
Ásia – 17
América – 24
África – 36
Europa – 31

Fonte:  Il Sismografo

 

 

A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade”, escreve o Papa Francisco, em carta ao Povo de Deus, referindo-se ao relatório que foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos”.

A carta do Papa Francisco, cujo original é em espanhol, publicada pela Sala de Imprensa do Vaticano.

A carta.

«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a proteção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.

1. Um membro sofre?

Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte; as feridas “nunca prescrevem”. A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade.

Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar. O cântico de Maria não se equivoca e continua a se sussurrar ao longo da história, porque o Senhor se lembra da promessa que fez a nossos pais: «dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 51-53), e sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz.

Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos. Faço minhas as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força: «Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência!… A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação).

2. Todos os outros membros sofrem com ele.

Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro – Papa Francisco

A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual «porque trata-se duma cegueira cômoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2 Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).

Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam à integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.

Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os olhos na mesma direção do olhar do Senhor. São João Paulo II assim o dizia: «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 49). Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor [1], que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o “nunca mais” a qualquer tipo e forma de abuso.

É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas [2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo, aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração do nosso povo» [3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.

É sempre bom lembrar que o Senhor, «na história da salvação, salvou um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 6). Portanto, a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação ativa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista. A dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á, como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos, como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e, assim, podermos elaborar ações que criem dinâmicas em sintonia com o Evangelho. Porque «sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 11).

É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada.

Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças, jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência.

Desta forma, poderemos tornar transparente a vocação para a qual fomos chamados a ser «um sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano» (Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1).

Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (S. Inácio de Loiola, Exercícios Espirituais), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja – Papa Francisco

«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele», disse-nos São Paulo. Através da atitude de oração e penitência, poderemos entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação. Maria soube estar ao pé da cruz de seu Filho. Não o fez de uma maneira qualquer, mas permaneceu firme de pé e ao seu lado. Com essa postura, Ela manifesta o seu modo de estar na vida. Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (cf. S. Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 319), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja. Ela, a primeira discípula, nos ensina a todos os discípulos como somos convidados a enfrentar o sofrimento do inocente, sem evasões ou pusilanimidade. Olhar para Maria é aprender a descobrir onde e como o discípulo de Cristo deve estar.

Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem.

Cidade do Vaticano, 20 de Agosto de 2018.

FRANCISCO

Durante um TEDx*  Talk, Mirjam Heine, ( Psicóloga e estudante de medicina) da Universidade de Würzburg, Alemanha, afirmou que “a pedofilia é uma orientação sexual natural, assim como a heterossexualidade”.

“De acordo com pesquisas atuais, a pedofilia é uma orientação sexual imutável”, argumentou Heine. “Assim como, por exemplo, a heterossexualidade. Ninguém escolhe ser pedófilo. Ninguém pode deixar de ser um.

“A diferença entre a pedofilia e outras orientações sexuais é que viver essa orientação sexual terminará em um desastre … É nossa responsabilidade superar nossos sentimentos negativos em relação aos pedófilos. E tratá-los com o mesmo respeito que tratamos as outras pessoas.

“Devemos aceitar que os pedófilos são pessoas que não escolheram sua sexualidade … Devemos aceitar que a pedofilia é uma preferência sexual, um pensamento, um sentimento e não um ato. Devemos diferenciar entre abuso sexual infantil e pedofilia. Não devemos aumentar o sofrimento dos pedófilos excluindo-os, culpando-os e ridicularizando-os ”.

  • Sob o lema “ideias que merecem ser espalhadas”, o TEDx é um programa de eventos locais, auto-organizados, que reúne pessoas para compartilhar ideias e conectar pessoas.

Confira abaixo

A Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (EUA), hospeda um site que incentiva os pais permitirem que crianças de até quatro anos se envolvam em brincadeiras sexuais, afirmando que é “perfeitamente normal”, e que os cuidadores devem responder “positivamente” a tal comportamento.

O site SexInfo Online é mantido pelo departamento de sociologia da instituição e por estudantes “que estudaram tópicos avançados em sexualidade humana”, segundo a plataforma.

O site apresenta um número significativo de subseções e artigos relacionados à sexualidade humana. Um deles, “Sexualidade Infantil” , discute tópicos como “masturbação infantil”, “brincadeiras sexuais” e “reações” apropriadas a esses comportamentos pelos pais.

O site afirma que, para crianças pequenas, a autoestimulação sexual são “completamente normais”, encorajando os pais a permitirem tal comportamento.

Sobre o tema da “brincadeira sexual” entre crianças pequenas, os autores afirmam que é mais comum “entre as idades de quatro e sete anos” e que são “geralmente inofensivas”.

“As crianças podem demonstrar afeto a seus amigos, abraçando-se e beijando-se, ou tocando os genitais um do outro, o que é perfeitamente normal. Os pais não devem reagir de maneira negativa porque as crianças estão apenas explorando”, afirma o site.

“Se uma criança está realizando essas atividades excessivamente ou em público, os pais devem sentar e conversar com eles sobre como essas atividades devem ser feitas em particular, ao invés de tentar frustrar completamente a atividade”, acrescentam os autores.

Além disso, em relação à masturbação, as crianças “não devem aprender que a auto-exploração é suja ou ruim, mas que a masturbação é um assunto privado e não deve ser realizada em público”, afirma o site.

Em outro artigo intitulado “ Conversando com seus filhos sobre sexo”, o site sugere que os pais devem permitir que seus filhos assistam à pornografia.

“É importante que as crianças entendam que ver pornografia é um hábito normal e que elas não precisam se envergonhar disso”, afirma o guia.

O site não aconselha os pais a impedir que seus filhos assistam a pornografia; em vez disso, afirma que os pais devem dizer às crianças que o material pornográfico pode criar “expectativas sobre o sexo que não são realistas”.

Comentário:

O leitor desinformado acerca do ativismo sexual em curso no mundo, especialmente envolvendo o movimento pedófilo, certamente pensará que o site em questão está apenas ressaltando o comportamento exploratório das crianças no tocante à sexualidade. Puro engano.

Há um componente sexual na exploração das crianças envolvendo o próprio corpo. Esse componente é natural. Se tocar, de fato, faz parte do autoconhecimento, e quando isso envolve o prazer físico através das genitália, tem a ver com a “pulsão” da qual Sigmund Freud se refere ao falar de sexualidade infantil.

Entretanto, essa exploração não é “terra de ninguém” e também não deve ser deixada à revelia. Há uma diferença muito grande em compreender o comportamento e incentivá-lo, especialmente porque para a criança tal exploração não possui o mesmo significado sexual que nós adultos lhe atribuímos. É ai onde está o “X” da questão, que é a orientação dos pais.

A criança precisa conhecer limites, inclusive acerca da própria sexualidade. Isso não é um capricho ou uma função meramente repressora, mas uma – necessidade – vital para o seu desenvolvimento psicossexual, porque é através dos pais, que são seus modelos, que ela deve enxergar a si mesma e formar a sua identidade.

Está claro pela descrição do site, por exemplo, ao incentivar a exploração “em particular” da sexualidade (sugerindo também a participação de outros) consigo mesmo e principalmente da pornografia, que a intenção não tem relação alguma com a compreensão natural do comportamento sexual infantil, mas sim com o incentivo à erotização precoce.

O que está por trás disso é a intenção de se admitir a possibilidade de práticas sexuais entre adultos e crianças. Se trata de pedofilia!

Para que a pedofilia seja aceita como “normal”, primeiro é necessário fazer parecer que crianças possuem necessidades sexuais iguais às do adulto. Tal conceito é uma distorção da doutrina psicanalítica sobre sexualidade infantil, que não tem a ver com sexo, propriamente, mas sim com “pulsão” para a vida.

A insinuação de que crianças podem se explorar sexualmente no “particular” e também serem expostas a conteúdos pornográficos são formas de se adequar o comportamento infantil aos abusos sexuais praticados por adultos, manipulando crianças em função do que elas, naturalmente, não desejariam fazer.

Definitivamente, expor crianças à pornografia é abuso sexual psicológico, uma agressão e violação da sua inocência, capaz de deixar nelas sequelas emocionais profundas para o resto de suas vidas. Incentivar a exploração sexual nelas mesmas (que é diferente do auto conhecimento) e principalmente em outras pessoas, também.

Portanto, não aceite como normal o que alguns acadêmicos dizem ser “natural”. Eles não estão preocupados com o desenvolvimento sadio das crianças, mas com o interesse de moldar a sociedade de acordo com seus interesses.

Via Opinião Critica
Comentário: Will R. Filho

Nossas Crianças, por Alexandre Garcia  (Jornalista da Globo)

O volante Gabriel, do Corinthians, foi suspenso por dois jogos por causa de gesto obceno feito para a torcida do São Paulo. Ele pusera a mão sobre a parte da frente do calção, entre as pernas. Fico me perguntando se seria arte, na mesma cidade, quando aquela mãe induziu a filhinha a tocar num homem nu, deitado no chão. Em Jundiaí, a alguns quilômetros dali, um pai de 24 anos foi preso por estar fumando maconha no carro de vidros fechados, com seu bebê de uma semana deitado ao lado. Fico me perguntando porque estava aberta para crianças uma exposição em Porto Alegre que mostra um negro com o pênis de um branco na boca, enquanto outro branco o assedia por trás. A mesma exposição tem uma ovelha sendo violentada por duas pessoas, enquanto uma mulher pratica sexo com um cachorro. Não entendi porque isso estava num museu, aberto a crianças, e não numa casa noturna de shows de esquisitices sexuais e restrito a adultos.

Tampouco entendi a performance de um homem nu que esfrega num ralador uma imagem de Nossa Senhora. Em São Paulo, alguém que pensa que somos idiotas explicou que o homem nu é arte interativa com o corpo humano. Ora, arte com o corpo humano é o que a gente vê, e aplaude, no Cirque du Soleil. E a Veja, de que sou assinante, deve pensar que abandono meus neurônios ao abrir a revista. Comparou as garatujas da exposição de Porto Alegre a Leda e o Cisne, de Leonardo. Como piada, eu poderia acrescentar, no mesmo tom, que deveriam convidar o tarado ejaculador em ônibus para mandar uma foto a ser exposta entre as semelhantes manifestações de “arte”. As pinturas murais artesanais eróticas em Pompéia, têm um significado histórico que o mau-gosto do tal museu não tem.

Tudo bem, eu não gosto mas há milhões de gostam. Respeito. Só não aprovo, como cidadão, que abram as portas para as crianças se chocarem com essas agressões. Que limitem a adultos. Aprendi que arte é beleza, tem padrão estético, tem perfeição técnica, dá prazer intelectual. Há quem pense que arte é escatologia, agressão, garatujas ou até uma tela pintada de branco. Como disse Affonso Romano de Sant’Anna: “arte não é qualquer coisa que qualquer um diga que é arte, nem é crítico qualquer um que escreva sobre arte”.

No Peru, o povo encheu as ruas de Lima para exigir a retirada de doutrinação de crianças em assuntos sexuais no ensino público. E ganhou. Nas ruas, defenderam que as crianças são educadas pelos pais e parentes. No Senado brasileiro, excelentes senadores, como Ana Amélia (RS) e Magno Malta(ES) estão convocando os responsáveis por tais exposições a explicarem em CPI onde não estão agredindo o Estatuto da Criança e do Adolescente e qual o objetivo de envolverem crianças nos seus estranhos experimentos.

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Despertou uma grande repercussão o anúncio da renúncia de Marie Collins, vítima de abusos, da Comissão para a Proteção dos Menores instituída pelo Papa Francisco. Uma decisão que não abranda a luta contra o flagelo da pedofilia na Igreja. Essa é a convicção do padre Hans Zollner, membro da mesma Comissão e presidente do Centro para a Proteção dos Menores da Universidade Gregoriana.

“Marie Collins tinha me avisado da sua consideração de deixar a Comissão há cerca de quatro semanas. Certamente, estou muito descontente. É triste que ela tenha sentido a necessidade de sair. Na minha opinião, foi por causa do acúmulo de tantas frustrações que – eu conheço muito bem – uma vítima de abuso deve sentir, porque não vê aquela velocidade, aquela consistência da resposta, como ela disse, por parte de alguns escritórios da Santa Sé.”

O senhor recebeu reações por parte de vítimas dos abusos diante dessa decisão de Marie Collins?

Isso me desagrada muito, porque, obviamente, muitas das vítimas de abuso estão muito tristes, expressaram uma grande decepção, mas também entenderam que a situação é muito complexa, porque não falamos de uma instituição que reage na mesma velocidade em todos os escritórios. A própria Marie confirmou que colaboraremos também no futuro, como já fizemos no ano passado na formação de membros da própria Cúria. Como ela disse em uma das entrevistas, o balanço – são palavras dela – é positivo sobre o seu trabalho na Comissão, que continuará, e devemos nos comprometer com uma mudança de mentalidade. Aqui, falamos de uma mudança de cultura que não é feita instantaneamente, porque é preciso muita paciência, mas eu entendo que a sua paciência acabou. Sigamos em frente. Estou muito confiante de que podemos ser mais incisivos, porque eu acho que a mensagem que ela queria dar foi enviada.

Com a renúncia de Marie Collins, há um risco de que se enfraqueça o trabalho, a credibilidade em nível de opinião pública por parte da Comissão?

Certamente, o risco existe. A voz das vítimas não é representada por pessoas identificadas como vítimas, mas isso não significa que a voz das vítimas não esteja presente ou representada, porque todos nós, o cardeal O’Malley em primeiro lugar, encontramos centenas de vítimas de abuso. A voz das vítimas estará presente, e estou certo de que, mesmo com ou talvez por causa da ausência de Marie, estaremos ainda mais atentos para considerar aquilo que pensam, sentem, percebem as vítimas tanto com respeito ao trabalho da Comissão, quanto com aquela que é a tarefa da Comissão, transmitir ao Santo Padre recomendações precisas.

Essa situação ocorre quando estamos perto do quarto aniversário da eleição do Papa Francisco. Como o senhor dizia, a velocidade do processo talvez seja menor do que se podia esperar, mas é possível dizer que a luta contra a pedofilia na Igreja foi reforçada nos últimos anos?

Certamente sim. Eu posso testemunhar isso a partir das minhas visitas aos cinco continentes, a mais de 40 países. Em duas semanas, eu estarei na África do Sul e no Malawi. São países onde, até pouco tempos atrás, esse tema era tabu! Estamos fazendo muitas outras coisas: em maio, iremos para Bangkok para a Federação de todas as Conferências Episcopais da Ásia. É uma mudança em termos de desenvolvimento bastante rápido, conhecendo a Igreja, quer é a maior e a mais antiga instituição do mundo. Infelizmente, não tão veloz como todos nós gostaríamos, mas um órgão de 1,3 bilhão de membros não se move de um dia para o outro, quando falamos de mudança de atitudes, especialmente como a própria Marie Collins diz em uma das entrevistas concedidas, e que eu li há pouco tempo. Isso não acontece da noite para o dia.

Geralmente, reconhece-se ao Papa Francisco, até mesmo por parte de meios de comunicação nada próximos da Igreja, um forte compromisso contra essa chaga da pedofilia. Ultimamente, porém, alguns meios de comunicação criticaram o papa por não ser suficientemente severo com os sacerdotes que abusaram de menores. O que o senhor acha?

Em uma das notícias, foi apresentado um caso que, depois, foi extrapolado como se fosse uma mudança geral de atitude do papa para com aqueles que cometeram abusos. Isso não só não é verdade, quanto é exatamente o contrário! A principal linha daquela notícia sugere que há uma diluição da severidade… Não, o papa também disse isso há duas semanas no prefácio que escreveu para o livro de uma das vítimas [Daniel Pittet]. Ele diz claramente qual é e continua sendo a sua posição.

A reportagem é de Alessandro Gisotti, publicada no sítio da Radio Vaticana, 02-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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Mentes pequenas discutem pessoas enquanto grandes mentes debatem idéias. Trata-se de um lugar comum; mas todo lugar comum encerra importantes verdades. As pessoas passam e seu horizonte de atuação é muito restrito; as idéias permanecem, transcendem os homens e modificam o mundo. Discutir pessoas, destarte, é mesquinho, é pequeno, é insignificante. Quem detém pretensões um pouco mais ambiciosas precisa voltar-se para as idéias que levam as pessoas a agirem de tal ou qual maneira.

As idéias, contudo, para produzirem os seus efeitos no mundo, precisam de tempo. Raras vezes os primeiros propagadores de uma nova ideia verão todas as consequências de sua disseminação. Talvez não fosse claro, por exemplo, aos adeptos entusiasmados da revolução sexual da década de 60 que, poucos anos depois, crianças de 12 anos estariam fazendo filmes pornográficos. Por esses dias eu ouvia uma professora comentar que os anos 80 foram estranhos — eu já o comentei aqui. De fato foram tempos sinistros aqueles; considerá-los imprevisíveis, contudo, parece-me excessiva ingenuidade. O abuso sexual infantil é uma lástima sob quaisquer aspectos deplorável. Creditá-lo à Igreja Católica, no entanto, é de uma hipocrisia avassaladora . Ora, não é possível esquecer — para ficar só no exemplo talvez mais paradigmático — que, há bem pouco tempo, a sexualidade infantil mereceu o apoio entusiasmado e aberto do cinema nacional (veja foto abaixo); e de uma maneira tão constrangedora que a protagonista do filme, posteriormente, empregou sem sucesso a sua fortuna para tentar removê-lo de circulação.

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Não se diga que foi apenas uma excentricidade isolada da época: hoje mesmo, em pleno terceiro milênio, não falta quem chame de “cultura” o funk que estimula o estupro de meninas. Ora, as idéias têm consequências, por mais que o ignorem os seus propagadores. Nos dias de hoje parece haver um certo consenso de que o abuso sexual de crianças é uma coisa condenável. No entanto, somente a Igreja Católica o tem consistentemente condenado com a devida coerência! Ninguém faz mais que a Igreja contra a pedofilia. Recentemente se noticiaram novas medidas tomadas pela Santa Sé para facilitar a responsabilização de bispos que forem lenientes em casos de abusos infantis. Fui procurar; o documento que o Papa Francisco promulgou no último 4 de junho chama-se Come una madre amorevole— assim, em italiano mesmo, fugindo ao latim com que se costuma dar título aos documentos pontifícios. A Mãe Amorosa revela-se aqui implacável logo no primeiro artigo: os bispos podem ser legitimamente removidos de suas dioceses se a sua negligência provocar ou não impedir que seja provocado um grave dano a alguém.

Parágrafo primeiro: este dano pode ser físico, moral, espiritual ou patrimonial.

Parágrafo segundo: o bispo pode ser removido ainda que sua negligência não constitua culpa pessoal grave.

Parágrafo terceiro: em casos de abusos sexuais, basta que a indiligência seja grave (em oposição à molto grave do parágrafo antecedente).

Fico pensando em que hipótese um bispo pode ser negligente em matéria de abuso infantil e, ao mesmo tempo, não ser moralmente réu de culpa grave. Porque é evidente que a negligência pode configurar pecado mortal — e, para afastá-lo, é preciso que o agente ou não tenha visto com clareza a dimensão do problema, ou não dispusesse de plenas condições para o evitar. Em uma palavra: a negligência só não implica em pecado mortal se ela não for exigível. Mas, ora, se a atitude que se omitiu não era exigível, é ainda possível dizer que subsiste a própria negligência? Afinal, ser negligente é precisamente deixar de fazer algo que devia ser feito. Se devia ser feito, como é possível que não importe em culpa pessoal? Se não devia, como se pode falar ainda em negligência?

Penso que a novidade do documento reside precisamente nesta possibilidade de responsabilizar pessoas sobre as quais não é possível formar com segurança um juízo moral negativo. Fui olhar o Sacramentorum Sanctitatis Tutelae, nele, não encontrei semelhante previsão; a Graviora Delicta — que afirma ser «Congregationi pro Doctrina Fidei reservata» , entre outros, o «delictum contra sextum Decalogi praeceptum cum minore infra aetatem duodeviginti annorum a clerico commissum» — tampouco a traz. Não me recordo de a ter já visto em algum lugar — e, no entanto, ei-la reluzindo no frontispício da Madre Amorevole do Papa Francisco!

No Direito Penal secular isso provavelmente seria considerado responsabilidade objetiva — a possibilidade de se punir pessoas sem que lhes esteja caracterizado o dolo ou a culpa — e os doutrinadores contemporâneos, ciosos das garantias individuais contra a hipertrofia punitiva estatal, esmerar-se-iam por pintá-la aos olhos de todos como uma excrescência odiosa, não sossegando enquanto não a lograssem proscrever do Ordenamento Jurídico. No entanto, a justiça de Deus não deve prestar contas à justiça dos homens e, se é verdade que Leviathan não pode aplicar uma pena sem um fato típico, antijurídico e culpável, a Esposa de Cristo pode, sim, prescindir dessa culpabilidade na hora de desferir os golpes necessários à proteção dos Seus filhos.

É evidente que pode. Mais até: deve. Em se tratando de uma matéria grave como o abuso sexual de menores, mais do que estabelecer a culpa dos responsáveis importa fazer cessar o abuso e tomar medidas para que ele não se repita. Se determinado bispo não foi capaz de impedir a lepra da pedofilia de apodrecer parte do seu clero, é evidente que este bispo precisa ser substituído independente de sua culpa própria na propagação da epidemia — porque o papel do bispo é proteger os fiéis a ele confiados, e este dever é grave demais para que alguém possa eximir-se dele simplesmente dizendo “não consigo”. Ora, uma pessoa pode, perfeitamente, ser pessoalmente incapaz de enfrentar pervertidos sem que isso lhe acarrete culpa particular alguma. No entanto, tal pessoa não pode ser bispo católico. Não pode, porque de um bispo se exige mais do que de um católico comum. É bom que seja assim. Não pode não ser assim.

O abuso sexual de crianças é uma coisa terrível; nossa sociedade doente, no entanto, encontra e sempre encontrou mil modos de condescender com essa mácula! Lembremo-nos, o cinema brasileiro já filmou Amor Estranho Amor. Os nossos programas de auditório infantis já estiveram repletos de mulheres seminuas. As músicas cantadas ainda hoje por nossas crianças e adolescentes incentivam o sexo mais animalesco. O STF já há alguns anos flexibilizou a presunção de violência no estupro de vulnerável. O MEC há muito propõe aulas de educação sexual para crianças e jovens. Somente a Igreja é de uma intolerância obstinada, medieval, contra o sexo infantil. Somente a Igreja afirma, sozinha, que o sexo é sagrado e que o seu lugar é dentro do Matrimônio com vistas à formação de uma família. Somente a Igreja prega, sozinha, que é preciso fugir do pecado e das ocasiões de pecado, e que é preciso mortificar os sentidos, e que a pornografia é pecado grave, e que certas modas imodestas muito ofendem a Nosso Senhor. Somente a Igreja ensina, sozinha, que o consentimento mútuo não elide o pecado contra a castidade, e que as depravações sexuais exaltadas pelo mundo moderno não deixam de ser depravações quando são consentidas. E, agora, somente a Igreja, sozinha, determina punição independente de culpa para quem não faz cessar os abusos sexuais sofridos por menores que de algum modo estavam sob sua responsabilidade.A pedofilia é uma desgraça que cresce assustadoramente no mundo sob o impulso das concepções modernas a respeito do sexo. E somente a Igreja a combate com a coerência exigida. Somente à luz d’Ela este mal poderá ser vencido. Apenas esta Mãe Amorosa é capaz de proteger verdadeiramente os pequenos e indefesos.

Fonte Original http://www.deuslovult.org/

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Há mentiras que são ditas usando a verdade como instrumento. Os que usam a verdade para conduzir à mentira são mais criminosos do que os que usam a mentira como instrumento de trabalho. A verdade não se rende à mentira; ela é conduzida até certo ponto, onde fica ancorada, mas a exploração da mentira fica a cargo dos aventureiros.

A revista Veja trouxe na capa desta semana um caso de pedofilia cometido por um padre em Goiás. Conta a reportagem que Fabiano Santos Gonzaga, 28 anos, abusou de um adolescente de 15 anos numa sauna de um clube. O garoto tem retardo mental e  sua compreensão do mundo é próxima à de uma criança de 9 anos de idade. Segundo a denúncia, o padre, ao ficar sozinho com o menino, obrigou-o a fazer sexo. Ao que consta, sem entender bem a gravidade do ocorrido, o menino pediu à mãe para lavar a boca e justificou o motivo. A mãe foi atrás do abusador e descobriu posteriormente que, embora vestido de “civil”, ele era, na verdade, um padre católico. O padre nega que o fato tenha ocorrido, mas, como o seu celular foi apreendido,  já se sabe que ele não vivia a castidade e mantinha relações homossexuais.

É um caso escandaloso! Como o Fides Press me dá liberdade para dizer o que desejo, então vamos ver não somente os fatos, mas os bastidores da notícia. Pois bem: dessa notícia resumida acima, a revista Veja cria uma capa em letras garrafais: “Pedofilia na Igreja”. Acompanha o título a imagem de um falso padre, vestido de batina, segurando um terço e tapando a boca de uma criança assustada.

Ora, ora, pois, pois. Nesta capa, a revista Veja deu uma aula de vigarice. Nunca se devem usar termos genéricos em casos específicos, nem se associarem instituições a delitos de membros quando estes agem por orientação própria. O que se pretende com isso? É evidente que atacar um padre específico seria trabalho de amador. O que a grande imprensa deseja é atacar a Igreja, afugentar novas vocações e afastar dela as crianças. A Veja, mesmo tendo a foto do acusado, não pôde fazer seu terrorismo plenamente porque lhe faltava uma batina e um terço nas mãos. Coube à edição da revista fazer a montagem criminosa. Não era mais o padre Fabiano, mas sim a Igreja católica. Notou o truque? Definitivamente, não estou preparado para um mundo onde não existe culpa individual e sim pecados sociais.

O famosíssimo sociólogo italiano Massimo Introvigne analisou, em 2010, o panorama da pedofilia na Igreja visto a partir da imprensa. A conclusão dele é que se trata de um caso de pânico moral. Segundo Introvigne, o objetivo da imprensa é usar de uma famosa técnica de repetição discreta. A insistência em palavras-chaves leva o grande público a aderir a uma tese mesmo sem ter razões para isso. O público é induzido a crer que se trata de algo de tal obviedade que só pode ser visto como autoprovante. “Sempre vejo padre pedófilo na TV. Eureca: o clero é todo pedófilo”. Bocejando o seu clichê, o povo guiado pela grande mídia não poderá mais desassociar a Igreja da pedofilia.  Aqueles que ousarem analisar o problema serão taxados de “religiosos fanáticos”. Na prática, o problema material desaparece e começa uma discussão que previamente esvaziou o significado da palavra que deveria estar ao centro da questão: “pedofilia”. Por mais que se insista, o problema não vai ser posto na devida métrica.  Jamais será justificado o salto olímpico entre um sacerdote delinquente e um clero indecente. Sim, existem padres pedófilos. Mas quantos são? Pouco importa. Essa análise é típica de fiéis fanáticos, dizem.

Introvigne mostrou que, num período de várias décadas, cem (100) padres foram denunciados e condenados na Itália, enquanto 6 mil professores de Educação Física sofriam condenação pelo mesmo delito. Na Alemanha, desde 1995, existiram 210 mil denúncias de abusos. Dessas 210 mil, 300 estavam ligadas ao clero, ou seja, menos de 0,2%. Por que só nos ocupamos das 300 denúncias contra a Igreja? Sim, um caso que fosse seria um absurdo, mas negar a proporção dos fatos é render-se à mentira. Não, não desejo justificar nenhum crime. Padres que se envolveram em pedofilia devem ser imediatamente expulsos do clero e presos. A Igreja tem hoje mais de 400 mil padres no mundo.

Alguém poderia contra-argumentar que o importante é saber que existe o crime, não quantos são. Por que não? Ora, qual instituição não tem pedofilia? Definitivamente é uma vergonha que exista um membro da Igreja envolvido nisso, mas negar as devidas proporções dos crimes é lógica de psicopata.

Neste vendaval, alguém perguntará: “Até quando a Igreja manterá o celibato sacerdotal?”. Respondo com uma indagação: por que um homem que se abstém do sexo começaria a sentir atração por crianças? Enquanto não obtiver uma resposta, continuarei defensor do celibato. Mas, como perguntar não ofende, gostaria de indagar à editora Abril, dona da revista Veja, se a erotização das crianças ou o bombardeio sexual em revistas como Nova Escola pode gerar algum tipo de fomento da pedofilia. Quer brincar de apontar a promoção da pedofilia, dona Abril? Vamos brincar!

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Para bater na Igreja, qualquer instrumento serve. No Brasil, a CPI da Pedofilia, por exemplo, considerou como prova de crime de pedofilia um vídeo em que o monsenhor Luis Marques Barbosa, falecido em 2014, mantinha uma relação homossexual com uma “criança” de 20 anos (sic). Claro que é contestável. Afinal, quem estava sendo abusado? O “bebê” de 20 anos ou o monsenhor de 83? “Ah, mas ele deveria seguir o celibato”, retruca um espertão. É evidente! Mas não venha chamar de pedofilia o que não é.

Na verdade, temos uma imagem associada a esta palavra que ajuda a destruir os fatos concretos que deveriam ser analisados. A palavra “pedofilia” traz a imagem de uma pobre criança sem ter o que fazer enquanto um adulto, que detém todos os meios de ação, a obriga a manter relações sexuais. Neste caso poderíamos dizer isso? Acho que não.

Enquanto qualquer argumento for válido para atacar a honra da Igreja, não haverá discussão séria.

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Renato Aquino, em Fides Press

Bispos - foto de costas

A Sala de Imprensa do Vaticano publicou nota sobre o Motu Proprio que decreta a remoção do cargo dos bispos que ocultem casos de abusos sexuais (explicada embaixo, em preto)

O Papa Francisco divulgou novas orientações legislativas que preveem a remoção do cargo de bispos que sejam considerados negligentes na gestão de casos de abusos sexuais de menores e adultos vulneráveis.

Os responsáveis por dioceses católicas dos vários ritos podem ser “legitimamente” removidos do seu encargo, caso se determine que tenham “por negligência, realizado ou omitido atos que tenham provocado dano grave a outros”, tanto a pessoas como à comunidade.

O Motu Proprio (documento legislativo de iniciativa pessoal do pontífice), intitulado ‘Como uma mãe amorosa’, sublinha que “a missão de proteção e do cuidado” diz respeito à toda Igreja, mas envolve em particular os bispos.

“O bispo diocesano ou o eparca pode ser removido apenas quando tenha objetivamente falhado de maneira grave à diligência que lhe é pedida pelo seu ofício pastoral, ainda que sem grave culpa moral da sua parte”, precisa.

No caso de abusos sobre menores ou adultos vulneráveis “é suficiente que a falta de diligência seja grave”.

“O dano pode ser equilíbrio físico, moral ou espiritual”, especifica o documento assinado por Francisco.

O Papa sublinha que “empregar uma particular diligência” em proteger aqueles que são “os mais vulneráveis entre as pessoas a eles confiadas” é dever dos bispos diocesanos e dos superiores maiores de Institutos Religiosos e das Sociedades de Vida Apostólica de Direito Pontifício.

Francisco indica também que quando os indícios são “sérios” a autoridade competente da Cúria Romana pode começar “uma investigação” e informar a pessoa que tem a oportunidade de defesa “com os meios previstos pela lei”, através de depoimentos e documentos.

Após essa apresentação, o organismo da Santa Sé pode “decidir” fazer “uma investigação suplementar” mais aprofundada.

O artigo seguinte explica que, antes de decidir, a Congregação competente deve reunir-se, se necessário, com outros bispos da Conferência Episcopal à qual o investigado faz parte.

Francisco indica que se o organismo Cúria Romana considerar que o bispo em causa deve ser afastado há duas possibilidades: através de “decreto de destituição, no menor tempo possível” ou fraternalmente convidar o prelado a “apresentar a renúncia num período de 15 dias”, após o qual se pode “emitir um decreto de destituição”.

O quinto e último artigo estabelece que a decisão final deve ser apresentada “à aprovação específica” do Papa antes da “decisão definitiva” é assistido por um “colégio de juristas”.

Francisco recorda que o Direito Canônico já prevê “a possibilidade da remoção do ofício eclesiástico por ‘causas graves’” e com o Motu Proprio ‘Como uma mãe amorosa’ quer “precisar” que nessas causas está incluída “a negligência dos bispos” relativas “aos casos de abusos sexuais contra menores e adultos vulneráveis”, como já era previsto pelo Motu Proprio do Papa São João Paulo II ‘Sacramentorum Sanctitatis Tutela’, que foi atualizado por Bento XVI.

A Carta apostólica insiste sobre a importância do cuidado vigilante da proteção dos menores e dos adultos vulneráveis, exigindo uma “diligência particular”.

Assim, precisa que entre as “causas graves” que justificam a remoção dos Cargos eclesiásticos, também dos Bispos, é a negligência no que diz respeito aos casos de abusos sexuais cometidos contra menores ou adultos vulneráveis.

Trata-se de uma Lei que estabelece um Procedimento a ser seguido pela atuação do Cânone já presente no CIC e CCEO (193§1 CIC, 975§1 CCEO).

Não se trata de um procedimento penal, porque não se trata de um “delito” realizado, mas de casos de “negligência” por parte dos Bispos ou Superiores religiosos.

A “instrutória” dos casos de negligência cabe às Congregações competentes, que são 4:

– Bispos
– Evangelização dos Povos
– Igrejas Orientais
– Institutos de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica

A Congregação para a Doutrina da Fé não é chamada em causa porque não se trata de delitos de abuso, mas de negligência no ofício.

Junto às Congregações já existem os  Escritórios disciplinares ou análogos.

Chama a atenção dois pontos:

– A falta de diligência pode existir também “sem grave culpa moral” por parte do Bispo (artigo 1§2).

– Para a remoção, no caso dos abusos de menores “é suficiente que a falta de diligência seja grave” (artigo 1§3), enquanto nos outros casos se requer falta de diligência “muito grave” (artigo 1§2).

Tratando-se de decisões importantes sobre Bispos, a aprovação específica depende do Santo Padre.

Nova é a constituição de um “Colégio de juristas” que assessorará  o Santo Padre antes que tome uma decisão definitiva. Se pode prever que tal Colégio seja constituído por Cardeais e Bispos.

Nota: Tratando-se de uma normativa sobre Procedimentos não se põe a questão da retroatividade ou não, porque a lei sobre a possibilidade de remoção “por causas graves” já existia. De agora em diante, o procedimento para a aplicação do Cânone 193§1 é a que foi estabelecida.