Pe. John Flynn, LC
A liberdade religiosa é um direito humano, diz o Departamento de Estado norte-americano em seu Relatório Internacional sobre Liberdade Religiosa 2010, que abrange o curso que terminou em 30 de junho.
“O direito de acreditar ou não acreditar, sem medo de intervenção ou restrição de qualquer governo, é um direito humano básico”, observou o relatório, que foi divulgado em 17 de novembro. É uma agenda global, contida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, acrescentou. Como tal, “fornece uma base essencial para uma sociedade baseada na dignidade humana, numa sociedade civil robusta e numa democracia sustentável”.
O relatório propõe um quadro de análise em que descreve as principais situações nas quais a liberdade religiosa não é respeitada.
1) Governos autoritários. Esta situação é na que mais abusos foram cometidos, disse o relatório. Nesses países, os governos estão se esforçando para controlar completamente todo pensamento e expressão religiosos e consideram alguns grupos religiosos como inimigos do Estado, ao fornecer um conjunto alternativo de crenças que desafiam a ideologia dominante.
2) Hostilidade com relação aos grupos religiosos não-tradicionais e minoritários. Embora não seja uma tentativa de exercer um controle completo, há graves abusos quando os governos intimidam e assediam as comunidades religiosas e não fazem nada frente a atos de intolerância contra elas. Este é um problema real quando um governo é formado por um grupo étnico ou religioso majoritário, que reprime as minorias.
3) Incapacidade para lidar com a intolerância social. Alguns Estados não conseguem resolver a intolerância contra certos grupos religiosos. Embora possa haver leis que garantem a liberdade religiosa, isso não é suficiente.
4) Discriminação institucionalizada. Às vezes, o governo restringe a liberdade religiosa aprovando leis discriminatórias ou promovendo ativamente uma religião ao invés de outra. Isso pode discriminar comunidades religiosas novas ou historicamente reprimidas.
5) Ilegitimidade. Alguns governos discriminam grupos específicos, alegando que eles são ilegítimos ou perigosos para os indivíduos ou para a ordem social. Nesta situação, tais grupos são descritos como “cultos” ou “seitas”.
Preocupação mundial
A falta de liberdade vai além de uma preocupação por alguns Estados em particular. O relatório observou que, nos últimos anos, alguns países com populações muçulmanas têm procurado promover, em organismos internacionais, como a ONU, o conceito de “difamação de religiões”.
O Departamento de Estado assinalou que, embora não se deva tolerar a falta de respeito pelas crenças religiosas, essas iniciativas podem ser usadas para prejudicar a liberdade de religião e de expressão. Em vez de tentar proibir a expressão, os governos fariam algo melhor desenvolvendo procedimentos que enfrentem a discriminação, recomendou o relatório.
Outra questão internacional é a tendência crescente de tentar que as pessoas retornem ao seu país de origem pela força, onde é provável que sofram perseguições por suas atividades religiosas. O relatório indicou a China neste tipo de abuso, por tentar forçar o regresso de muçulmanos uigures e de budistas tibetanos de outros países.
A maior parte do relatório é dedicada a uma análise de cada país sobre o estado da liberdade religiosa. Continuando com a China, o Departamento de Estado comentou que há tolerância de cinco denominações religiosas – budistas, taoístas, muçulmanos, católicos e protestantes – e isso é limitado às associações patrióticas dessas religiões autorizadas pelo Estado.
Nos 12 meses abrangidos pelo relatório, houve alguns aspectos positivos. O Departamento de Estado assinalou que as autoridades permitiram que o trabalho social das organizações religiosas registradas, assim como de alguns grupos religiosos estrangeiros. Houve também uma melhora na cobertura da mídia oficial sobre as questões da liberdade religiosa e ao estatuto das igrejas não registradas.
No entanto, funcionários do governo continuaram controlando e, em alguns casos, assediando certos grupos religiosos e espirituais, tanto registrados como não registrados, segundo o relatório. Além disso, apesar dos desmentidos oficiais de que ninguém foi preso ou detido somente por causa de sua religião, o governo tem detido ou condenado alguns líderes religiosos e seus seguidores.
Paquistão
As notícias não são tão boas com relação ao Paquistão. O país recentemente ocupou manchetes devido à preocupação com o destino da Asia Bibi, uma mulher condenada à morte por supostamente blasfemar contra Maomé. Até o Papa Bento XVI se referiu publicamente à sua situação. Há alguns dias, ela foi perdoada pelo presidente do Paquistão.
O Departamento de Estado observou que, enquanto no ano passado o governo tomou medidas para melhorar a situação das minorias religiosas, ainda existem alguns problemas. No ano passado, aumentou o número e a gravidade dos casos notáveis de intolerância religiosa. Isso tem sido trabalho não só dos indivíduos, mas também dos funcionários e forças de segurança que aplicaram as leis, que abusaram das pessoas detidas ou não conseguiram evitar ou suspender os abusos. Por exemplo, em 16 de setembro de 2009, um jovem cristão, Robert Fanish, que foi acusado de blasfêmia, morreu enquanto estava detido pela polícia.
As leis que proíbem a blasfêmia continuaram sendo usadas contra os cristãos e membros de outros grupos religiosos, segundo o relatório. Este é um problema agravado pelo fato de que os tribunais inferiores muitas vezes requerem evidências adequadas em casos de blasfêmia. Como resultado, alguns têm acusado e condenado pessoas a passar anos na prisão antes de, eventualmente, os tribunais superiores anularem as condenações; 1.032 pessoas foram processadas por blasfêmia entre 1987 e 2009.
O Egito é outro país problemático, destacado no relatório. Continua sendo escasso o respeito à liberdade religiosa, sem melhoras em relação ao ano anterior. Além da discriminação e assédio por parte das autoridades, o governo não foi capaz de processar os culpados de violência contra os cristãos coptos. Esta inação resultou em um “clima de impunidade”, quando se trata de crimes contra os coptos, expôs o relatório. Há também longos atrasos, inclusive de muitos anos, para a obtenção de autorizações para restaurar ou ampliar igrejas existentes.
Aqueles que se convertem do islamismo ao cristianismo continuam enfrentando problemas na obtenção de novos documentos, como a carteira de identidade e permissões para se casar. O governo também discrimina os cristãos na hora de conseguir um emprego no setor público.
Pouco respeito
A Coreia do Norte, que atualmente atrai muita atenção por sua agressão militar, não demonstrou qualquer melhoria no seu “respeito extremamente pobre pela liberdade religiosa”, indicou o relatório. Alguns visitantes comentaram que os serviços religiosos em igrejas aprovadas pelo Estado pareciam ser feitos e usados para dar sustentação política ao regime.
Em maio deste ano, 23 cristãos foram presos por pertencerem à Igreja clandestina na Kuwol-dong, no sul da província de Pyongan. De acordo com relatos, três foram executados e os outros foram enviados para um campo de prisioneiros políticos.
No Vietnã, o relatório apontou algumas melhorias e observou que o presidente Nguyen Minh Triet se reuniu com o Papa Bento XVI no Vaticano. No entanto, de acordo com o Departamento de Estado, continua havendo problemas sérios.
No ano passado, houve casos ocasionais de assédio e de uso excessivo da força contra membros de grupos religiosos por funcionários do governo local. Outros problemas estão relacionados a atrasos na aprovação do registro de congregações protestantes e a persistente falta de autorização do governo para traduzir a Bíblia ao hmong, apesar da espera de cinco anos.
O relatório também comentou que não havia informações sobre o tratamento cruel aos prisioneiros acusados de provocar violência durante um protesto contra o fechamento de um cemitério na paróquia católica de Con Dau.
Outros países sem liberdade religiosa são mencionados no resumo do relatório. São: Irã, Iraque, Arábia Saudita, Birmânia, Cuba e Venezuela.
“Em muitos lugares, as pessoas se tornam objetivo devido às suas crenças religiosas e enfrentam a discriminação, intimidação e até mesmo ataques violentos”, disse no relatório de Michael H. Posner, secretário adjunto no Departamento para a Democracia, os Direitos Humanos e o Trabalho. Uma triste situação que continua em muitos países e que a mídia e o a opinião pública costumam ignorar.