Para os jovens sacerdotes o Papa Francisco recomendou “não se perder na armadilha das circunstâncias do ‘Ah, mas isso é dessa maneira, aquilo de outra, não se pode fazer nada…’ e afundar nas “queixas” e “precipitações da juventude”, mas encontrar “um estilo próprio” pessoal e sacerdotal e não ter vergonha dos próprios “limites”.
Para os sacerdotes adultos, aqueles que vivem a “crise da meia idade” pediu para ir em frente buscando uma “transformação necessária”, indispensável para amadurecer e superar as muitas e “novas tentações” que ocorrem nessa fase da vida, da mesma forma que na juventude.
Para os idosos encorajou-os a ouvir e os animou, por fim, a dialogar com o mundo “sem medo da realidade”, embora diferente do passado, porque sempre esconde “algo de bom que vem do Espírito.” E sobre isso precisa ser adaptada a pastoral, por exemplo, a matrimonial para os casais que vivem juntos.
O Papa Francisco falou a três gerações de sacerdotes durante o tradicional encontro com o clero da Diocese de Roma, em São João de Latrão. Um diálogo sincero, a portas fechadas e aberto a tudo, durante o qual o Pontífice – acompanhado pelo vigário Angelo De Donatis, com quem compartilhou um momento pessoal de oração antes da reunião e depois da liturgia penitencial – respondeu por mais uma hora de improviso, às perguntas que alguns sacerdotes lhe tinham enviado previamente.
O Papa atendeu a confissão, durante 45 minutos, dos sacerdotes de Roma
Chegando às 10h30 na Basílica, o Papa Francisco atendeu a confissão por cerca de 45 minutos de um grupo de sacerdotes romanos durante a liturgia penitencial presidida pelo vigário De Donati, começando com os jovens. Eles são, de fato, aqueles que precisam de maior ajuda e maior proximidade espiritual.
Os jovens sacerdotes devem encontrar um “estilo” próprio
O clero jovem de Roma perguntava ao Papa, em sua carta, como alimentar o fogo das vocações “que nascem bem, mas depois esfriam, se acomodam, se apagam”, especialmente considerando o contexto atual que impede “viver em liberdade a vida sacerdotal”, em cidades onde os padres “não são incisivos” e existe um “estilo de igreja que ainda não foi renovada”.
Para o Papa, essas são “circunstâncias”, bem como “limitações que não nos permitem ir em frente”, porque parece que “na frente delas não há saída”. “É uma armadilha porque não te permite crescer”. Então é preciso “colocá-las de lado” e ir em busca de “um estilo sacerdotal próprio, da própria personalidade, da própria identidade, com um toque pessoal, com motivações que te levem a viver em paz e fervor”.
Face a face com o Senhor, não é um clichê
Também é importante viver momentos pessoais, face a face com o Senhor em oração. “Não é um clichê dizer que não poderíamos viver o ministério com alegria sem momentos de oração pessoal com o Senhor, face a face com Ele, falando, conversando, sobre tudo aquilo que cada um está vivendo”, explicou o Papa.
“Falo com o Senhor ou falo comigo mesmo diante da impossibilidade de tantas circunstâncias que fecham a porta, que me puxam para baixo? ‘Aqui não é possível, aqui está tudo uma bagunça, não é possível ser sacerdotes neste mundo secularizado. E assim começam as queixas’. Não!”, afirmou o Pontífice. Que concentrou sua reflexão sobre os “limites” que cada um tem e aos quais, em suas palavras, não se deve fugir: eles, aliás, “devem estar presentes na tua vocação sacerdotal, no teu próprio estilo”. “Identificar os limites, os gerais, mas também os pessoais. Dialogar com os limites no sentido: o que eu posso fazer com tal limite, como conviver com ele? Também discernir entre os limites…”.
Os pecados têm uma raiz, identifique-a e dialoguem com os seus limites
“A questão pode nos assustar, porque existem muitos limites, tantas circunstâncias que nos puxam para baixo”, mas não devemos “ter medo”. Além disso, o diálogo com os próprios limites é necessário porque “os pecados devem, sim, ser perdoados, o sacramento da Confissão é usado para isso, mas ali não termina tudo. O teu pecado surge de uma raiz, de um pecado capital, de uma atitude … e isso é um limite, é preciso discernir. É um caminho diferente daquele de pedir perdão pelo pecado. “Oh, sim, eu tenho este problema, eu me confessei e acabou ali.” Não, não termina aí! O perdão está ali, mas depois precisas dialogar com essa tendência que te levou a um pecado de orgulho, de vaidade, de inveja, de fofoca. O que me leva a isso? Dialogar com o limite e discernir”.
Encontrar um homem sábio, não é suficiente se confessar
E esse diálogo “para ser eclesial” deve ser feito “diante de uma testemunha, alguém que me ajude a discernir”. “É tão importante o confronto”, explicou Francisco, e brincou: “Não tanto sobre os pecados, os pecados devem ser confessados para pedir perdão, depois com o Senhor continuo em frente. Mas sobre os limites, as tendências, os problemas, as doenças espirituais que eu tenho: estes nunca poderão ser vencidos sem o confronto”.
“Não é suficiente confessar os pecados”, insistiu Bergoglio. “Na confissão existe a humildade do pecador e a misericórdia de Deus que se encontram e se abraçam. Um momento belíssimo, mas não é suficiente. Você é responsável por uma comunidade, você precisa seguir em frente e para isso você precisa de um guia. Não tenha medo”. É preciso, portanto, “buscar um homem sábio”, sugeriu o Papa, alguém que “oriente e ajude a discernir. Se você tem um pecado, procure um misericordioso – se for surdo, melhor ainda – peça perdão e continue”; mas “para entender o que te levou ao pecado, qual é o problema, procure um sábio para dialogar e resolver o teu caminho”.
A solidão não é boa para um padre
Isso também ajuda a superar a solidão que para um sacerdote “não é boa”. “O sacerdote é um homem sozinho e não pode viver sem um companheiro de viagem, um guia espiritual”. Nesse sentido, também é útil “criar pequenos grupos que se acompanham – as fraternidades sacerdotais – que se encontram, falam… é importante”.
Cuidado com a crise da meia-idade, é “o diabo do meio-dia”
O discurso vale para os jovens, é claro, mas também para os adultos. Especialmente para os sacerdotes de 40-50 anos, que – escreveram os próprios sacerdotes na sua pergunta – vivem uma “idade decisiva”, em que “cai-se em perfeccionismos moralistas” e “há a consciência de ser pecadores” ( “Isso é muito bom” observa o Papa). É “o diabo do meio-dia”, exclamou Francisco, “na Argentina é chamado de ‘el cuarentazo’ porque surge aos 40-50 anos … É uma realidade, ouvi dizer que alguns o chamam de ‘agora ou nunca’, tudo precisa ser repensado”.
Dois livros: Grün e Voillaume
Para enfrentar tal crise, o Pontífice sugeriu a leitura da obra do monge austríaco Anselm Grün intitulado “40 anos. Idade de crise ou tempo de graça”, uma espécie de diálogo psicológico-espiritual; depois o livro do padre René Voillaume “A segunda chamada. A coragem da fragilidade” em que é apresentada “uma bela exegese da vocação de Pedro, a última em Tiberíades, a segunda chamada”. “O Senhor nos chamou pela primeira vez, nos chama constantemente, todos os dias, mas em algum momento da vida faz uma segunda chamada forte. É um momento de muitas tentações – observou o Papa – em que é preciso uma necessária transformação. Não é possível continuar sem esse amadurecimento, porque se continuar assim, sem amadurecer, “dar o passo”, nessa crise vai acabar mal. Numa vida dupla talvez … ou deixando tudo”.
Sejam sinceros com Deus, é um momento duro, mas libertador
Mesmo nesse caso é bom dialogar com os próprios limites: ou seja, ser consciente de que “não existem mais aqueles primeiros sentimentos que eu tinha quando jovem para seguir o Senhor, aquele entusiasmo”. Como no casamento, em que a paixão e a emoção vão se enfraquecendo. Como remédio, o Papa indicou “buscar o ‘gosto do pertencimento’. O prazer de pertencer a um grupo, de compartilhar, de caminhar e lutar juntos. Isso se conserva”.
Para encontrar esse gosto é bom ter o apoio de “um homem prudente, um sábio que te acompanhe”: “Se você ainda não o tem, procure-o! É perigoso continuar em frente sozinhos nessa idade. E muitos terminaram mal”. Também ajuda ficar diante do Senhor e “dizer-lhe a verdade: que você está um pouco decepcionado, que o entusiasmo se foi”. É uma “oração de doação. Dar-se ao Senhor, uma maneira de rezar diferente. É um momento duro, mas libertador. O que passou, passou, agora é outra idade, outro momento da vida sacerdotal. É com o meu guia espiritual que eu tenho que continuar em frente”.
O Papa, ele mesmo confessou, experimentou isso em primeira pessoa em 1992, quando o cardeal Quarracino o chamou como seu colaborador mais próximo em Buenos Aires. Naquela época, lembra-se, após o telefonema do Núncio, “ajudou-me muito a oração, ficar diante do tabernáculo”. Nos anos anteriores, “eu era o confessor e diretor espiritual, mas eu vivi [um período] muito escuro e de sofrimento, inclusive na infidelidade de não encontrar o caminho e das compensações mundanas. No final desse período, o Senhor me preparou para aquele telefonema e me colocou em um caminho diferente”. Depois veio o 13 de março de 2013: “Eu nem me apercebi do que tinha acontecido, eu continuava a trabalhar como bispo”, riu Bergoglio.
“O tempo dos filhos”: eles crescem, nós ficamos para trás
Esse tempo, acrescentou ele, é também “o tempo dos filhos”, de “ajudar a paróquia, a Igreja, a crescer”. “O tempo em que eu começo a diminuir. O tempo de fecundidade, aquela verdadeira, não a falsa. O tempo da poda: eles crescem e eu ajudo ficando para trás”. E, justamente por isso, as tentações aumentam e são tentações “ruins, que nunca alguém pensou pudesse ter antes”. “Não sintam vergonha”, incentivou o Papa Francisco, “são tentações, o problema é do tentador não de vocês. Não tenham vergonha, mas desmascare-as imediatamente”.
Os anciãos escutem a dor humana e ofereçam o perdão incondicional
Aos sacerdotes idosos, o Papa explicou que a sua idade é uma época em que se deve “fornecer proximidade para os sofrimentos e misérias humanas, a compaixão de um pai, com uma palavra, um sorriso. Hoje as pessoas precisam ser ouvidas. É o momento de oferecer perdão sem condições”. Uma pastoral que “escute”, é o que lhes compete: “Os jovens precisam, neste mundo virtual, sem substância, que arranca as raízes.”
Discernir os sinais dos tempos, a realidade é superior às ideias
Finalmente o bispo de Roma convidou a “discernir os sinais dos tempos”, porque “às vezes, o olhar é tentado a ver apenas realidades negativas, longe do Evangelho”. “Precisamos olhar para a realidade, mas também a realidade escondida, porque a realidade sempre esconde algo de sublime. Não tenha medo da realidade. Ela é, eu gosto de dizer, é maior que as ideias, é superior às ideias. Não tenha medo da realidade! Sim, existem condutas também morais que não são aquelas às quais estamos acostumados. Vamos pensar na vida conjugal, hoje muitos não se casam, preferem viver juntos. E esta realidade: como eu a encaro, como a acompanho, como posso ajudar e explicar como avançar, como amadurecer? Como posso fazer com que esse casal que se ama “dê o passo” para uma maior maturidade espiritual?”.
Tantas coisas boas
São perguntas a serem consideradas, realidades pastorais “que não podemos esquecer ou pôr de lado”, observou o Papa. “Há desafios, mas também realidades muito boas. Não só desastres”. E especialmente neste tempo, em comparação com o passado, há muitos aspectos positivos: “Uma maior consciência dos direitos humanos e da dignidade, agora ninguém mais pode impor as próprias ideias, as pessoas estão mais informadas, o valor da igualdade, a tolerância e a liberdade de manifestar-se da forma como a pessoa é, a convivência social é mais sincera e espontânea”.
Hoje, existem “novos valores”, não nos assustemos com a realidade
Portanto, não devemos “nos assustar com as dificuldades, com os novos valores (“novos valores” entre aspas), as coisas são assim. E o que eu posso fazer? “Ah, mas isso não é bom, esse outro sim!”. Discernir os sinais e pegar o que pode ser levado adiante e ajudar os outros. É verdade – concluiu o Papa – o mundo é em si pecador e mundaniza muitas coisas, mas é preciso discernir o que é possível pegar, porque vem do Espírito”.
Fora da programação no Pontifício Seminário Romano Maior
No final do encontro foi distribuído o subsídio “Caros irmãos no sacerdócio …”, os textos dos Papas para o clero romano, de Paulo VI até Francisco, para o Ofício das Leituras dos dias da Quaresma.
Por fim, um momento fora da programação: saindo da Basílica de Latrão, o Papa Francisco dirigiu-se ao vizinho Pontifício Seminário Romano Maior, onde em duas ocasiões, nos últimos anos, não tinha sido possível fazer uma visita por várias razões. Lá ele rezou na capela de Nossa Senhora da Confiança e almoçou com cerca de setenta seminaristas.
A reportagem é de Salvador Cernuzio, publicada por Vatican Insider,15-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.