O Papa Francisco chegou pouco depois das 10 horas na Catedral de Florença, acolhido pelos cardeais Bagnasco eBetori. Lotada até o limite da sua capacidade. Para chegar ao altar da catedral de Santa Maria del Fiore, Bergoglio levou alguns minutos, acompanhado por um contínuo aplauso por parte de milhares de pessoas, cardeais e os muitos participantes do Congresso Eclesial Nacional.
Ao longo do caminho, na nave central da catedral, o papa se deteve várias vezes apertando mãos e acariciando algumas cabeças, especialmente de crianças e doentes. Depois, o papa tomou o lugar nas cadeiras dispostas diante do altar-mor.
O primeiro que tomou a palavra foi o presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Angelo Bagnasco, para uma breve saudação. “Este nosso Congresso Eclesial quer expressar e expressa a sinodalidade da Igreja italiana”, começou o cardeal. “Sinta que pode contar com a nossa cordial proximidade e com a obediente e plena colaboração. Um afeto que, nos momentos de maior provação, é chamado a se manifestar de maneira ainda mais convicta e concreta”.
“Agradecemos-lhe – continuou – pela sua presença entre nós, assim como pela palavra de autoridade que o senhor vai nos dirigir: são sinais da sua proximidade de pastor. Obrigado porque, também com o seu exemplo, o senhor nunca deixa de nos encorajar a um espírito mais autêntico, desinteressado e alegre. Que estes dias de oração, debate e planejamento nos ajudem a assumir as suas instruções e a crescer no testemunho do Senhor.”
Depois, foi a vez dos testemunhos.
Segue abaixo um resumo.
Francesca Masserelli, batizada como adulta
“Eu moro em um pequeno vilarejo aos pés dos Vales de Lanzo, na província de Turim. Desde pequena, sempre desejei encontrar Jesus, mesmo que os meus pais tomaram a decisão de não me batizar. Essa peculiaridade tornou ainda mais consciente o meu caminho de fé.
“Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer à minha família por ter me ajudado a ser a pessoa que eu sou hoje. Os meus pais, por terem me dado a vida, por terem sido um exemplo para mim daquilo que significa ‘amar-se por toda a vida’, cuidando com amor e compromisso os próprios filhos, tentando não fazer faltar nada e dando-lhes o verdadeiro ‘pão de cada dia’: alma, coração, fé e esperança. (…)
“Neste último ano, eu tive que enfrentar diversas dificuldades: primeiro, com a doença do meu pai, todos nos sentimos doentes e, enfim, com a sua morte, é como se todos tivéssemos morrido, afogados em um ‘oceano-mar de lágrimas’. A dor foi forte, e a tristeza, imensa, em alguns momentos, inconsolável. (…)
“Eu sofri muito e ainda agora sinto muito a falta do meu pai. Sofro por não ter mais um contato com ele, um abraço e eu sempre busco nas minhas orações o seu apoio. No seu leito de morte, eu gostaria de ter lhe dito: ‘Papai, não tenha medo. A morte não é o fim de tudo, mas agora você está prestes a começar uma longa viagem com as velas abertas, para aportar um dia em um porto seguro, e lá você vai começar uma nova vida, a verdadeira. Espero com todo o coração que, quando nos revermos, o nosso abraço será um abraço infinito, pela eternidade, e será incluído em um abraço maior com o Senhor, que tudo pode e tudo perdoa, se nos nossos corações há esse desejo’.
“Eu tenho a sorte de ter recebido os sacramentos, junto com a minha filha, na Páscoa de 2015, porque para nós foi como renascer ‘para uma nova vida’. Tornar-se cristão é uma alegria, mas também um compromisso que envolve fadiga. Também quero agradecer à Virgem Maria que, como mãe, sempre vigiou pela minha menininha, dom do Senhor. Que o Senhor ilumine sempre o nosso caminho.”
Pierluigi e Gabriella Proietti, Centro de Formação e Pastoral Familiar Betania – Roma
Pierluigi – Nós nos conhecemos em 1992, logo depois do colapso definitivo dos respectivos casamentos anteriores que duraram cerca de 10 anos. Eu tenho um filho de 33 anos, nascido do primeiro casamento, que agora está casado e tem duas filhas. Já Gabriella tem uma filha de 34 anos. Dois casamentos nascidos e vividos sem consciência do sacramento, sem maturidade e perguntas de sentido. Casamentos que terminaram, vivendo a sua crise em solidão e sem apoio. Depois do terremoto da separação, estávamos ambos em busca de uma orientação e de um fundamento de sentido para a nossa vida e de modos para aliviar os sofrimentos dos nossos filhos.”
Gabriella – Nessa busca, um casal, “revestido também de fraqueza” (cf. Hb 5, 2), se fez próximo, derramou sobre as nossas feridas o bálsamo da acolhida e, depois, nos “entregou” à Igreja, o albergue da humanidade ferida, para que nos curasse.
Pierluigi – Nesse sofrido período, nós nos conhecemos. Ambos decidimos confiar em uma Igreja que, como mãe sábia, depois de nos acolher e consolar, nos instruiu sobre o que fazer, até nos acompanhar para avaliar a eventual nulidade dos nossos casamentos anteriores.
Gabriella – As causas de nulidade, vividas com o objetivo de conhecer qual era a vontade de Deus para nós, foram uma dolorosa oportunidade para revisitar as motivações que tinham nos levado a contrair os nossos laços matrimoniais anteriores. Depois de oito anos, ambas as “difíceis” causas de nulidade se concluíram com uma sentença afirmativa.
Pierluigi – No ano 2000, quando os filhos já eram maiores de idade, nós nos casamos com o casamento concordatário. Mas foi um recomeço a quatro, e não a dois. O novo caminho da vida matrimonial, de fato, se mostrava íngreme por causa das consequências do fracasso anterior, seja na confiança na vida de casal, seja no crescimento sadio dos nossos filhos.
Gabriella – Assim, a partir de 2001, por sugestão desses nossos “tutores”, começou para nós, como suporte para as dificuldades da nossa nova situação, um percurso formativo que, desde então, não teve mais fim: Palavra de Deus, sacramentos, oração, estudo, trabalho sobre nós mesmos.
Pierluigi – Tudo isso gradualmente transformou as nossas relações, a de casal, assim como a delicada e difícil com os nossos filhos, hoje curada, rica em comunhão, enriquecida também por duas esplêndidas netas. Assim, experimentamos e tocamos com a mão como a misericórdia de Deus e a confiança que Ele tem em cada um de nós supera a pobreza da nossa criaturalidade ferida.
Gabriella – Assim, amadureceu um chamado a colocar a nossa competência unida à nossa experiência pessoal a serviço daqueles que vivem situações de crise, incompreensão, incomunicabilidade dentro da relação de casal ou da relação pais/filhos, e também para aqueles que já se encontram na situação de separação.
Pierluigi – O Centro de Formação Familiar Betania de Roma, onde atuamos há vários anos, sustenta e acompanha os casais feridos, por meio de uma escuta amorosa e da redescoberta da relacionalidade e da aliança no casal. Também oferece um percurso formativo para os cônjuges, que integra antropologia cristã, ciências humanas e trabalho sobre si mesmos, fornecendo, assim, instrumentos para uma pastoral familiar incisiva e eficaz que os casais formados poderão desenvolver ao voltar para as suas próprias paróquias.
Gabriella – Em síntese, a nossa experiência é a de pessoas que, agredidas pela vida e abandonadas à beira da estrada, conheceram o amor e a ternura de um “samaritano”, que as confiou a Cristo, o único que pode curar profundamente .
Pierluigi – Talvez, justamente por causa da nossa história, o Senhor nos chamou para restituir, por nossa vez, aquilo que aquele samaritano, um dia, fez por nós. Assim, ousamos esperar que as nossas feridas que se tornaram fendas de luz possam contribuir para gerar um novo humanismo.
Bledar Xhuli, sacerdote e ex-refugiado
“Caro Papa Francisco, eu me chamo Bledar Xhuli. Estou aqui para contar como, na minha vida, eu encontrei Cristo. Nascido em Fier, na Albânia, em uma família ateia, depois da queda da ditadura, os meus pais, que trabalhavam para o Estado, perderam o trabalho, e não havia nenhuma perspectiva para o futuro. Em 1993, aos 16 anos, portanto, eu decidi partir para trabalhar na Itália, para realizar um sonho e depois voltar para a Albânia.
“Com um passaporte falso, atravessei o Mar Adriático em um navio, pensando em encontrar facilmente um trabalho e uma casa, mas logo descobri que não era assim. O fato de ser clandestino e menor de idade não melhorava a situação. Girando por várias cidades da Itália, dormia ao ar livre nas estações ferroviárias.
“Parei em Florença, onde um morador me disse que havia a possibilidade de comer e de dormir de graça: de fato, dormimos debaixo de uma ponte ao longo do Mugnone e comíamos na mesa da Cáritas. Eu circulava todo o dia para procurar trabalho, mas sem documentos era impossível. Eu batia nas Igrejas para pedir esmola e uma ajuda.
“De noite, muitas vezes, eu não conseguia dormir por causa do frio e da umidade, mas também porque eu estava em uma situação pior do que antes: e não podia voltar atrás por causa de todo o dinheiro tomado emprestado para a travessia.
“Às escondidas dos outros, de noite eu chorava e gritava o meu desespero. Deus escutou a voz de um desesperado. Um dia, no dia 2 de dezembro de 1993, eu bati na Igreja de San Gervasio, não para pedir esmola, mas para pegar uma carta. O padre, Giancarlo Setti, começou a me perguntar quem eu era e o que eu fazia. Ele não me deu esmola, mas se interessou por mim. Quando eu lhe disse que eu dormia debaixo da ponte e que eu tinha 16 anos, ela não podia acreditar. Começou a telefonar para pedir ajuda para as pessoas que ele conhecia, mas a questão não era fácil. Ele me disse para voltar no dia seguinte, me prometendo depois que iria encontrar uma solução. No dia seguinte, não tendo encontrado nada, ele me disse: ‘Para mim, quem bateu foi Jesus, então venha e fique na minha casa’.
“Ele me fez entrar e morar na sua casa, como um filho, não por um dia ou um mês, mas por quase 10 anos, até 2002, ano em que ele morreu, depois de uma doença grave. Uma generosidade e acolhida que me abalaram. E me fizeram entender uma grande verdade: eu era clandestino, não era um delinquente. Foi o primeiro encontro com Cristo, embora eu não estava ciente disso. Graças a ele, eu encontrei um trabalho como frentista e retomei os estudos, formando-me como contador.
“Depois, matriculado na Faculdade de Ciências Políticas, continuei trabalhando como gerente em uma multinacional. Por morar em uma paróquia, eu convivia com os jovens da minha idade. Aos domingos, às 11 horas, todos desapareciam e iam para a igreja. Eu também ia, para não ficar sozinho. A missa me agradou muito, especialmente as leituras que eu não conhecia, e os cantos que me alegravam o coração e me lembravam os afetos distantes.
“Na segunda missa de que eu participei, seguindo o exemplo dos outros, pus-me na fila para a comunhão, que o sacerdote me negou, e eu fiquei muito mal. Quando lhe perguntei o porquê na sacristia, ele me respondeu que eu não era batizado.
“Eu queria receber imediatamente o batismo para fazer a comunhão, mas ele me respondeu que não era possível: era preciso para fazer a preparação e a catequese! Eu aceitei com muita alegria e, todas as noites, quando voltava do trabalho e das escolas noturnas, eu também fazia uma hora de catequese. Na noite da Páscoa de 1994, recebi o batismo, a crisma e a comunhão, segundo o rito dos adultos. Outro encontro com Cristo. Gradualmente, descobri que o batismo era um novo começo.
“O começo de um caminho espiritual, que, passando pelo estudo e pelo trabalho, levou-me a descobrir a vocação ao sacerdócio durante o Jubileu do ano 2000. ‘Termine a universidade que você começou e, enquanto isso, você vai verificar o seu chamado. Deus não tem pressa’, me disse o Pe. Setti. ‘Muitas vezes, somos nós que não temos paciência’.
“Infelizmente, no dia 22 de setembro de 2002, ele morreu. Seguindo o seu conselho, depois da formatura, entrei no seminário diocesano, onde vivi sete anos maravilhosos de oração, estudo e fraternidade. Desde o dia 11 de abril de 2010, sou sacerdote da igreja de Florença. Por cinco anos, fui vice-pároco em San Casciano, acolhido como em uma família pelo pároco e pela comunidade.
“Desde janeiro deste ano, sou pároco de Santa Maria a Campi, uma comunidade viva e generosa, onde não falta nem o trabalho pastoral nem espiritual. Como todos os sacerdotes, eu tento servir o Senhor e os irmãos na alegria e no esforço cotidiano de viver o aviso recebido no dia da ordenação diaconal, quando o bispo, ao me entregar o Evangelho, disse: ‘Viva o que você ensina!’.
“No afeto, na proximidade e na oração de tantas pessoas e famílias, eu encontrei Cristo: tenho o coração cheio de gratidão, embora muitas vezes experimentando a dificuldade de retribuir tanta generosidade.
“Eu quero dizer obrigado ao senhor, expandindo o fôlego desde Congresso da Igreja italiana em ótica internacional, pela sua viagem para a Albânia. O senhor encorajou não só a Igreja, mas o país inteiro a voar alto como as águias. Dado o título do Congresso da nossa Igreja italiana, ‘Em Cristo, o novo humanismo’, voltando às palavras que o Pe. Setti dizia, ‘para mim, foi Cristo quem bateu’, depois de 22 anos, eu posso afirmar, querido Papa Francisco, que Cristo não estava presente em quem batia, mas em quem abriu a porta. E ainda hoje, às vésperas da abertura do Ano Jubilar da Misericórdia, Ele repete à Sua Igreja e ao mundo: ‘Batam e lhes será aberto’.”
Jornal Avvenire, 10-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.